Não há registo pela Europol de crimes de terrorismo relacionados com atividade violenta de claques de futebol - como é o caso em Portugal da acusação contra os detidos pela invasão da Academia do Sporting em Alcochete, a 15 de maio do ano passado..Este tem sido o principal ponto de contestação da defesa dos arguidos, entre os quais o ex-presidente leonino, Bruno de Carvalho, e o líder da Juve Leo, Nuno Mendes, conhecido como Mustafá. Foi só por terem sido indicados por terrorismo que foi possível decretar a prisão preventiva dos suspeitos desse ataque ao local onde treina a equipa profissional do clube. Os outros crimes em causa, como ofensas graves à integridade física e sequestro, têm penas até cinco anos de prisão, que não permitem a medida de coação mais grave..Não são conhecidos casos semelhantes noutros países nem a Europol, a agência de polícia europeia, tem previsto o contexto desportivo - nem sequer o mais violento hooliganismo - em crimes de terrorismo..No relatório anual sobre o tema, a Europol limita os registos de processos judiciais, detenções e condenações a cinco tipos de "terrorismo": jihadista, etnonacionalista, de extrema-esquerda e anarquista, de extrema-direita, e o chamado terrorismo de "causa" (single issue), como a defesa dos animais ou do ambiente..Questionado sobre se este caso de Portugal poderia dar origem a uma nova tipificação, o porta-voz da Europol remeteu para as "autoridades nacionais" a decisão de comunicar ou não os processos. "Cabe aos Estados membros decidir que factos comunicam", assinalou. Ao que o DN apurou junto de fonte judicial, só após o julgamento, caso haja condenações por esse crime, é que a questão será analisada..Parecer jurídico à medida.Esta acusação de terrorismo - que é também contestada por especialistas e investigadores nacionais da área - teve por base um parecer jurídico da autoria do ex-ministro da Administração Interna, Rui Pereira..O documento, a que o DN teve acesso através de fonte da investigação, foi transcrito ipsis verbis na acusação da procuradora Cândida Vilar. O parecer, de seis páginas, não está assinado e o DN pediu a Rui Pereira que confirmasse a sua autoria, não tendo no entanto recebido resposta..No despacho de acusação na "questão prévia", o MP sintetiza em oito tópicos os motivos por que a violência que teve lugar na Academia de Alcochete deve ser considerada crime de terrorismo - exatamente com o mesmo texto do parecer, tal como todo o enquadramento legal..Em janeiro último, quando o penalista Magalhães e Silva invocou no recurso de abertura de instrução de um dos arguidos neste processo que o ex-governante tinha influenciado esta acusação de terrorismo, questionado pelo DN, Rui Pereira negou. "Não fiz parecer nenhum", alegou..Magalhães e Silva - que não tinha na altura conhecimento do parecer - tinha verificado algumas "coincidências" entre expressões utilizadas na acusação e um texto do ex-ministro publicado em 2004. Neste documento publicado na Revista do Ministério Público, o ex-ministro escreveu que "um agrupamento de duas pessoas que se proponham esbofetear agentes de polícia para os intimidar constitui uma organização terrorista"..O advogado, que faz parte do Conselho Superior do Ministério Público, sustentou que foi aqui que "textualmente" foi "beber o despacho de acusação" quando define o ato terrorista como o "agrupamento de adeptos de uma associação desportiva que se proponham esbofetear atletas para os intimidar, em servil paráfrase da associação de duas pessoas para esbofetear polícias da versão Rui Pereira"..Nessa altura, José Manuel Anes, perito em segurança e criminalidade, assinalava que neste caso "terrorismo há zero" e que "em lugar nenhum do mundo" o ataque à Academia sportinguista seria considerado terrorismo. "Será uma gargalhada na Europol se ficar registado como tal nas estatísticas internacionais", salientou. Em nenhum "outro país do mundo alguma vez se confundiu hooligans com terroristas", frisou.