A mosca que viu tudo na crise grega de 2015
Depois da estreia no Festival de Veneza e da passagem no LEFFEST, Comportem-se como Adultos chega finalmente aos ecrãs portugueses. Trata-se da adaptação do livro homónimo de Yanis Varoufakis sobre o caso da negociação da crise grega com a União Europeia. Um regresso em grande forma de Costa-Gravas, cineasta grego que há muito não filmava na sua língua natal.
Sem tiques de tragédia grega, o filme funciona de certo modo como uma comédia satírica acerca dos meandros da política europeia ao mais alto nível, narrando de forma hábil a forma como Alexis Tsipras e Varoufakis, recém vencedores das eleições gregas, tentaram negociar mais um resgate para salvar a economia do seu país. Uma negociação que mete dança, gritos, chantagem e "bluffs" com gigantes como Wolfgang Schauble, Jeroen Dijsselbloem, Christine Lagarde, Mario Draghi e até Macron, em 2015 ainda um homem de corredores e longe do poder.
O que é notável na adaptação de Costa-Gravas é a forma como todo e mais algum detalhe das negociações agressivas em salas de reuniões cinzentonas torna-se num espetáculo de cinema exaltante e com uma tenacidade absoluta. O veterano realizador é perito em gerir a força e o "timing" dos diálogos, encontrando sempre uma vitalidade dramática que nos coloca presos às tais memórias do ministro que desafiou o capitalismo reinante. Além do mais, a "geringonça" do método de Gravas alude para um jogo de reflexos com os tempos do teatro. Nesse aspeto, é sempre fundamental o sólido desenho coreográfico que a "sala de reuniões" dispõe, como se fosse um palco literalmente de teatro, mas sempre com uma tessitura que torna o processo em algo verdadeiramente cinematográfico, asseverado com destreza tão rara nos nossos dias.
Para além do relato da opressão alemã - não se duvide que o ministro das Finanças alemão é o vilão tenebroso disto - aos desejos de uma nova oportunidade financeira para a Grécia, o filme não deixa de construir com suspense um relato da obstinação de um homem, um Varoufakis sempre próximo de Tsipras, mas comprometido com um ideal de luta, sem medo dos engravatados tecnocratas, amante de uma boa refeição e íntegro perante a sua mulher. Entre o assinar um memorando que condenaria a Grécia a uma austeridade terrível ou não, a câmara não larga esta personagem e expõe a desumanidade dos financeiros desta Europa tão "económica". Costa-Gravas acredita que o olhar de farsa perante a "infantilidade" do jogo dos grandes da UE é a pedra-de-toque primordial para contornar a possibilidade de um mero objeto evocativo.
Comportem-se como Adultos não vale apenas pela curiosidade de entrarmos nos bastidores das grandes decisões políticas de Bruxelas e Estrasburgo e sentirmos que tudo se pode resolver como uma aposta numa sala de casino. É muito mais do que isso, é um imenso espelho de como a política pode também conter um ideal humano. Felizmente, temos filme humanista, com o bónus de conter um humor grego tão genuíno.
*** Estrelas