Cerca de 80 professores aposentados candidataram-se para regressar às escolas ou para se manter em funções quando já poderiam gozar a sua reforma. Desses, 63 viram a sua candidatura validada. Contudo, esse número representa menos de metade do objetivo apontado pelo Governo (200 docentes). Os que aceitaram o repto lançado pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) para reduzir o número de alunos sem aulas fizeram-no por variados motivos. O DN contactou dezenas de professores e ouviu as suas motivações. Uns apontam o “espírito de missão”, outros a necessidade de recuperar algum do tempo de serviço congelado - a recuperação está a ser feita em tranches e termina apenas em 2028 -, e há ainda quem precise do acréscimo de 750 euros no ordenado. Há também casos de professores que, depois de simulada a aposentação e após vários anos de casa às costas e horários incompletos, o valor não chegaria para pagar as despesas..Ana Dominguez, 66 anos, professora há 43 numa escola de Setúbal, decidiu não ir para casa mal o MECI anunciou a medida, mas ainda sem saber quais seriam as condições do concurso. Fê-lo por acreditar ser ainda capaz de poder fazer um bom trabalho e porque ensinar é a sua grande paixão. “Deveria reformar-me em julho deste ano e decidi prolongar. Dou aula perto de casa. Não preciso sequer de pegar no carro para ir trabalhar. Sinto-me acarinhada por colegas e funcionários e tenho amigos na escola. E continuo com a mesma vontade de ensinar que sempre tive. Modéstia à parte, ainda consigo fazer um bom trabalho”, explica. A docente avança ainda ter tomado a decisão antes de saber que iria receber um acréscimo no ordenado, mas ficou “obviamente feliz”. “Estou na profissão por vocação e é isso que me permite enfrentar tudo porque não é um mar de rosas”, afirma. Apesar de ter um bom horário e poucas turmas devido à carga horária da disciplina que leciona (Matemática), confessa que se assim não fosse, já não teria energia para continuar. “Há colegas que dão disciplinas com carga horária pequena e têm muitas turmas. É um desgaste muito grande. As tarefas burocráticas são desgastantes, as direções de turma… O que me apaixona são as tarefas letivas. Não é dar aula”, sublinha..Ana Dominguez lamenta a falta de investimento na escola pública e acredita ser esse o motivo do afastamento dos jovens da profissão. Nos últimos 15 anos, conta, nenhum dos seus alunos do Ensino Secundário manifestou vontade de ser professor. E neste que será o seu último ano na escola, pede incentivos à tutela para que os jovens escolham “uma das profissões mais bonitas e mais importantes da sociedade”..António Girão, 66 anos, professor de Português/Francês, na zona Centro, é licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (Português/Francês) e em ensino do 1.º Ciclo, Mestre em Ciências de Educação, mestrando em Supervisão Pedagógica (a elaborar a dissertação) e está ainda a preparar o doutoramento em Supervisão Pedagógica. É docente há 43 anos e não pretende deixar de trabalhar. À semelhança de Ana Dominguez, decidiu continuar a lecionar antes da tomada de posição do Governo sobre bonificações a quem o fizesse. “Sinto-me capaz, não vendo refletidas em mim situações condicionadoras. O plano cognitivo foi o mais fácil de provar-me que estarei capaz: depois dos 60 anos fiz um mestrado em Ciências da Educação e estou a acabar o segundo em Supervisão Pedagógica, ambos propiciadores de base de trabalho para o doutoramento e os resultados das provas de aferição dos meus alunos estão bastante acima da média nacional. A junção destas análises, aliada à motivação que sinto em trabalhar com crianças, demonstrada, também, nas muitas atividades solidárias que tenho realizado desde 2006, a favor das mesmas, reconhecidas pela imprensa de vários países, faz-me pensar que estou motivado para continuar”, explica. O docente tem uma motivação extra para continuar, pois estando a frequentar um doutoramento entende ser “fundamental a conciliação da prática com a componente académica de investigação”. António Girão conta, orgulhoso, ser proveniente de uma família que “trabalhou até morrer”. Valores que, diz, “são impossíveis de não seguir”. “Sobretudo quando olho para trás e ‘vejo’ a dureza do trabalho dos meus antepassados. Quase seria uma heresia não perpetuar esta memória, ideia alicerçada, também, no desejo que tinham em ver-nos (a todos os filhos e netos) a trabalhar em prol da sociedade. Sendo criados por seres que não foram à escola, conseguimos ser professores e enfermeiros e, assim, prestamos um tributo a quem nos orientou para a vida”, confessa. O docente começou a trabalhar numa fábrica aos 17 anos, na década de 70, numa altura em que “a esperança de um dia deixar de trabalhar não era cultural, era quase uma inevitabilidade”. Contudo, foi aos 23 anos que encontrou a sua verdadeira vocação, quando começou a dar aulas. “Apaixonei-me pela profissão, sobretudo estar na sala de aula, pela esperança de deixar algo de mim ‘aos meus meninos’. Penso ser este o sonho dos velhos professores”, sublinha..Ficar para recuperar tempo de serviço congelado.A devolução do tempo de serviço (TS) congelado aos professores (ver caixa) é o que faz Paulo Durães manter-se em funções. Isto porque, aposentar-se agora implicaria não poder usufruir da decisão do MECI e, consequentemente, manter-se no mesmo escalão da carreira. O docente de Educação Tecnológica e de Eletrotecnia começou a trabalhar aos 19 anos e a dar aulas aos 27 anos e encontra-se, por isso, no 8.º escalão, apesar de já ter “tempo a mais de descontos” para se poder reformar. “Já me posso aposentar. Já atingi a minha idade individual de reforma, já tenho tempo a mais de descontos. Tenho 65 anos e benefício de uma redução de um ano e pouco, mas ia ser prejudicado. Com a devolução das tranche de TS, foram-nos atribuídos os 599 dias no dia 1 de setembro e teria a possibilidade de passar ao 9.º escalão, mas esse tempo não está colocado na plataforma e, por isso, se fosse embora agora não poderia subir de escalão e não iria colher nada do que é meu por direito. Muitos como eu não se estão a reformar por isso”, esclarece. Para evitar prolongar a vida ativa quando não é essa a vontade dos docentes, Paulo Durães defende que deveria ter sido criado um regime especial. “No meu caso, por exemplo, se não fosse o TS congelado, teria já atingido o topo da carreira, mas para o conseguir, teria de esperar mais dois anos. Há aqui uma injustiça muito grande. Há professores quatro anos mais novos que eu que vão ainda continuar ao serviço e terão oportunidade de repor todo o tempo congelado. Eu teria de esperar até julho de 2027. Os mais novos vão colher todo o tempo congelado”, lamenta. O docente diz-se desanimado e sem forças para prolongar a sua vida ativa. “É revoltante porque já fomos por várias vezes prejudicados com alterações legais ao longo do tempo. Perdi dois escalões, eu e a esmagadora maioria dos professores. E vou ter de ir embora sem receber o TS. Paulo Durães alerta ainda para a mudança da idade estipulada para a aposentação. Esperar, diz, implica o risco de ver a idade a avançar e a sair “duplamente prejudicado”. “Tenho mais de 44 anos de descontos e gostava de me poder aposentar. Não me sinto incapaz de lecionar, mas sinto-me desanimado e revoltado. É um cansaço psicológico. Chegou a minha altura de reformar e descansar. Quero aproveitar o resto da vida que me sobra”, afirma..“A paixão pela educação saiu-me cara”.João Santos, 66 anos, professor de Português numa escola do Alentejo não se aposenta por “não ter alternativa”. “Ensino há 30 anos, mas poucas vezes tive anos completos, porque fazia substituições. Foi numa época em que havia excesso de professores. Consequentemente, tenho poucos descontos para a Segurança Social. Exploraram-me toda a vida, e hoje tenho que trabalhar o maior número de anos que me for possível, para não ficar com uma reforma tão baixa que não me daria para viver”, afirma. Para evitar uma situação de dificuldade tentará “aguentar até aos 70 anos”. “Está difícil. Ser professor é duro. Ensinar, relacionar-me com alunos e encarregados de educação é fácil e bom. Duro é o excesso de burocracia, demasiadas reuniões, o desrespeito total para com as horas de trabalho. Visitas de estudo que nos obrigam a estar a trabalhar mais de doze horas seguidas, o abuso laboral de algumas direções...”, lamenta. O docente num imaginou ter de adiar a reforma e confessa: “A paixão pela educação saiu-me cara.”.João Santos pede medidas ao MECI, com a atribuição de “reformas decentes aos docentes”, porque muitos milhares “não têm hoje uma reforma que dê para viver porque foram os restos dos recursos humanos do ensino e andaram com a casa às costas”. “A solução de recursos humanos de docentes para o ensino é manterem os velhos a trabalhar até rebentarem? Os nossos alunos não merecem mais? O que é necessário não é manter os velhos a ensinar, a arrastarem-se pela escola sem forças. O que é necessário é darem-nos a nós uma reforma condigna, e tornar a profissão aliciante para os jovens? Se o grande plano do Governo é manter os professores a trabalhar até morrerem de ataque cardíaco numa sala de aula, qual será a solução para depois?”, questiona, lembrando que “os velhos não duram para sempre”. João Santos acredita que a falta de professores se irá manter se não forem implementadas medidas de valorização que não passem apenas pela “continuação da exploração dos que ainda estão no sistema de ensino”.