Leonardo Negrão
David Solis Aguilar e Marco Leyva com um pisco sour e um ceviche

Peruano Marco Leyva aposta em levar o ceviche e o pisco sour a Campo de Ourique

Depois do sucesso do Pisco Peruvian Bar, no largo junto da estação do Rossio, é a vez do Lima Ceviche Bar abrir portas. Prestígio da gastronomia peruana continua em alta, ajuda, mas traz desafios.
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Comento com Marco Leyva que num romance que li há uns anos de Mario Vargas Llosa, Cinco Esquinas, e que se passava em Lima, as personagens estavam sempre a dizer que tinham arranjado uma corvina bem fresca e a desafiar-se umas às outras para ir lá a casa comer um ceviche. O empresário peruano, que acaba de abrir em Lisboa o Lima Ceviche Bar, confirma que "no Peru, no passado, a corvina se usava muito, mas hoje o mais apreciado penso que é o linguado. Mas cada vez mais há outros peixes e nós cá no restaurante estamos a usar a dourada. Além da carne branca, absorbe bem os sucos, os sabores, tudo". E se o ceviche é emblemático da gastronomia peruana, e o próprio nome do restaurante em Campo de Ourique o comprova, a causa, um prato nascido durante a guerra de independência no início do século XIX contra os espanhóis, também merece destaque graças às reinterpretações, assim como o chicharrón, que aqui pode ser de peixe ou de lula, panados e fritos até ficarem crocantes.

Nascido em 1979 em Cajamarca, na serra, Marco Leyva viveu e trabalhou em Trujillo, na costa. Durante cinco anos foi advogado, mas um dia tirou "um curso de barman que viria a revelar-se a porta para uma nova vida", como escrevi num perfil que publiquei em tempos deste peruano já muito português. Outra porta para uma nova vida foi o ter conhecido uma portuguesa que fazia voluntariado numa associação de apoio às crianças indígenas que Marco também apoiava. Hoje, além de viver em Lisboa há quase duas décadas, onde com o tempo se tornou uma espécie de embaixador dos sabores peruanos, de comer e de beber, tem dois filhos luso-peruanos, Sara, cujo nome em quéchua quer dizer "milho", e Yaku, que significa "água" nessa língua indígena.

Pisco, vodka, gin e whisky peruanos
Pisco, vodka, gin e whisky peruanosLeonardo Negrão

A clientela deste Lima Ceviche Bar é do bairro, diz o dono do restaurante, e na sua grande maioria portugueses, "uns 90%". Um pouco diferente do que acontece no Pisco Peruvian Bar, no largo do Duque de Cadaval, mesmo junto à estação de comboios do Rossio, que, sendo um bar, também começou a servir comida peruana, e com muito sucesso, o que levou à ideia de abrir um restaurante. Campo de Ourique não foi a única opção, mas acabou por se impor, até porque, sublinha Marco Leyva, "já se justificava aqui no bairro um restaurante peruano". No projeto, está também envolvido outro peruano a viver já há uns bons anos em Portugal, David Solis Aguilar, que se junta à conversa e que na fotografia principal que é feita faz questão de segurar um copo de pisco sour, o cocktail peruano que está na moda. Marco Leyva segura um prato de ceviche, feito com dourada, claro. Fico a saber que apesar de todas as influências das migrações para o Peru desde que no século XVI Francisco Pizarro conquistou o Império Inca, ainda antes dos espanhóis levarem o limão e a lima para as Américas, já os povos do litoral peruano usavam um fruto ácido, o tumbo, para preparar o peixe.

A faceta de barman, e também o apego às raízes, de Marco Leyva nota-se neste Lima Ceviche Bar quando se vê a variedade de bebidas feitas no Peru: o tradicional pisco, criado por um emigrante grego há mais de 400 anos, mas igualmente whisky, gin e vodka. "O whisky é tipo bourbon, como nos Estados Unidos, feito com milho vermelho, por um norte-americano casado com uma peruana e que fundaram uma destilaria; a vodka é feita com batatas nativas, produções pequenas, que não saem do Peru; e o gin é da Amazónia, feito com botânicos amazónicos", explica Marco Leyva.

Há três anos, no final de uma prova de pisco realizada no Peruvian Pisco Bar, entrevistei o embaixador Carlos Gil de Montes sobre o sucesso gastronómico peruano mundo fora, incluindo em Portugal. E o título da entrevista foi "o ceviche e o pisco, através do pisco sour, são cartões de visita peruanos no estrangeiro".

Ceviche
CevicheLeonardo Negrão

Mais recentemente, voltei a entrevistar o embaixador a propósito desta gastronomia que resulta da riqueza e diversidade do território peruano (do litoral do Pacífico à cordilheira dos Andes, mas também parte da Amazónia), e das tradições das populações indígenas somadas com as dos espanhóis e outros europeus, africanos e asiáticos que vieram depois, com o pretexto do Maido, um restaurante de Lima, a capital, ter vencido em 2025 nos 50 Melhores Restaurantes do Mundo. "A gastronomia é motivo de orgulho para os peruanos", foi o título dessa vez.

Pergunto a Marco Leyva se esse orgulho e essa fama dos restaurantes peruanos ajuda no negócio. "Ajuda, definitivamente, ajuda. Mas também cria uma expectativa muito alta, e isso põe-nos sob muita pressão. É um desafio. Temos de corresponder ao prestígio da nossa gastronomia", responde o dono do Lima Ceviche Bar, que fica na rua Correia Teles, que também destaca entre os pratos com muito sucesso as sopas de peixe.

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O peruano que ama o vinho português mas nunca esquece o pisco
Leonardo Negrão
Carlos Gil de Montes: "A gastronomia é motivo de orgulho para os peruanos"

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