Carlos Silvino mudou depoimentos ao longo do tempo
Sete anos de processo da Casa Pia não foram suficientes para Carlos Silvino ("Bibi") revelar, em consciência, qual a sua versão correcta dos factos, mudando a sua versão, pelo menos, três vezes. O ex-motorista da Casa Pia, detido em Novembro de 2002, começou por negar abusos e conhecimento de alguns co-arguidos. Algo que só veio a admitir, meses mais tarde, em Agosto de 2003. Neste intervalo, segundo o seu antigo advogado Dória Vilar, esteve em cima da mesa um "estatuto de arrependido" que "Bibi" não aceitou. Em julgamento, continuou a confessar crimes e a apontar o dedo. Ontem, mudou de opinião. Quando é que Silvino falou a verdade?
A entrevista à revista Focus - realizada por Carlos Tomás, jornalista freelancer que actualmente não tem carteira profissional - é mais uma mudança no discurso de "Bibi" nos últimos anos.
Coincidências e contradições
Foi em Fevereiro de 2003 que Carlos Silvino foi chamado a prestar as primeiras declarações no processo, ainda este estava em fase de investigação. Um mês depois, "Bibi" foi novamente à Polícia Judiciária, mas apenas relata boatos e rumores que ouviu na Casa Pia relativamente a abusos sexuais. Na entrevista à Focus, referiu que os interrogatórios na PJ eram acompanhados por um "copo de água" que depois de bebido o deixava maldisposto. Um tema, aliás, já mencionado, em 2003, num blogue que causou muita polémica, muitomentiroso.blogspot.com, entretanto desactivado, onde já se dizia que Carlos Silvino "drogado, dirá ou assinará o que Rosa Mota e Dias André quiserem".
Em Junho de 2003, Carlos Silvino foi questionado directamente pelos inspectores se conhecia Carlos Cruz, Hugo Marçal, Ferreira Diniz, Jorge Ritto, Paulo Pedroso e Manuel Abrantes. Apenas admitiu contactos com dois. Por motivos óbvios: Marçal chegou a ser seu advogado, Abrantes era provedor adjunto da Casa Pia. Quanto aos restantes, nada.
Estratégia até julgamento
Só em Setembro de 2003, e depois de ter despedido Dória Vilar da sua defesa, mantendo apenas o advogado José Maria Martins, é que "Bibi" começou a abrir o seu livro de memórias aos investigadores, falando em "boleias" que dava a alguns alunos da Casa Pia para uma casa do embaixador Jorge Ritto, e referindo o nome de Carlos Cruz. Ontem, em declarações ao DN, Dória Vilar declarou: "O Carlos Silvino podia ter dito o que diz agora há muito tempo. Teve muitas oportunidades." O antigo advogado recordou: "Entre Fevereiro e Abril de 2003, o Carlos Silvino teve em cima da mesa a hipótese de um estatuto de arrependido, que passava pela redução de pena e uma ida para o estrangeiro. Não quis. E perdeu uma oportunidade para dizer a verdade."
Confrontado com as últimas declarações de "Bibi", Dória Vilar admitiu que "é difícil perceber quando é que ele disse a verdade". Surpreendido pelo volte-face de Carlos Silvino? "Sim, nesta fase, a entrevista surpreendeu-me", respondeu ao DN o advogado.
Na fase de instrução, Carlos Silvino foi mantendo o teor dos seus depoimentos relativamente a arguidos já constituídos, inclusi- vamente o ex-deputado socia- lista Paulo Pedroso, que, refira- -se, não foi julgado por qualquer crime.
Sendo que, em julgamento, "Bibi" lá foi secundando as declarações dos jovens ofendidos. Por um lado, admitiu ter cometido abusos em alguns, pedindo-lhes desculpa, e por outro confirmou as declarações das vítimas em relação a outros arguidos. Algo que, ontem, desmentiu. Seja como for, o colectivo de juízes que julgou o processo considerou que as declarações de "Bibi", não sendo determinantes, foram importantes para as condenações, sobretudo porque cimentaram as palavras das vítimas.