A primeira semana da campanha eleitoral para as legislativas decorre, pelos meios habituais. Mas nas redes sociais os mesmos temas podem ter uma versão irreconhecível. Veja-se o exemplo de Greta Thunberg, a jovem sueca de 16 anos que marcou todos os noticiários internacionais nos últimos dias, depois da sua intervenção nas Nações Unidas sobre os riscos das alterações climáticas. No Facebook português, no dia 24, Greta aparece numa foto, ao lado de António Guterres, abaixo de outra, que junta Sócrates e Guterres. O autor do texto, identificado pelo grupo "Lesados do Estado" é Miguel Granja. Diz assim: "Quando um engenheiro electrotécnico que escolheu o Sócrates para seu Ministro do Ambiente e uma criança com Asperger que falta à escola para se passear a bordo do veleiro de um princípe do Mónaco começam a dar lições sobre sistemas caóticos não-lineares acoplados de predição de longo prazo impossível, está no momento de nós desligarmos a televisão e enfardarmos um bom bife de vaca.".O Lesados do Estado é um grupo que tem como lema "imposto é roubo" - uma ideia difícil de argumentar logicamente - e publica a propaganda política da Iniciativa Liberal. Mas este texto sobre Greta Thunberg (que é, também, uma crítica a Guterres) é muito pouco liberal, em qualquer definição da palavra. Desde logo porque a jovem sueca não é uma "criança" - tem 16 anos -, ou talvez a palavra tenha sido escolhida como adjetivo (para "imaturidade"), o que ajuda a perceber a conjugação com uma característica, privada, que o autor descreve como uma doença ("com Asperger"). A Organização Mundial de Saúde é clara quanto à intenção da frase, porque os portadores do síndroma de Asperger, como Greta, "estão frequentemente sujeitas a estigma e discriminação, incluindo privação injusta de saúde, educação e oportunidades para se envolverem e participarem nas suas comunidades". Sobre isso, a jovem sueca também já falou publicamente..Além de ter direito à sua privacidade, Greta tem também o direito de fazer greve às aulas, pelas causas que escolher, sem ser descrita como estando a passear. Falta referir que o dono do veleiro (que não é um "iate") não é um príncipe do Mónaco, mas uma equipa de competição náutica, e um cidadão alemão, que se associou à causa defendida por Greta Thunberg, como pode ser lido na página oficial da iniciativa. Mais importante do que refutar a ideia cientificamente errada de que o aquecimento global é uma espécie de fantasia, convém recordar que a desinformação sobre Greta Thunberg é mais um caso de importação de fake news. Nos Estados Unidos, na Fox News, Michael Knowles chamou-lhe "uma criança sueca com doença mental", e no Twitter outro comentador da direita americana preferiu compará-la a uma apoiante de Hitler..Mas há mais exemplos ainda mais recentes, na lista de textos com mais interações nas redes sociais, dentro de um conjunto de páginas e grupos que se dedicam a produzir desinformação política. Esta é a segunda semana de análise deste universo de criadores de fake news, que está a ser seguido pelo grupo de investigadores do ISCTE, que trabalham com o DN no projeto "monitorização de propaganda e desinformação nas redes sociais"..Dois dos autores mais ativos na última semana são repetentes nesta prática. O site Direita Política e Mário Gonçalves. Ambos continuam a ter os seus sites financiados por anúncios do Google Ads e a conseguir transmitir a sua mensagem apesar das regras que o Facebook decidiu implementar para combater a desinformação. O que demonstra as lacunas do atual sistema de "autorregulação" que vigora na União Europeia. O Direita Política foi o difusor da célebre mentira sobre o relógio de 20 milhões de euros que Catarina Martins, do BE, usaria. Hoje descreve o caso de Tancos assim: "Cambada de farsolas, corruptos e incompetentes. Eis o legado do PS, desde Soares, passando por Guterres, Sampaio, Sócrates e finalmente o pantomineiro-mor Costa.".Mário Gonçalves, em cujo site foi difundida a mentira de que António Costa teria processado um fotógrafo da agência Reuters para censurar uma reportagem no Parlamento, também repete alguns dos adjetivos da Direita Política. Num texto "de opinião" o autor afirma que "andamos a trabalhar para sustentar estes parasitas da nossa sociedade". Teve mais de três mil gostos e mais de duas mil partilhas. Quem são os "parasitas"? São os beneficiários do RSI, afirma, chegando a um ataque racista concreto. "Não são só os ciganos", escreve, que "nunca mexeram uma palha na vida e ganham centenas de euros ao fim do mês"..Uma das vítimas desta desinformação frequente de Mário Gonçalves (que tem mais de 111 mil seguidores no Facebook) é o PAN. Afirma o autor que aquele partido tem uma nova proposta: "Garantir que o recluso passe a ser equiparado a pessoa vulnerável e protegida da lei." Não se percebe bem, e o autor não explica, o que seria esta proposta. Em qualquer caso, é uma mentira. O PAN propôs, e entretanto retirou essa proposta, um processo de reconciliação entre condenados e vítimas. Seria um "sistema de mediação", mas causou polémica porque poderia incluir casos em que a "reconciliação" é uma dupla punição para a vítima, como casos de violação ou de violência doméstica. A proposta caiu no início do mês, mas no dia 24 de setembro continua a motivar a campanha de Gonçalves.