Mário Centeno, governador do Banco de Portugal.
Mário Centeno, governador do Banco de Portugal.MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Têxtil, vidro, cerâmica, cimento e bebidas são os setores mais ameaçados pela ira de Trump nas tarifas

Banco de Portugal conclui que numa guerra comercial todos saem a perder, mas uns mais do que outros. Setor têxtil é o que parece mais vulnerável à escalada tarifária de Trump.
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As guerras comerciais, quando nascem, prejudicam todos, mas uns mais do que outros. De acordo com o Banco de Portugal (BdP), os setores nacionais que se encontram mais dependentes e em perigo face a um agravamento na escalada das tarifas alfandegárias iniciada pelo governo dos Estados Unidos, de Donald Trump, são os do fabrico de têxteis, de fabricação de produtos minerais não metálicos (que inclui vidro, produtos cerâmicos e cimento), as indústrias das bebidas, dos equipamentos informáticos, de comunicações, eletrónicos e ótica e indústria do couro, enumera um estudo divulgado ontem no novo boletim económico do banco central governado por Mário Centeno. Em todos estes setores fortemente exportadores, a percentagem de empresas com exposição relevante ao mercado norte-americano varia entre 8% a 12% do respetivo setor.

Numa abordagem mais agregada e macroeconómica, o BdP estimou ainda o possível impacto no País de um cenário de guerra comercial extremada aliada a incerteza máxima, concluído que a economia portuguesa pode sofrer uma destruição de valor na ordem de 1% ou mais nos próximos três anos (2025 a 2027, em termos acumulados), o que a preços de hoje significa uma redução superior a três mil milhões de euros no Produto Interno Bruto (PIB), pelas contas do DN/Dinheiro Vivo.

O BdP explica que “perto de 70% do valor dos bens exportados por Portugal para os EUA enfrentam tarifas entre 0% e 2%”, mas que “6% do valor das exportações está afetado por tarifas iguais ou superiores a 10%”.

Assim, “o impacto sobre as exportações portuguesas de um eventual agravamento das tarifas dos EUA dependerá de fatores como a magnitude do aumento das taxas aduaneiras sobre cada tipo de bem e o peso destes nas exportações de Portugal para o mercado dos EUA”.

Mas uma coisa é certa. Assumindo que “alta exposição” aos EUA é quando o peso das exportações de uma empresa supera os 10% das suas vendas totais, há “cinco setores” que se destacam neste ranking de vulnerabilidade.

“Selecionando os cinco setores com maior exposição segundo este critério, verifica-se que, em 2023, 12% das empresas exportadoras de fabricação de têxteis e de fabricação de produtos minerais não metálicos (que inclui vidro, produtos cerâmicos e cimento) apresentava elevada exposição ao mercado americano”.

Só para se ter uma ideia, só o setor do têxtil e vestuário, um dos líderes nacionais, tinha mais de 6,3 mil empresas ativas e empregava mais de 119 mil pessoas, em 2023, segundo um estudo recente da central de balanços do BdP. A faturação anual do setor ultrapassou os 8,3 mil milhões de euros.

Mas há outros que também estão pouco imunes à ira de Trump. “As indústrias das bebidas, dos equipamentos informáticos, de comunicações, eletrónicos e ótica e na indústria do couro e seus produtos, apresentavam também uma relevante percentagem de empresas com elevada exposição ao mercado americano”.

Nas bebidas, quase 10% das empresas estão muitos expostas ao mercado dos EUA, nos equipamentos informáticos e na indústria do couro o grau de vulnerabilidade ronda os 8%.

Resumindo: “Na prática, com a imposição de tarifas, o consumidor americano observará um aumento do preço dos bens e consequentemente reduzirá a quantidade procurada”, mas “as empresas exportadoras poderão mitigar esse efeito reduzindo os seus preços de venda, comprimindo a sua margem de lucro”.

A escalada beligerante no comércio internacional pode complicar a vida destes cinco setores, mas ninguém está a salvo e, no limite, ninguém ganha, defendeu Mário Centeno na apresentação do boletim económico, em Lisboa.

Assim é porque as barreiras ao comércio prejudicam, de forma quase imediata, os exportadores e os consumidores (”as tarifas são impostos”), mas também condicionam de forma muito negativa os planos dos empresários, sobretudo o investimento a prazo. Logo, o emprego.

Para já estes efeitos muito graves ainda não são descontados nas projeções: o crescimento da economia portuguesa abranda de 2,3% este ano para 2,1% no próximo, prevê o Banco.

No entanto, “a materialização de um cenário de aumento de tarifas pelos EUA às importações da União Europeia (UE), envolvendo retaliação e aumento da incerteza/redução da confiança, teria um impacto negativo relevante na atividade económica em Portugal”, alerta o estudo. Para compensar, há o “aumento esperado” dos gastos militares, que pode contribuir pela positiva.

Em cima do efeito destrutivo das tarifas elevadas, “a incerteza pode levar os agentes económicos a adiar ou cancelar decisões de investimento, a aumentar a poupança por motivos de precaução ou a exigir prémios de risco mais elevados, reduzindo o preço dos ativos e aumentando os custos de financiamento”.

“O impacto global dos choques considerados aponta para uma redução cumulativa do PIB [de Portugal] em torno de 1,1% no final de três anos, com os efeitos concentrados nos primeiros dois [2025 e 2026]”, explicou Centeno.

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