Tarifas. Produtores de vinho dos EUA atordoados, exportadores de carros alemães e coreanos fogem para a frente
A guerra tarifária entre os Estados Unidos e várias outras economias continua a escalar. Depois do choque dos produtores vinho e champanhe europeus, é agora a vez de os californianos, que formam uma região vitivinícola de referência mundial, também começarem a recear pelo seu futuro já que, dizem, são "uma indústria global".
Apesar da concorrência, o que corre mal noutros pontos do mundo pode fazer ricochete, argumentam. Alguns mostram-se mesmo atordoados e temem que as tarifas do seu Presidente agravem ainda mais a crise em que a região demarcada californiana entrou, agravada pelos incêndios devastadores que lavraram recentemente.
Do outro lado do globo, na Alemanha e na Coreia do Sul, a inquietação é cada vez mais elevada: por exemplo, há fabricantes de carros e componentes automóveis desses dois grandes produtores automóveis que estão a dar o máximo e a acelerar como nunca nas exportações para os EUA de modo a aproveitar os últimos dias de bonança, isto é, enquanto as tarifas não sobem brutalmente, algo que pode acontecer (se o que Trump tem dito é verdade) a partir do próximo 2 de abril, o "dia da Libertação" dos Estados Unidos, mais um termo inventado pelo magnata e chefe máximo dos EUA.
Guerra no vinho
Segundo a CNN norte-americana, depois de na semana passada Trump ter avançado com a ameaça bombástica de impor uma tarifa de 200% sobre todas as importações de vinho, champanhe e outras bebidas alcoólicas vindas da União Europeia e ter escrito na sua rede social que isso "será ótimo para o negócios do vinho e do champanhe nos EUA", as dúvidas de que isto seja verdade adensam-se.
Segundo o mesmo canal de notícias, muitos viticultores e produtores de vinho da Califórnia, a região que lidera de forma incontestada a produção de vinho nos EUA, estão a encarar a ameaça de Trump "com desconforto". Alguns deles, poucos, estão "cautelosamente otimistas" com a promessa de Trump de que dizimando vinhos e bebidas europeus será possível fazer renascer o interesse doméstico pelos da Califórnia.
Já outros produtores, aparentemente a maioria, temem que as tarifas sejam o golpe final numa indústria que está muito fraca.
Além do problema da quebra de procura interna, os incêndios florestais e as secas recentes que assolaram o estado californiano destruíram muitas vinhas e colheitas, tendo inviabilizado o arranque de novas campanhas.
“Apesar de sermos uma empresa familiar agrícola, trabalhamos numa lógica de ligações globais”, explicou à CNN John Williams, o fundador da casa Frog's Leap, um conhecido produtor do Napa Valley, na Califórnia. "Isto não é bom para a nossa indústria em geral", avisou o empresário.
Deste lado do oceano, como escreveu o DN há mais de uma semana, o nível de consternação também é significativo, para mais porque é na Europa que estão alguns dos principais alvos da fúria de Trump nas tarifas do álcool.
Portugal é, atualmente, o décimo maior produtor de vinho do mundo, responsável por 2,8% da produção global, segundo dados oficiais. A ameaça de Trump foi mal recebida, mas o impacto cá será relativamente baixo tendo em conta que por ano Portugal exporta apenas 100 milhões de euros em bebidas alcoólicas para os EUA, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).
Já em França, o ataque americano pode doer bastante e fazer estragos. França lidera como primeiro produtor mundial de vinho e champanhe, como se sabe, e é o principal fornecedor estrangeiro de vinhos no mercado dos EUA. Aqui muitos ficaram estarrecidos com o ataque de Trump, que para já é verbal, mas nunca se sabe.
França produz mais de 20% do vinho do mundo e tem cerca de 90 mil adegas. Itália responde por 16% do total mundial, Espanha por quase 14%, ambas ocupam os restantes lugares no pódio.
Carros estrangeiros quase voam
Entretanto, na Europa e na Ásia, a ansiedade de muitos empresários também está ao rubro o que faz com que muitos fabricantes estejam a acelerar na expedição de veículos e componentes essenciais para os EUA antes que as novas e proibitivas tarifas de Trump entrem em vigor, noticiou o Financial Times.
"Em resposta a pedidos dos fabricantes de automóveis, foram enviados navios de transporte de automóveis para a Ásia e para a Europa, com planos para transportar milhares de veículos adicionais face ao que é normal tendo como destino os EUA", disseram alguns responsáveis da indústria ao FT.
Lasse Kristoffersen, presidente executivo da Wallenius Wilhelmsen, uma empresa de referência mundial no transporte marítimo de veículos, referiu ao Financial Times que havia "mais volume na Ásia do que aquele que conseguimos receber dos nossos clientes".
Assim, empresa justifica que teve de "aumentar a capacidade para responder à procura", referindo que este aumento até “seria maior não fosse a escassez de navios" para fretar. É um mercado totalmente saturado.
Ainda segundo o mesmo jornal, "os fabricantes de automóveis sul-coreanos Hyundai e Kia estão a tentar enviar mais veículos para os EUA antes do fim do prazo das tarifas".
E um responsável de um grande fabricante automóvel da Alemanha confirmou que "estão a enviar mais veículos da Europa para os EUA para fazer face à ameaça tarifária".
Esta "pressa" levou a "um aumento anual de 22% nas remessas de veículos da UE para os EUA em fevereiro, enquanto que as do Japão aumentaram 14% e as da Coreia do Sul para a América do Norte subiram 15%", indica o FT.
Stian Omli, vice-presidente sénior da Esgian, uma plataforma que monitoriza os transportadores de automóveis, confirma que se verificou um “aumento notável” dos navios que cruzam o Atlântico, da Europa para os EUA.
“Há um aumento a partir da Europa e, provavelmente, em breve veremos um aumento a partir da Ásia Oriental”, afirmou.
Segundo o mesmo jornal financeiro, "as empresas que produzem automóveis e componentes no México e no Canadá também estão a preparar-se para as tarifas sobre as importações para os EUA". "A Honda está a tentar antecipar os envios destes dois países, enquanto a Stellantis, proprietária da Chrysler e da Jeep, afirmou que estava a transferir stocks através da fronteira para as suas fábricas nos EUA e a produzir mais veículos durante um mês".