Portugal apresenta a primeira garrafa de vinho com rótulo em burel
É um vinho branco, de vinhas velhas do Dão, apresentado pela Defio e produzido por Carlos Raposo, naquela que é a “primeira parceria em que ambas as partes têm participação igual”, explicam ao Diário de Notícias Sara Matos e da Ana Sofia Oliveira. As criadoras da marca Defio, nascida em 2020, falaram com o DN durante a primeira apresentação do Defio x Carlos Raposo Branco Vinhas Velhas, que aconteceu durante a primeira semana de junho na loja da Burel Factory, em Lisboa.
“Na Defio temos um portefólio de bebidas que queremos fazer. Uma espécie de lista de sonhos. E tínhamos um vinho do Dão, branco, que gostávamos de fazer já há algum tempo”, explicam as responsáveis da marca. E queriam, também, ter uma parceria com a Burel Factory, porque Ana sempre sonhou com um rótulo feito pela marca criada por Isabel e João Costa no início da década passada.
“Portanto, fomos falar com o Carlos, que tem a sua adega em Nelas e de cujos vinhos sabíamos que gostávamos. Não que fôssemos super amigos, mas tínhamos já uma boa relação com ele”, contam ainda.
É um vinho que estagia em cubas de cimento de mil litros, assimétricas - “são as cubas cor-de-rosa”, brinca Sara - e que resulta da conjugação de mais de 16 castas, muitas delas não identificadas. “É a magia das vinhas velhas”, salienta Carlos Raposo. "Muitas das castas que lá estão não estão identificadas..."
“São vinhas com mais de 70 anos, o vinho é de baixa intervenção e foram produzidas 1250 garrafas”, continua o produtor.
Dentro da garrafa encontramos um vinho super aromático, com a frescura típica do Dão e que denuncia um potencial de guarda muito interessante. Na boca, frescura, irreverência e a certeza de que é um vinho certo para acompanhar refeições mais pesadas, que tenham gordura e peçam uma referência que aguente a estrutura. Com um final longo e algo picante, é uma escolha certeira para os apreciadores de vinhos nacionais de qualidade.
Fora da garrafa, é a escolha certa para os amantes da estética: ao invés de um rótulo com o nome do vinho, os consumidores encontram apenas uma roseta feita de lã de burel não tingida, produzida à mão com a lã de ovelhas de raças autóctones da Serra da Estrela. O design personalizado foi pensado pela Burel Factory, e é à prova de água. Exceto se deixar a garrafa muito tempo dentro de um frapé – mas nada que um tempinho ao sol não resolva. O rótulo pode, depois, ser descolado da garrafa - “colar o rótulo também foi um desafio, porque tivemos de encontrar uma cola industrial que servisse” - e usado para decoração.
O vinho produzido pela Defio e por Carlos Raposo vai estar à venda sobretudo em restaurantes de fine dining e em algumas garrafeiras selecionadas, e os três responsáveis pelo projeto garantem que a parceria é para continuar. Talvez com um tinto, sorriem.
A Defio, que em esperanto significa 'Desafio', nasceu da vontade das duas amigas de trabalharem juntas. Criaram uma empresa que vende bebidas – vinho e cerveja, para já – apesar de não as produzir, e que escolhe os seus parceiros entre os profissionais que admira e com quem têm uma boa relação pessoal. “Na verdade, a Defio nasceu porque queríamos fazer um vinho premium em lata, cujo projeto correu muito bem e fomos crecendo. Não queremos fazer o que está na moda, mas sim coisas de que gostamos”, salienta Ana.
Para conseguirem colocar no mercado os produtos que gostam de consumir, já recorreram à Niepoort, na Bairrada (produziram um Clarete de Baga), ao Rodrigo Martins, em Lisboa com quem nasceu o Película Branco e agora a Carlos Raposo. Nas cervejas, pediram ajuda à Epicura e lançaram uma pale ale.
No entanto, a parceria com Carlos Raposo é também diferente: este é o único projeto verdaediramente a quatro mãos (ou a seis, no caso), porque ao invés de a Defio comprar toda a produção, Raposo decidiu partilhar com a Defio o risco. “É uma parceria 50/50. Partilhamos o investimento, o risco e o retorno”.
“O Carlos ficou muito nervoso quando lhe dissémos o preço do rótulo”, atira Sara, com uma gargalhada. Apesar de não o terem revelado ao DN, garantiram que a Defio garantiu o break even desde o primeiro ano, e que só agora começa a dar algum retorno financeiro - “que é totalmente reinvestido”, revela Ana.
Na calha, têm outros projetos que preferem não avançar, e o foco totalmente posto no mercado nacional. “Começámos logo a exportar e conquistámos os mercados internacionais muito facilmente”, explicam. A razão é fácil de entender: o vinho em lata continua a não ser de fácil aceitação em Portugal e, em 2020, quando lançaram o da Defio, era ainda menos. Mas Ana trabalha há muitos anos os mercados estrangeiros e ganharam adeptos fora de portas com relativa facilidade. Agora, é preciso afirmarem-se em Portugal, e é nisso que vão concentrar-se, garantem ambas.
"Ainda temos muitos vinhos e algumas outras bebidas que queremos criar para se juntarem à família Defio. Como gostamos de dar atenção aos detalhes, cada vinho que lançamos exige muito tempo, pelo que o processo tem sido gradual. Mas isto também nos permite desfrutar de cada passo do processo criativo, da adega ao embalamento e à comercialização”, concluem, enquanto brindam com um copo do novo vinho que apresentaram a Portugal.