Abandono escolar: é preciso conhecer a sua real dimensão para melhor o combater
"Registam-se francos progressos na redução do Abandono, mas é necessário conhecer a sua real dimensão para melhor o combater", conclui o relatório da auditoria do Tribunal de Contas (TC) ao abando escolar precoce. O relatório tornado público esta terça-feira identifica uma série de problemas no mapeamento do abandono e conclui que sem esse conhecimento exato não será possível "quer a implementação eficiente das medidas preventivas e de recuperação dos alunos em Abandono ou em risco de Abandono, quer o direcionamento adequado do financiamento".
O relatório incide sobre o abandono escolar precoce, ou seja, "a saída do ensino apenas com a conclusão do ensino básico, o 9º ano, ou outro nível inferior", segundo o TC. De acordo com a definição do INE, a taxa de abandono escolar precoce mede "a percentagem da população residente com idade entre 18 e 24 anos, com nível de escolaridade completo no máximo até ao 3º ciclo do ensino básico (isto é, sem ensino secundário) e que não recebeu nenhum tipo de educação (formal ou não formal) no período de referência".
Uma primeira conclusão da auditoria parece ser positiva: observou-se que, em Portugal, o indicador internacional do Abandono aplicado pelo INE (Taxa de Abandono Escolar Precoce) evoluiu de 50%, em 1992, para 10,6%, em 2019 (já muito próximo da meta de 10% que o país tinha estabelecido para este ano).
Este número - 10,6% - tinha já sido divulgado em fevereiro deste ano com grande satisfação por parte das autoridades: representa uma redução significativa em relação ao últimos anos - 11,8% em 2018 e 12,6% em 2017 - e é o valor mais baixo de sempre em Portugal. "Estes resultados mostram como o país tem tido uma evolução notável naquele que é considerado pela Comissão Europeia como um dos principais indicadores da performance dos sistemas educativos", comentou na altura o ministério da Educação, em comunicado. "Esta situação é ainda mais positiva considerando que coincide com um aumento muito considerável do emprego jovem, nos últimos anos, o que poderia constituir um estímulo para o não prosseguimento de estudos desta franja da população", disse ainda o gabinete de Tiago Brandão Rodrigues.
Os dados compilados pela Pordata não deixam margem para dúvidas. Em 2004, havia quase 40% de jovens, com idades entre os 18 e os 24, em situação de abandono. O abandono escolar reduziu para praticamente metade entre 2011 e 2015, e essa tem sido a tendência nos últimos anos.
Os especialistas reconhecem que o progresso na taxa de abandono escolar está relacionado, por um lado, com uma intervenção precoce nos grupos considerados de risco e, por outro lado, com o alargamento de ofertas educativas, formativas e profissionalizantes - com o objetivo de manter as crianças e os jovens no sistema de ensino.
Entre as medidas que contribuíram para esta evolução, o ministério da Educação sublinhava o programa TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, o Apoio Tutorial Específico, a aposta no Ensino Profissional e na Educação Inclusiva, e a Autonomia e Flexibilidade Curricular, entre outras.
No entanto, o relatório do Tribunal de Contas alerta que "embora a meta de 10% de Abandono esteja em vias de ser atingida, Portugal ainda está longe de eliminar o Abandono, situando-se em 21.º lugar entre os, até agora, 28 países da União Europeia".
Existe, ainda assim, claramente uma melhoria - em 2016, Portugal tinha o quarto pior valor da União Europeia, apenas à frente de Malta, Espanha e Roménia. "Se Portugal continuar a reduzir a sua taxa de abandono e com a estagnação deste indicador a nível europeu, o país terá, pela primeira vez, um valor igual ou mais baixo do que a média da UE", considerou o Ministério da Educação em fevereiro.
No seu relatório, o TC dá, depois, conta de uma série de dificuldades que não permitem fazer uma contabilização exata do abandono escolar.
Antes de mais, porque "o controlo de matrículas e de frequência, na escolaridade obrigatória, apresenta deficiências e insuficiências, não prevenindo a identificação de todas as situações de Abandono".
Além disso, o relatório sublinha que "o conceito de Abandono não está consolidado, permitindo diversas interpretações e comprometendo, desse modo, não só o reporte, mas também a fiabilidade e a comparabilidade da informação que circula sobre Abandono escolar".
Acrescem ainda problemas em recolher e tratar uniformemente as informações, uma vez que "a recolha de dados sobre os alunos efetuada através dos sistemas de informação do Ministério da Educação não é global nem tempestiva, uma vez que não integra as regiões autónomas, onde o Abandono é muito significativo, e tem um desfasamento de meio ano nas escolas privadas".
E, finalmente, "não existem, no sistema educativo nacional, indicadores para medir o Abandono. De facto, nem o indicador internacional, o do INE, que incide nos jovens dos 18 aos 24 anos e que resulta do Inquérito ao Emprego, nem a Taxa de Retenção e Desistência, calculada pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência e centrada no desempenho estático de um ano letivo, são adequados para medir o Abandono."
Desta forma, conclui o relatório, não é possível conhecer "os reais números do Abandono em Portugal, frustrando quer a implementação eficiente das medidas preventivas e de recuperação dos alunos em Abandono ou em risco de Abandono, quer o direcionamento adequado do financiamento".
"O combate ao Abandono, como um dos pilares da política de educação da União Europeia, assenta na convicção de que um país que apresente níveis elevados de Abandono enfrentará dificuldades para manter níveis elevados de emprego e de coesão social e enfrentará obstáculos para a consecução de um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo - a prioridade da Estratégia Europa 2020 e da Agenda 2030", lê-se no documento.
Assim, e perante os problemas identificados, o relatório do Tribunal de Contas deixa algumas recomendações ao Ministério da Educação:
- Definição de uma estratégia global para o combate ao Abandono que integre uma estrutura de monitorização e avaliação;
- Definição clara e inequívoca dos conceitos de Abandono e de risco de Abandono e dos respetivos indicadores no sistema de ensino nacional;
- Mapeamento do Abandono, com detalhe a nível nacional, regional e local;
- Implementação de sistemas de controlo eficazes para o cumprimento dos deveres de matrícula e de frequência na escolaridade obrigatória;
- Interoperabilidade dos sistemas de informação para a recolha de dados de alunos no território nacional e de modo tempestivo;
- Promoção da transparência e do detalhe no Programa Orçamental PO 14, onde se mostre evidenciado, designadamente, o montante afeto ao combate ao Abandono.
A todos estes problemas identificados pelo TC acresce uma nova dificuldade que se prende com o encerramento das escolas em março de 2020 devido à pandemia de covid-19, que empurrou os alunos para o ensino à distância durante parte do ano letivo 2019/20, e ainda com as incertezas em relação ao próximo ano letivo. O ensino à distância traz novos desafios para o combate ao abandono escolar, como bem chamou a atenção a Ordem dos Psicólogos que no passado dia 30 de junho publicou uma série de recomendações sobre o assunto que foram também divulgadas no site da Direção-Geral da Educação.
Neste contexto de pandemia e encerramento das escolas, alerta a Ordem dos Psicólogos, "pode ser ainda mais difícil aos profissionais garantir o apoio escolar necessário, assim como promover a motivação, o envolvimento e o compromisso das crianças e jovens com as tarefas académicas".
Face à circunstância excecional que vivemos, as crianças e jovens podem sentir mais dificuldades em encontrar motivação para os estudos: "Podem sentir ansiedade e incerteza face ao futuro e ter dificuldade em imaginar-se nele, delineando um plano de vida realista. Podem ainda sentir dificuldade no processo de tomada de decisão vocacional e na gestão das expectativas e motivações escolares/ académicas".
Além disso, as dificuldades económicas familiares podem também influenciar a decisão de continuar (ou não) a estudar, sublinham os psicólogos. Neste contexto, as recomendações do TC poderão ter uma relevância ainda maior.