Algarve. À espera dos turistas portugueses, com mais medo da crise do que da pandemia
O Algarve prepara-se "afincadamente" para receber os turistas portugueses para uma época balnear que a pandemia de covid-19 virou do avesso e que deixa a região mais a sul do país, fortemente dedicada ao turismo, a fazer contas à vida. Depois de ter começado o ano com um crescimento de quase 15% no número de hóspedes, o turismo algarvio caiu a pique e tenta agora reerguer-se para um verão dentro da normalidade possível.
Para quem chegar, isso significará condicionamentos nas praias, mas também, expectavelmente, menos hotéis e restaurantes abertos e menos atividades disponíveis. Para quem está, isso significa menos emprego e menos rendimento. E essa é uma realidade que já se instalou.
Isilda Gomes, presidente da Câmara de Portimão, olha para os próximos meses com um "misto de expectativa e esperança, mas também com preocupação": "A nossa economia é dependente do turismo, quase a 90%. Se não houver turismo a economia morre."
A autarca (do PS) diz que o município está a preparar-se "afincadamente para receber os nossos turistas", mas na certeza - comum a outros presidentes de câmara - de que este será "um ano de turismo reduzido". Mas não será preciso esperar pelo verão para ver as consequências do surto pandémico na economia: "A informação que tenho recebido é que, na hotelaria e na restauração, há estabelecimentos que não vão abrir. Há hotéis que não vão reabrir... Muita gente irá para o desemprego".
O mesmo diz Rogério Bacalhau, social-democrata que preside a Câmara de Faro. "Vamos ter muito menos gente no Algarve. Para se ter uma ideia, o aeroporto de Faro atingiu os nove milhões de passageiros no ano passado", o número mais alto de sempre, um dos muitos recordes que a região tem vindo a registar nos últimos anos, em afluência e receitas do setor.
"Este verão vai ser muito mau: 70% do nosso turismo é estrangeiro", sublinha o autarca que, mesmo em relação ao turismo nacional, acredita que quem irá para o Algarve serão sobretudo os portugueses que têm uma segunda habitação na região. "A restauração e a hotelaria vão passar muito mal" e, em consequência, o "desemprego vai ser muito grande", aliás, "já é". Em Faro, num mês, os "desempregados passaram de 2100 para mais de três mil. Há concelhos que triplicaram o número de desempregados só neste espaço de tempo".
"O Governo tem de ter um plano especial para o Algarve", defende Rogério Bacalhau. O Algarve - como a Madeira, por exemplo - não é como Lisboa ou o Porto: "Lisboa perdeu muitos turistas, mas tem outras atividades económicas." O autarca pede, por isso, um plano específico de apoio para a região, "sob pena de muitas empresas colapsarem".
De acordo com os últimos números disponíveis, o número de desempregados inscritos no Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) subiu 41% no Algarve em comparação com o mesmo mês do ano anterior, a maior subida a nível nacional.
No Sotavento Algarvio, em Tavira, um destino muito procurado por famílias portuguesas durante o verão, Ana Paula Martins, presidente da autarquia, espera que a economia da região possa encetar alguma recuperação nos meses que se avizinham, na certeza de que "este não será um ano como os outros". Para já, há que criar todas as condições para assegurar um aspeto fundamental, a "confiança" dos turistas.
João Fernandes, presidente da Região de Turismo do Algarve, admite que a procura "nunca chegará aos níveis habituais da época balnear", mas também destaca que "os portugueses têm uma expressão muito significativa", em termos de ocupação hoteleira, durante o verão: "Representam 37% das dormidas em agosto." Uma percentagem que ganha peso se for considerado o chamado "mercado interno alargado", que inclui os visitantes vindos das regiões fronteiras de Espanha, a Andaluzia e a Extremadura, mas também a Galiza, que acompanha o norte de Portugal no hábito de rumar a sul para a época balnear. Para isso é crucial a abertura de fronteiras com o país vizinho.
Numa projeção mais favorável, João Fernandes antecipa que possa existir, "a partir de meados ou final de junho, alguma procura internacional", embora este seja um cenário rodeado de incerteza: "Dependerá sempre da acessibilidade aérea e das condições do mercado emissor." Um capítulo em que assume particular relevância o Reino Unido, de onde chega habitualmente a maior percentagem de turistas estrangeiros que acorrem ao Algarve. Muitos com destino a Albufeira, onde o presidente da autarquia, José Carlos Rolo, espera para ver o que aí vem: "Isto ainda é o princípio de uma caminhada que não se sabe quanto tempo demorará, mas que pode ter consequências desastrosas do ponto de vista económico e social, Vamos ver. Estamos a navegar à vista."
Qualquer que seja o cenário que venha a verificar-se, há uma condição que todos qualificam como essencial - promover a confiança dos que escolherem o Algarve como destino de férias. A juntar ao selo Clean & Safe, atribuído pelo Turismo de Portugal às empresas do setor do turismo que cumpram as recomendações da Direção-Geral da Saúde, a região de turismo está a preparar um manual de boas práticas para assegurar que são tomadas todas as medidas possíveis para evitar a contaminação dos espaços com a SARS-CoV-2.
Ponto comum entre os autarcas é que o caminho a seguir deve ser menos pela proibição e muito mais pela sensibilização. "Há que apelar ao bom senso, ao exercício de cidadania", sublinha o presidente da Câmara de Albufeira.
Uma das questões que poderão assumir um peso determinante na escolha do destino de férias dos portugueses é o acesso às praias. Para já não há muitas respostas, com os autarcas à espera das diretrizes do Governo e da Agência Portuguesa do Ambiente. "Não é nada fácil. Não se pode por torniquetes nas praias", diz José Carlos Rolo. Um dos pontos destacados pelos autarcas é que as medidas a tomar têm de ser adaptadas às diferentes realidades: na costa algarvia há praias pequenas de acesso aos areais extensos, com uma única entrada e múltiplos acessos, praias localizadas em ilhas.
É o caso, por exemplo, de Tavira. A autarquia presidida pela socialista Ana Paula Martins avançou com a sugestão de alargamento das áreas concessionadas das praias e está agora na expectativa do que vão ser as decisões do executivo. A autarca sublinha que "se a capacidade dos espaços concessionados for muito reduzida deixa de ser atrativa" para as empresas concessionárias, o que resultaria num problema acrescido na gestão destas áreas. Com areais que se estendem por quilómetros, Ana Paula Martins também admite que os veraneantes possam estender-se para as áreas não vigiadas, mas diz que nesta situação terá de haver nadadores-salvadores. "Se permitirmos que as pessoas possam ir para essas áreas, em grande número, não podemos arriscar a que não haja vigilância", diz ao DN. Em tempos normais os banhistas não estão impedidos de ficar em zona não vigiada, mas ficam à sua responsabilidade, fora da área de atuação dos nadadores-salvadores.
Outra questão que se põe é a sanitária. A região tem-se destacado por um bom registo no surto pandémico da covid-19 e esta é uma mais-valia que os responsáveis algarvios querem manter. Mas será isso possível, com um maior afluxo de pessoas ao sul? E a região terá capacidade de resposta caso os números comecem a subir?
Rogério Bacalhau acredita que as condições logísticas estão asseguradas, mas os poucos equipamentos disponíveis podem revelar-se um problema num cenário de maior disseminação de covid-19. "O hospital [de Faro] tem dado resposta e temos alternativas preparadas para poder ampliar os serviços hospitalares, temos condições para garantir assistência. Preocupa-me se houver um surto, pois temos poucos ventiladores."
"O Algarve estará preparado. Isso não quer dizer que a reabertura das atividades não possa aumentar o risco, mas a melhor forma é prevenir, induzir um comportamento responsável. Todos temos de ter consciência de que esta liberdade que ganhamos agora é uma liberdade que não queremos perder", refere João Fernandes, presidente da Região de Turismo do Algarve.
A questão dos equipamentos é também apontada por João Dias, do Sindicato Independente dos Médicos (SIM). "Se houver um surto infeccioso, o Algarve não tem condições para responder da mesma forma que Lisboa ou o Norte", diz ao DN, sublinhando que os ventiladores que foram adquiridos pelo Estado português foram distribuídos sobretudo por aquelas duas zonas. João Dias diz que essa foi uma decisão natural, dada a maior incidência de casos de covid-19, mas sublinha que o caso pode mudar de figura com uma maior afluência de pessoas à região. "A região não tem capacidade de resposta para um surto infeccioso. É preciso prevenir uma situação dessas, o verão está à porta, tem de se pensar nesse problema", adverte este membro do secretariado regional do SIM, sublinhando também que "é preciso cuidado em relação à abertura. Se isso não acontecer vamos ter uma situação complicada". O problema não está só nos equipamentos: "Os hospitais não têm capacidade de resposta relativamente a recursos humanos" caso haja um aumento significativo de casos na região.