"Admiro Rui Rio e acho que vai mesmo ser primeiro-ministro"

Isaltino Morais ainda não admite a recandidatura a Oeiras. Mas está por dias. Em conversa com o DN defende o papel do Estado, contra as ideias liberais, e manda recados a António Costa. Considera também que Rui Rio fez bem em posicionar o PSD mais ao centro porque essa será a única forma de ganhar algum do eleitorado do PS e, assim, alcançar o poder.
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Estamos em ano de eleições autárquicas. Que balanço faz do seu mandato à frente da Câmara Municipal de Oeiras?
Faço um balanço muito positivo. É um mandato que se caracteriza por alterações significativas em relação aos anteriores. Oeiras passou por três ciclos nos últimos 30 anos. O primeiro iniciou-se em 1986 com uma série de políticas de ordenamento de território para, sobretudo, acabar com as manchas de bairros de barracas. Essa reorganização do território permitiu-nos requalificar o concelho e abraçar outros voos. No segundo ciclo deu-se o investimento em escolas, equipamentos, espaços verdes, acessibilidades, o Tagus Park, e deixou de ser um concelho dormitório de Lisboa. E depois, nos primeiros anos deste século, conseguimos uma quase autonomia em relação a Lisboa com um superavit em termos de emprego ao nível de toda a Área Metropolitana de Lisboa. Atraímos muitas empresas nacionais e internacionais. Oeiras é hoje o segundo concelho que mais contribui para o PIB nacional à frente do Porto.


E qual a aposta do terceiro ciclo?
Caracteriza-se por um investimento que daqui a seis/sete anos se vai notar, sobretudo na área do investimento nas políticas educativas e na área da ciência e tecnologia e investigação, o que não é normal numa câmara municipal. É um ciclo muito dirigido à qualificação das pessoas. Atenção, os três ciclos não são separados hermeticamente. Depois de 15 anos a investir em políticas de habitação, e depois uma relativa estagnação, estamos a voltar a investir nesse campo. A câmara de Oeiras tem de lançar programas de habitação, não só para as famílias mais pobres mais também para famílias de classe média-baixa e no próximo ano vamos lançar mais 500 habitações, no valor de 103 milhões de euros, financiados pelo IHRU e fundos comunitários e com investimento da câmara.


Mas qual a razão da escolha na ciência e na educação?
Queremos continuar na dianteira. A competitividade é saudável e os municípios são muitos miméticos uns dos outros. E por isso vamos arranjando bandeiras que permitam o estímulo das pessoas e motivação das empresas. Foi neste terceiro ciclo que surgiu a candidatura a Capital Europeia da Cultura, que há uns anos não nos passaria pela cabeça fazê-lo. Este mandato que passou foi o início de um ciclo de 20 anos, mas não esteja a pensar que vou estar aqui esse tempo [risos]. Significa que fazemos planeamento, ao contrário do que acontece com os governos que nem a quatro anos conseguem planear. E tudo isto que acabei de dizer é o Oeiras Valley que condensa o conceito de desenvolvimento económico e social e de diferenciação na área da ciência, da tecnologia e da educação.

E qual a razão da candidatura à capital Europeia da Cultura?
A candidatura acontece porque temos verbas para a programação cultural e para a construção de equipamentos com dimensão metropolitana e nacional. Temos vindo a recuperar equipamentos no concelho, como o Convento da Cartuxa que estava abandonado há 30 anos e passou agora a nossa responsabilidade. Conseguimos vislumbrar que, daqui a cinco anos, o concelho será uma referência nacional em termos de recuperação de património. Mas este mandato teve outros aspetos interessantes. Estamos resolver situações em todo o concelho que implicam disponibilidade para negociar.

Como por exemplo?
Em Algés, na Avenida dos Bombeiros Voluntários perto do Mercado, existia uma correnteza de prédios velhos que era uma vergonha. Agora só restam dois. Um deles vai ser demolido em breve e o outro será resolvido até ao fim do ano. E dou mais exemplos. Em Vila Fria tínhamos duas casas que estavam a provocar estrangulamento do tráfico e resolvemos. Em Queluz de Baixo havia um problema com mais de 20 anos, no palácio Restani, que está resolvido e vamos inaugurar lá uma praça dentro de um mês. Na vila de Oeiras vamos construir a praça Verney, que também passou por negociações que estão praticamente finalizadas. O rossio de Porto Salvo vai ter uma grande praça com estacionamento, centro de saúde, áreas comerciais num investimento de 16 milhões de euros - o projeto fica pronto este ano. Vamos criar outra praça em Linda-a-Velha cujo projeto vai abrir o concurso público em breve. Ainda em Linda-a-Velha vai nascer a praça da Música que vai ter um auditório de âmbito nacional com capacidade para 1 300 pessoas para receber concertos, óperas, danças e espetáculos. De regresso a Algés, compramos os terrenos da antiga Praça de Touros e estamos e ali estamos a estudar aquilo a que chamei de Portas de Algés. Ao todo será um conjunto de praças que vão estar interligadas no âmbito da candidatura à Capital Europeia da Cultura. Um espetáculo que aconteça numa delas será transmitido via ecrãs gigantes para as outras. E há dias foi adjudicado a casa dos cientistas num investimento de três milhões de euros na Quinta dos Sete Castelos para fomentar a investigação e criar condições para cientistas de tudo o mundo, em especial dos Estados Unidos, possam ficar instalados num ambiente acolhedor entre cientistas. Também o projeto do Centro de Congressos vai ficar dentro de dois, três meses. E agora arrancou a obra do novo edifício da câmara.

É sabido que pretende construir vários parques de estacionamento no concelho. Numa entrevista recente indicou que é mirabolante "a ideia de que os carros vão desaparecer". Não acredita na mobilidade suave como parecem acreditar os seus autarcas vizinhos em Cascais e Lisboa?
Sabe, há etiquetas...mas em termos de mobilidade não tenho um pensamento diferente do que pensa Carlos Carreiras, em Cascais, ou Fernando Medina em Lisboa. Todos somos pela mobilidade suave, pelo reforço do transporte público e pelas ciclovias. Estamos a fazer investimentos de milhões em ciclovias. A ciclovia empresarial, que vai ficar pronta dentro de dias, tem um investimento de dois milhões de euros. E há mais projetos. Quanto aos parques de estacionamento...quem é contra os parques estacionamento não é a favor da mobilidade suave. Há alguma contradição, algum fundamentalismo, nas pessoas que veem a mobilidade suave como exclusivo da bicicleta. Neste momento nas áreas metropolitanas de Sintra, Cascais, Amadora ou mesmo em Oeiras as ruas estão cheias de automóveis e às vezes até estão em cima do passeio, mas não é por ter ciclovias que os carros desapareceram da rua. Os automóveis são uma realidade com que nós vivemos. Em determinadas capitais europeias, e sobretudo nos centros, não vemos automóveis porque há parques de estacionamento. Dizem alguns que os carros vão desaparecer! Não sei...que vão ser substituído por carros elétricos, vão, mas o que acontecerá daqui a 40 anos, isso já não sei. Mas nos próximos 20 anos vai continuar a ter carros na rua. Os parques de estacionamento que estamos a construir vão permitir libertar as ruas e são fundamentais para a mobilidade suave. Sou a favor da mobilidade suave mas não vamos, com certeza, ter toda a gente a andar de bicicleta da estação de Paço de Arcos para o Tagus Park. Temos é de investir no transporte público. A maioria das pessoas anda de automóvel ou de transporte público . Aliás, Oeiras foi o concelho pioneiro a desenvolver um projeto de transporte limpo, seguro e não poluente que é o SATU (metro ligeiro sem tripulação, entretanto desativado). Não foi concluído e tenho pena. Mas vai ser.

Vai voltar a apostar no SATU?
Sim. Há de chegar primeiro ao Tagus Park e depois há de chegar ao Cacém. É possível que seja financiado por fundos comunitários justamente porque é um projeto estruturante. Mas temos recursos financeiros para o fazer. É um projeto muito complexo e é uma das minhas prioridades.

E nas Portas de Algés, na saída de Lisboa e entrada em Oeiras, o que têm planeado?
É o grande projeto deste novo ciclo de investimento. É no local da antiga Praça de Touros e vamos criar uma grande praça em frente ao mercado de Algés. No ano passado, antes do confinamento fizemos uma reunião com pessoas ligadas ao urbanismo e equipamento sobre o assunto. E era nosso propósito reunir com os cidadãos de Algés mas a pandemia não tem deixado. Mas vamos fazê-lo e vamos ouvir toda a gente. Consideramos que é um espaço nobre de Algés, neste momento a câmara ainda não tem definido o equipamento que vai ali nascer, mas temos a certeza que será um projeto icónico e vamos lançar um concurso de ideias.


E há ainda o projeto da chamada Marina do Jamor vai avançar tal como é conhecido? Estava em discussão pública...
Há alguma confusão na discussão desse projeto. O que está em discussão pública é o projeto de loteamento, uma vez que o plano de pormenor foi aprovado em 2014. Mas estamos a falar de um terreno privado onde estava uma preexistência industrial, de fábricas, uma ocupação extensiva com pavilhões. Portanto, uma coisa são novas construções outra são preexistências. Atualmente na zona existem 3 500 metros quadrados de fruição pública e com o projeto passar a ter 70 000. Quanto à marina é um compromisso do promotor que se propôs a fazer e a câmara considera fundamental. Ainda está em discussão pública porque prazo foi alargado. Mas não são propriamente os cidadãos da Cruz Quebrada e Dafundo a pedir isso... há uns movimentos políticos em relação à questão. Claro, há quem diga que o melhor era prolongar o Estádio Nacional e fazer ali um jardim. Sim era. Mas para isso seriam necessários 100 milhões de euros para comprar o terreno e a câmara não pode comprar todos os terrenos onde vai existir construção. Mas trata-se de uma valorização extraordinária daquela zona.


É um mandato também marcado pela pandemia. Mesmo com a sua experiência como autarca, diria que não estava a contar com isso...
Para quem nunca viveu, tudo é novidade; para quem já viveu alguma é mais uma experiência. Até agora fizemos investimentos de 11 milhões de euros para apoios durante a pandemia. Financiamos as juntas de freguesia e instituições de solidariedade social e o nosso fundo de emergência social deu para cobrir as necessidades. Neste momento já é manutenção e sentimos que os pedidos de apoio das famílias, das rendas de casa e das despesas correntes aumentaram. É uma situação grave que é mais sentida nuns municípios do que noutros, até porque os apoios sociais que o Estado dá demoram muito tempo a chegar e muitas vezes nem chegam. Esta pandemia veio demonstrar que essas luminárias que andam para aí a discutir que menos Estado é melhor Estado não têm noção do que é o Estado. Em primeira análise temos de saber que Estado necessitamos e queremos, e isso nunca foi feito. Por isso, de vez em quando aparecem uns fulanos a dizer que o Estado está gordo e tem de emagrecer mas a única coisa que fazem é cortar no pessoal e nos vencimentos e pouco mais.


O que gastou com a pandemia terá repercussões no investimento no concelho nos próximos anos?
Quando falo destes 11 milhões de euros, há pelo menos dois milhões que já seriam investidos de qualquer maneira para as necessidades que já existiam. Claro que vai ter repercussões, mas não será naquilo que é essencial. A nossa estrutura financeira permite-nos suportar aquilo que tivemos de investir por causa da pandemia e irão ser feitos alguns ajustamentos. Nunca contámos com as ajudas da dita bazuca.

Citaçãocitacao"A nossa classe política, independentemente da vontade e da qualidade humana, tem no geral um grande desconhecimento da realidade."


Por falar em bazuca, como avalia o governo de António Costa até ao momento?
Pela experiência que tive em governos digo-lhe que são quase todos iguais. A seleção política é muito má em todos os partidos, da extrema-esquerda à extrema-direita. É muito estribada na política e não no mérito. As pessoas chegam a ministros sem conhecerem a realidade e depois facilmente são endrominados pelos burocratas da administração central. A maior parte dos ministros até podem ser intelectualmente bem formados mas falta-lhes o conhecimento da realidade. Confundem descentralização com delegação de competências, é uma confusão extraordinária. A nossa classe política, independentemente da vontade e da qualidade humana, tem no geral um grande desconhecimento da realidade. Os Conselhos de Ministros não têm tempo sequer para discutir o país, funcionam para discutir decretos-leis ou propostas de lei para a Assembleia da República. E agora nestes dias muito menos, porque os ministros estão todos os dias na televisão... Aliás, conhece algum plano de desenvolvimento económico e social do país a dez ou 15 anos? Dá a impressão de que as coisas vão acontecendo. E depois há situações como o novo aeroporto... Por acaso defendo os dois aeroportos em Lisboa, mas não faz sentido dois municípios oporem-se. Responsabilizo o governo por isso, será que o ministro da tutela não se reuniu com eles antes? E será que o governo foi apanhado de surpresa? Provavelmente, digo eu, esses presidentes de câmara não estão só preocupados com o ruído, mas sim com eventuais contrapartidas para os seus municípios. Atenção, estou apenas a cogitar. O projeto do novo aeroporto devia ser do governo em conjunto com esses municípios para não se passar por esta vergonha.


E a gestão que o governo tem feito da pandemia, como avalia?
Depois de a pandemia passar vão existir, naturalmente, acertos de contas. Mas neste contexto manda o bom senso que não sejamos excessivamente críticos de qualquer comportamento do governo nesta matéria. O mais fácil é criticar o governo. E não acredito que o primeiro-ministro ou a ministra da Saúde não queiram fazer o melhor pelo país. A pandemia trouxe uma grande imprevisibilidade, uma medida adotada hoje cai em desuso amanhã. Veja-se o caso da vacina da AstraZeneca. Mas, claro, quando uma câmara municipal compra ventiladores, como Oeiras fez, isto significa que o estado central está a fracassar. É o estado a que chegámos.


Já falámos de Oeiras mas ainda não disse se vai ou não candidatar-se a um novo mandato.
Ainda não anunciei a minha candidatura mas sou um candidato natural. E se a anunciar ninguém vai estranhar. Em 2017 anunciei a 26 de abril, admito que agora anuncie a minha posição entre o dia 15 e 26 de abril. Há datas simbólicas.


Mas será mais uma questão de simbologia, porque vontade parece não lhe faltar...
Vontade tenho e muita. Sabe, eu ando na rua e falo com toda a gente. Uns dizem bem, outros mal. E até mudo de opinião com muita frequência, não sou um tipo dogmático nem maniqueísta, admito que erro. Há muito tempo que acredito que a eleição de um presidente de câmara não deve ser feita de quatro em quatro anos mas sim permanentemente. Os cidadãos não devem limitar-se ao voto e acompanhar o dia-a-dia, até por uma questão de feedback.


E na sua candidatura, que presumo que vá acontecer, será como independente ou pondera candidatar-se pelo PSD. Já disse que se dá bem com o presidente do partido...
Em princípio, será como independente. É indiscutível que hoje tenho uma posição diferente relativa ao PSD daquela que tinha há uns anos. Tenho uma matriz social democrata, com tudo o que isso representa, e não me identificava minimamente com o governo de Pedro Passos Coelho. Posicionou-se muito à direita numa visão que não tinha em conta a pobreza deste país. Acho que Rui Rio esteve bem do ponto de vista ideológico ao posicionar o PSD ao centro. Quando André Ventura diz que que não haverá governo do centro-direita sem ele, a verdade é que ele é só um deputado. Se Rui Rio quiser ser governo não basta o deputado do Chega e outro da Iniciativa Liberal, tem de ir buscar deputados ao PS. Claro, pode dizer-se que o Chega vai crescer muito nas próximas legislativas, mas se acontecer será à custa de quem? Do PS, do Bloco de Esquerda ou do PCP não, certamente. Será à custa do PSD e do CDS. Ou seja, se Rui Rio não for buscar nada ao PS nunca chegará a governo porque a esquerda é maior do que a direita. Por isso acho que fez bem em recentrar o partido e nessa matéria estou de acordo com ele. Mas depois há determinados posicionamento táticos ou estratégicos que, além de erráticos, vão contra todos os princípios do PSD, como a história dos movimentos independentes para as autárquicas. O Mota Pinto dizia que o PSD era o partido dos homens que se fizeram a pulso, interclassista. É incompreensível como o Rui Rio avalizou isto. As pessoas não podem ser teimosas radicais que depois cai-se no irracionalismo. O PS viu que colocou o pé na poça, recuou, e avançou com uma proposta que resolve o problema. Portanto, neste ponto, eu que sou um admirador do Rui Rio, e acho que ele vai mesmo ser primeiro-ministro, e que tem todas as condições de ganhar as eleições em 2023, fico surpreendido que não mande calar certas vozes no partido que prestam mau serviço à democracia.


filipe.gil@dn.pt

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