O Conselho Interprofissional do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP) reúne esta quinta-feira para debater a grave situação da região. Se em 2024 os produtores avisavam que a fome ia regressar ao Douro se nada fosse feito, este ano o risco é ainda maior. Em dois anos, a região perdeu mais de 26 milhões de euros, correspondentes às 26 mil pipas de vinho do Porto que não foram produzidas em 2023 e 2024. Este ano, há quem fale num corte de 20 mil pipas. O valor exato é uma incógnita, ainda, mas o ano será de revisão em baixa do benefício (a quantidade de mosto a beneficiar, ou seja, a receber aguardente, para vinho do Porto), já que as vendas estão em queda e ainda há 8500 pipas de 2024 dentro de portas. Fora o excedente crónico, estimado em 50 mil pipas ao ano, na região.O DN sabe que diversas entidades políticas se têm desdobrado em reuniões para tentar encontrar soluções para uma crise que se adivinha grave. Mas a vindima em verde - o corte antecipado de parte dos cachos, impedindo a sua maturação -, que já o ano passado era reclamada pelo setor, continua sem resposta por parte do Governo. “É absolutamente inconcebível como é que não se considera uma medida como essa , quando se sabia que isto ia acontecer. Era óbvio: porque é que nada foi feito? Dizem que é um tema que tem que ver com dinheiro, mas é absolutamente incompreensível. Não temos nenhum outro mecanismo de curto prazo a que possamos lançar mão para apoiar diretamente o viticultor, que são os que estão numa situação mais débil, sem qualquer dúvida”, diz António Filipe, presidente da Associação das Empresas de Vinho do Porto (AEVP), que representa o comércio no Conselho Interprofissional. Do lado da produção, o presidente da Casa do Douro, assume-se “muito preocupado” com a falta de respostas por parte do Ministério da Agricultura e com o impacto que isso tem no pequeno viticultor. “O crescimento da economia do país também se faz pelo interior, mantendo as pessoas lá. Mas a verdade é que há sempre uns milhões para mais uma linha de metro em Lisboa ou para um nova ponte no Porto, mas não há para apoiar a economia do interior. 50 anos depois do 25 de Abril continuamos a afunilar os investimentos no litoral e não passamos de um grande lar de idosos no interior”, lamenta Rui Paredes.Desde 2000 que as vendas de vinho do Porto nos mercados internacionais estão em queda, parcialmente compensadas pelo crescimento das categorias especiais, que, como o nome o indica, são especialmente valorizadas pelos consumidores.O vinho do Porto, pela sua especificidade , é a única denominação de origem em Portugal cuja produção é estabelecida administrativamente, pelo Governo, depois da deliberação do Conselho Interprofissional do IVDP. Havendo acordo entre produção e comércio, a decisão é fácil de tomar. Não havendo concordância , o presidente do IVDP tem voto de qualidade. Foi o que aconteceu em 2024, quando a produção reclamava um benefício de 90 mil pipas e o comércio defendia não poder ir além das 85 mil, atendendo a que as intenções de compra estimadas eram de pouco mais do que 81 mil pipas (cada pipa tem 550 litros) e Gilberto Igrejas votou ao lado da produção. Um ano volvido, há pelo menos 8500 pipas da vindima de 2024 que os produtores-engarrafadores e as adegas cooperativas não conseguiram vender.Em condições normais, a discussão do benefício dever-se-ia fazer lá para junho. Este ano, começa já, numa tentativa de alertar o Governo para a gravidade da situação. Produção e comércio não assumem, publicamente, qual o montante que consideram adequado. A AEVP diz apenas que “a relação entre stocks e vendas nunca foi tão elevada”, pelo que o “benefício tem de ser fixado em baixa”. Também a Casa do Douro não avança com um valor exato, dizendo apenas que pretende que seja “o máximo possível, desde que acomodável” nas condições de mercado. Mas Rui Paredes reconhece que terá de ser menor do que em 2024. “Que me interessa dizer que quero 90 mil pipas se os comerciantes depois só comprarem 70 mil?”, admite. Número que fontes ouvidas pelo DN apontam como sendo o valor que o comércio pondera apresentar à mesa das negociações; do lado da produção, as 81 mil pipas parecem ser o valor de base negocial. Números bem longe das 154 mil pipas autorizadas em 2001, o valor mais alto do milénio. Mas a verdade é que, em 2000, exportaram-se mais de 826 mil hectolitros de vinho do Porto, no valor de 350 milhões de euros. Em 2024, foram exportados 542 mil hectolitros, no valor de 304 milhões. O crescimento das vendas de categorias especiais tem ajudado a disfarçar um pouco a contínua quebra de vendas de vinho do Porto nos mercados internacionais nos últimos 20 anos. Por outro lado, as tarifas de Trump vieram agudizar ainda mais o problema. Os EUA são um dos mais relevantes mercados para o vinho do Porto, especialmente em valor. E se é verdade que a decisão da presidência americana de adiar, por 90 dias, a entrada em vigor das tarifas de 20% sobre os vinhos europeus permitiu que as encomendas que haviam sido suspensas, em março, fossem agora expedidas, a instabilidade no mercado mantém-se.A região estima que haja um excedente crónico de 50 mil pipas todos os anos e reclama medidas estruturais, como o apoio ao arranque voluntário de vinha. No imediato, é a vindima em verde, o corte de cachos antes da maturação, que é pedido.Produtores e comerciantes de têm vindo a solicitar ao ministro da Agricultura a abertura de apoios à colheita em verde, medida comum em países como França, Espanha e Itália, mas à qual Portugal nunca recorreu. Na verdade, nem sequer constava das medidas da PAC previstas para Portugal, tendo sido incluída a pedido do atual Governo. Tem uma dotação de 4,5 milhões de euros, que é “manifestamente insuficiente”, assume António Filipe. Do lado do Governo a resposta é que o assunto está a ser estudado, mas o DN sabe que a existência de grandes excedentes de vinho em regiões como o Dão e o Alentejo - apesar de Portugal ter feito quatro destilações de crise em cinco anos - estão a gerar dificuldades. “Se o Governo cede no Douro, vai ter de ceder nas outras regiões”, refere fonte ouvida pelo DN.Da parte do poder político parece haver predisposição para aceitar a proposta da produção, de usar os excedentes na região para produzir aguardente para incorporar no vinho do Porto, tornando obrigatório o seu uso numa determinada percentagem. Os comerciantes não querem nem ouvir falar do assunto, assumindo que não é viável em termos de custos. Tratando-se o Douro de uma região de viticultura de montanha, o custo de produção da uva é substancialmente mais caro do que nas restantes. A AEVP estima que a aguardente, que custa agora dois euros por litro, passasse para cerca de nove euros por litro se fosse produzida a partir das uvas durienses. Há também grandes dúvidas que Bruxelas autorizasse, por questões de concorrência.