O Douro não tem permitido o aumento da sua área de vinha, mas é das regiões onde os excedentes mais preocupam
Reinaldo Rodrigues

Portugal perdeu 50 mil hectares de vinha numa década, mas os excedentes de vinho continuam a preocupar

Em 2014, Portugal tinha quase 227 mil hectares plantados. Em 2024, de acordo com os dados do IVV, eram pouco mais de 171 mil.
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Portugal foi, em 2024, pelo segundo ano consecutivo, o país com maior redução relativa da sua área de vinha. Em causa está a perda de 5,1% para um total de 173 mil hectares, nove mil a menos do que no ano anterior. Acima só a Bulgária, que regista uma diminuição de 7,3%, mas que tem apenas 60 mil hectares de vinha. Já Portugal é o 10º país com maior área de vinha no mundo, mas perdeu, só na última década, quase 50 mil hectares. Isto apesar de todos os anos, e por imposição comunitária, serem disponibilizadas novas autorizações de plantação correspondentes a 1% da superfície total de vinha do país.

Estes são dados da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), que destaca que a superfície vitícola mundial tem vindo a reduzir-se nos últimos quatro anos, contração essa que, em 2024, decorreu a um ritmo mais lento, de apenas 0,6%, para 7,1 milhões de hectares. E resulta, garante o organismo, dos programas de arranque de vinha em curso nas principais regiões vinícolas.

Já em 2023, o relatório da OIV mostrava que, dos 35 mil hectares a menos existentes face ao ano anterior, 11 mil era área perdida em Portugal. Já então o presidente do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) admitia que “não se tratava de um abandono estrutural de vinha, repentino”, mas sim de questões de eficiência. “O que está em causa nesses dados é o resultado do aumento de fiabilidade do cadastro vitícola nacional, resultado do modelo de interoperabilidade que criámos entre o IVV, o IFAP e o IVDP. Estamos a modernizar o sistema e a tornar os dados fiáveis”, argumenta.

Na verdade, e olhando para os dados oficiais do IVV, vemos que a área vitícola em Portugal em 2024 até é ligeiramente inferior à referida no relatório da OIV. Fica-se por pouco mais de 171 mil hectares. Desde 1989, último ano disponível no site do IVV, perdemos mais de 100 mil hectares de vinha. O facto de quase 50 mil terem 'desaparecido' nos últimos 10 anos, sustenta a questão da fiabilidade.

A análise por regiões mostra que só o Alentejo aumentou a sua área de vinha. Tem hoje pouco mais de 26 mil hectares de vinha plantada, mas que correspondem a mais do dobro do que tinha em 1989 e a mais 12,4% do que tinha há 10 anos. De resto, todas as regiões perderam, incluindo as ilhas. Bairrada e Dão têm perdas superiores a 30%, na última década. A Bairrada tem agora 9300 hectares, o Dão um pouco mais: 9827 hectares.

A região Tejo terá perdido mais de 23% da área de vinha, que ronda agora os 12 mil hectares e Lisboa caiu 20% e tem cerca de 18 mil hectares registados. Nos Vinhos Verdes, a área de vinha está um pouco acima dos 23 mil hectares, mais caiu 15%. Já o Douro tem-se mantido estável, em torno dos 44 mil hectares, enquanto Trás-os-Montes passou de 23 mil hectares de vinha em 2014 para 4.565 hectares em 2024.

A verdade é que, apesar destes números, Portugal tem vindo a acumular excedentes Aliás, a própria OIV, no seu relatório, admite que a redução da área de vinha a nível mundial é uma consequência, também, da mudança dos padrões de consumo e das tendências de mercado, com o consumo mundial a cair para níveis da década de 60.

A confirmarem-se os dados, que são ainda provisórios, o consumo mundial de vinho caiu 3,3%, face a 2023, e ficou-se pelos 214 milhões de hectolitros, o nível mais baixo desde 1961. Não admira, por isso, que apesar de as duas últimas vindimas terem sido curtas a nível mundial, os níveis de stocks estejam, ainda, em algumas regiões, desequilibrados.

É o caso de Portugal. Em 2024, a vindima ficou 8,2% abaixo do ano anterior, na ordem dos 6,9 milhões de hectolitros, mas o país teve que solicitar autorização a Bruxelas, pela quarta vez em cinco anos, para usar verbas europeias para uma destilação de crise. No total destas quatro destilações de crise, foram já usados mais de 60,5 milhões de euros para queimar vinho e transformá-lo em álcool para fins industriais e energéticos.

Em 2020, a dotação disponível foi de 12 milhões de euros, em 2021 foi de 10 milhões e em 2023 de 20 milhões de euros. No ano passado, Bruxelas aprovou uma medida que designou de “caráter excecional e temporário”, disponibilizando 15 milhões de euros para a destilação de vinhos tintos com denominação de origem ou indicação geográfica.

Destes, para o Douro foram 4,5 milhões de euros, a que o Governo autorizou que fossem acrescentados 3,5 milhões dos saldos de gerência do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), resultado das taxas pagas pelos operadores e que o Estado cativou, por ser um organismo público.

Estes 8 milhões permitiram ao Douro destilar pouco mais de 105 mil hectolitros. O Alentejo foi a região que mais excedentes destilou: quase 114 mil hectolitros. O top3 é completado pela região de Lisboa, com 57 mil hectolitros.

Um ano depois, e com o aproximar da vindima, perspetivam-se tempos difíceis para muito viticultores. No Douro há mesmo quem fale já em “desastre económico”. E as críticas à falta de atuação do ainda ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes, fazem-se ouvir em surdina. “O Douro vai ser um grande problema e o ministro nada fez. Nada”, refere uma das várias fontes contactadas pelo DV/DN. “O ministro não quer que haja [mais] promoção do vinho do Porto, não quer uma destilação [de crise] e não quer uma monda de cachos – a chamada vindima em verde, antes de os bagos se desenvolverem por completo e começarem a amadurecer”, corrobora outro interlocutor, que acrescenta: “Enfim, não quer solução nenhuma, portanto, venha a desgraça para 'queimar' o próximo ministro”.

A meio de abril já circulavam notícias de viticultores durienses a receberem cartas a cancelar encomendas de uvas da próxima vindima. O medo instalou-se. Há quem fale num corte do benefício - a produção autorizada de vinho do Porto – na ordem das 20mil pipas, o que representaria menos 20 milhões de euros nos bolsos dos viticultores durienses.

A 30 de abril, a Associação das Empresas de Vinho do Porto (AEVP), que representa o comércio no Conselho Interprofissional dos IVDP, emitiu um comunicado a pedir, ao Ministério da Agricultura, a abertura, “com caráter de urgência”, de mais uma destilação de crise na região e de uma colheita em verde, medidas já previstas no Plano Estratégico da PAC 2023-2027 (PEPAC).

Não tivemos qualquer resposta, mas, em boa verdade, o último mês foi de campanha eleitoral e eleições e agora estamos à espera de um novo governo. E o tempo a passar”, diz a diretora executiva da associação, lembrando que a região tem um “excedente crónico” de 50 mil pipas anuais e que a colheita em verde, “um dos poucos instrumentos que dá dinheiro diretamente viticultor”, tem um prazo.

O corte destes cachos tem que ocorrer antes da fase do ‘pintor’, que marca o início da maturação das uvas, que começam a mudar de cor, o que acontece, geralmente, a partir de julho. “Abrir e montar todo o mecanismo [de apoio] à vindima em verde até lá já nos parece impossível”, admite esta responsável.

Rui Paredes, presidente da Casa do Douro, que representa a produção, acredita na abertura do governo para aceitar uma medida que a AEVP tem recusado: a destilação dos excedentes para incorporação como aguardente no vinho do Porto.

“Estamos a trabalhar nisso, através de uma solução mais ‘fora da caixa’, num modelo que possa ser bem recebido. Parece-me que há alguma abertura do governo, mas tem que ser tudo muito célere”, refere. E mais não diz.

No Alentejo, cuja Comissão Vitivinícola Regional (CVR) tem um novo presidente – Francisco Mateus esteve dez anos a liderar a instituição –, a situação parece menos grave. Sobre o aumento contínuo da área de vinha na região, Luís Sequeira considera que, sendo a vinha um investimento a “muito longo prazo”, este crescimento “constitui a prova de que o mercado confia e investe no Alentejo”.

Tendo sido a região que mais vinho enviou para a destilação de crise em 2024, o Alentejo tem, ainda assim, stocks que representam “aproximadamente duas campanhas”, ou seja, cerca de 200 milhões de litros.

Questionado se faz sentido continuar a aumentar a área de vinha, Luís Sequeira não respondeu. Mas diz que o Alentejo está num processo de “grande dinamização”, a preparar o seu plano estratégico para os próximos cinco anos. Enquanto a região procura respostas para o seu futuro, perante um público que cada vez consome menos vinho, em especial tinto, este responsável lembra que há também oportunidades a ter em conta. Quer ao nível da “premuinização do consumo”, quer em termos de mercados.

Temos a perfeita noção que a realidade está complicada, designadamente com a ameaça de tarifas nos EUA, mas há soluções e que podem ser imediatas. Basta que o Parlamento Europeu ratifique o acordo firmado com o Mercosul, o que teria um impacto tremendo nas nossas exportações para o Brasil, que hoje têm taxas superiores a 100%”, sublinha.

Francisco Toscano Rico, presidente da Andovi, a Associação das Denominações de Origem Vitivinícolas, aponta os 35 milhões de litros destilados em 2024, a par da subida das exportações nacionais, para considerar que embora os stocks estejam elevados, “a pressão é hoje menor do que no ano passado”. Por outro lado, com a chuva intensa que houve, o ano foi difícil em termos fitossanitários, com o míldio a atacar em várias regiões. Tudo contrabalançado, “a situação é de grande preocupação e incerteza, e o nervosismo persiste”.

Toscano Rico, que é também líder da CVR de Lisboa, não concorda que nada tenha sido feito pelo Governo, e aponta a abertura, já em maio, de candidaturas a investimentos nas adegas, que “permite um financiamento importante no aumento de capacidade e de melhoria das condições de armazenamento”.

De resto, a Andovi insiste que é preciso mais e melhor fiscalização e controlo sobre a fileira, bem como a criação de um Observatório do Mercado do Vinho que permita haver “melhor informação” e “dados fiáveis sobre o preço das uva, do vinho a granel e das margens geradas pela atividade”. Do novo governo, pede que “tudo faça, ao nível da diplomacia, para que o acordo com o Mercosul seja sufragado”, considerando-o “critico, para o vinho, nesta fase de incerteza e baixa de consumo mundial”.

Contactado o Ministério da Agricultura, não foi possível obter respostas até ao fecho desta edição.

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