Setor do vinho português chocado com Trump, mas tarifa de 200% só arrasa com 0,04% do PIB em exportações
Antigamente, no tempo do fascismo, nas décadas de 30 e 40 do século XX, circulou uma campanha de promoção do setor vitivinícola português que dizia: “Beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses”.
A frase muitas vezes atribuída ao ditador António de Oliveira Salazar faz pensar na importância estratégica que o setor do vinho teve nesse tempo em que a economia era pobre e monolítica, mas que hoje contrasta com um setor muito avançado do ponto de vista tecnológico, diversificado, de alta qualidade e valor acrescentado.
No entanto, o aviso brutal de Donald Trump, que ontem ameaçou a Europa com tarifas de 200% sobre as importações de bebidas alcoólicas, deixou em choque muita gente, incluíndo, como é natural, representantes do setor do vinho português e de outras bebidas.
Seja como for, no caso em apreço, é bom relativizar: é uma questão grave para um setor avançado, mas o mercado norte-americano vale apenas cerca de 100 milhões de euros em faturação neste segmento do álcool, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).
Visto em proporção, é o equivalente a 0,04% do Produto Interno Bruto (PIB) português, a cerca de 0,1% das exportações totais de mercadorias de Portugal. Pode ser possível de contornar e minimizar impactos a prazo sobre o próprio setor e a economia portuguesa.
Ainda assim, a bomba de Trump deixou os empresários portugueses de boca aberta. Os franceses, então, nem se fala, duplamente pressionados por uma quebra no consumo interno.
Em Portugal, a ameaça caiu como uma bomba pois foi o segundo maior mercado de exportação do país, segundo dados do setor.
“Se a questão das tarifas não acontecer, em 2025, os Estados Unidos da América serão o nosso segundo maior mercado”, diz Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal, ao DN/Dinheiro Vivo.
Esta instituição é a “Organização InterProfissional do Vinho de Portugal, reconhecida por despacho do Ministério da Agricultura, sendo a entidade gestora da Marca Wines of Portugal”.
Mas o líder da ViniPortugal concede que a ameaça “é altamente preocupante”. “Até aqui sabíamos das tarifas sobre o aço, o alumínio, essas coisas, mas não estávamos à espera desta imposição de taxas de 200% sobre bebidas alcoólicas”.
“Para os vinhos europeus e para nós, em particular, isso é muito, muito preocupante, porque os EUA são o nosso segundo maior mercado”, insiste Frederico Falcão.
Nos últimos anos, as exportações de vinhos de Portugal têm aumentado em valor e preço médio, com mercados como a China e os EUA a ganhar cada vez mais importância.
Em dez anos, Portugal exportou, em média, 46% da sua produção. E está a tentar há alguns anos atingir a fasquia simbólica dos mil milhões de euros em exportações.
Portugal é, atualmente, o décimo maior produtor de vinho do mundo, responsável por 2,8% da produção global, segundo dados oficiais.
França lidera, é o primeiro produtor mundial. Aqui muitos ficaram estarrecidos com o ataque de Trump, que para já é verbal, mas nunca se sabe.
França produz mais de 20% do vinho em termos globais e tem cerca de 90 mil adegas ativas. Itália responde por 16% do total mundial, Espanha por quase 14%, ocupam os restantes lugares no pódio.
“Donald Trump está a intensificar a guerra comercial que decidiu lançar. França continua determinada a ripostar com a Comissão Europeia e os nossos parceiros. Não cederemos a ameaças e protegeremos sempre as nossas indústrias”, respondeu Laurent Saint-Martin, ministro francês do Comércio Externo.
Já os produtores gauleses exigem mais prudência e reflexão aos políticos europeus. “Estamos fartos de ser sistematicamente sacrificados” nas guerras comerciais, lamenta o diretor executivo da Federação dos Exportadores de Vinho e Bebidas Espirituosas (FEVS), Nicolas Ozanam, citado pela Lusa.
“Isto confirma o que temíamos: ao apresentar disposições deste tipo [sobre o bourbon americano], estávamos a colocar-nos na mira direta do Presidente dos Estados Unidos”, afirmou Ozanam. Pede à Comissão Europeia “algum realismo” na abordagem às tarifas e na guerra comercial em curso.
Ontem, quinta-feira, Trump foi à internet escrever que “a União Europeia, uma das autoridades mais abusivas e hostis do mundo em matéria de impostos e tarifas, acaba de impor uma tarifa de 50% sobre o whisky [bourbon]. Se estas tarifas não forem imediatamente retiradas, os Estados Unidos imporão rapidamente uma tarifa de 200% sobre todos os vinhos, champanhes e produtos alcoólicos de França e de outros países da UE”, escreveu o Presidente norte-americano na sua rede Truth Social.
Bruxelas ataca no bourbon e muito mais
Foi a resposta maximalista, dura, típica do líder do governo americano, ao anúncio de Ursula von der Leyen, na véspera.
Segundo a presidente da Comissão Europeia (CE), as importações europeias (UE - União Europeia) de produtos procedentes dos Estados Unidos da América (EUA) deverão ser carregadas com novas tarifas comerciais, a partir do início de abril, num valor que ascenderá a 26 mil milhões de euros.
De acordo com cálculos do DN, este volume de impostos alfandegários, que responde de modo equivalente e “proporcional” ao imposto implícito com que o governo norte-americano quer penalizar as compras com origem na Europa, equivale a cerca de 8% do total importado atualmente pelos EUA, perto de 330 mil milhões de euros, segundo os dados do Eurostat relativos a 2024.
O rol de produtos americanos que pode ser afetado é extenso e diverso. Pelo levantamento não exaustivo do DN, alguns dos bens visados pela resposta da CE podem ser aço, alumínio, bourbon, motas, máquinas de lavar roupa e loiça, aspiradores, cortadores de relva, barcos a motor, cerveja, cereais, roupa de marca (calças, camisas), papel higiénico, fio dental, carne, produtos lácteos, soja, pastilhas elásticas, óleos vegetais e até vinho ou sumo de laranja concentrado.
De acordo com a Reuters, alguns dos produtores baseados nos EUA que podem ser diretamente afetados são bastante conhecidos dos europeus: “Whirlpool, Stanley Black & Decker, Mohawk Industries, Harley-Davidson, Ralph Lauren, Tyson Foods, Archer-Daniels-Midland”, enumera a agência noticiosa.
“A União Europeia tem de atuar”, continuou Von der Leyen. “As decisões que hoje tomamos hoje são fortes mas proporcionadas. Uma vez que os Estados Unidos estão a aplicar direitos aduaneiros no valor de 28 mil milhões de dólares [cerca de 26 mil milhões de euros], decidimos responder com contramedidas no valor de 26 mil milhões de euros”, um valor que “corresponde ao âmbito económico das tarifas dos Estados Unidos”.
Esta retaliação tarifária da Europa “será introduzida em duas fases, a partir de 1 de abril, e estará plenamente em vigor a partir de 13 de abril”, mas, “entretanto, manter-nos-emos sempre abertos a negociações”, explicou a líder do executivo europeu.
Trump cavalga contra os “inimigos” dos EUA
Esta semana que passou, voltou a ser marcada pela agressividade de Trump, que reafirmou várias medidas contra os seus inimigos comerciais.
No caso das importações de aço e alumínio, os EUA ergueram uma tarifa de 25% sobre todos os países, que entrou em vigor na quarta-feira, 12 de março.
E, ato contínuo, Trump reforçou a ameaça e aumentar essa barreira até 50% no caso das importações canadianas destes metais, mas depois reconsiderou depois de o Canadá ter suspendido um novo imposto retaliatório sobre a eletricidade dos EUA. Diz que os dois países vão tentar conversar. Idem, no caso do México.
No caso da China, Trump decretou novas tarifas alfandegárias de cerca de 20%, para além do imposto de 10% já existente, que entrou em vigor durante o primeiro mandato de Trump. A China respondeu com tarifas até 15% sobre os produtos agrícolas dos EUA, como frango e carne de porco, desde segunda-feira, 10 de março.
Ontem, quinta-feira, na Europa, os investidores em bolsa reagiram mal e os índices das principais praças fecharam em queda, ainda que ligeiramente.
O nosso PSI desceu 0,6%, o DAX (alemão) cedeu 0,48%, o CAC (francês) acompanhou com menos 0,6%.
Com Ilídia Pinto