Eleventy Milano: onde antes se fazia o DN, hoje compra-se luxo
Reinaldo Rodrigues

Eleventy Milano: onde antes se fazia o DN, hoje compra-se luxo

Durante 76 anos, a Avenida da Liberdade foi casa do Diário de Notícias. O jornal que agora lê mudou de redação em 2016 e, no átrio naquele edifício mora agora uma marca de luxo italiana
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Os murais pintados por Almada Negreiros, nos anos em que o mundo assistia ao eclodir da II Guerra Mundial, continuam por cima da porta. Através deles qualquer cliente pode descobrir todas as etapas da produção de um jornal. A obra foi pedida por Porfírio Pardal Monteiro, arquiteto Prémio Valmor responsável por desenhar o “edifício do DN”, na década de 1930, como é conhecido por grande parte dos portugueses.

Desde 2016 que a redação do jornal mais antigo de Portugal Continental passou para outro lugar, mas o património arquitetónico está protegido: para além de as letras góticas na fachada, com o nome do jornal, é obrigatório também respeitar os interiores de algumas salas e os já referidos murais de Almada Negreiros.

Agora, quem entra no átrio do edifício, encontra também um Grande Planisfério com figuras mitológicas e uma obra que representa quatro alegorias a Portugal. Desde o final do mês passado, a Eleventy Milano ocupa o edifício histórico naquela que é a sua primeira flagship store em Portugal. Mas não é apenas uma loja. É também um café-bar, com uma carta da responsabilidade do chef italiano Andrea Berton. E é muito mais do que isso, garantem os responsáveis. Neste espaço de 260 metros quadrados, a loja quer “transformar a experiência de compra numa imersão no universo da Eleventy”.

Fundada em Milão em 2007 por Marco Baldassari e Paolo Zuntini, a quem se juntou, em 2009, Andrea Scuderi, a Eleventy só trabalha com materiais naturais e produção italianos. A Lisboa chega em regime de franquia, pelas mãos de Lurdes Cabral, que fundou a Eleventy Lisboa com Luca Nani. “Portugal tem-se afirmado nos últimos anos como um país em forte crescimento, com uma procura crescente no segmento do luxo contemporâneo e consciente. Lisboa, em particular, tornou-se um centro cultural e cosmopolita de referência, atraindo um público internacional exigente. A abertura da flagship store em Lisboa é, por isso, um passo natural para a Eleventy Milano, que procura consolidar a sua presença nos grandes centros culturais do mundo”, referiu, na época da abertura, em comunicado.

O que é certo é que foi com discrição que chegou à mais cara artéria da cidade, e é com discrição que quer continuar a crescer na cidade que, só no ano passado, viu abrirem cinco lojas de luxo na Avenida da Liberdade. Este ano as contas ainda não estão fechadas, mas as aberturas continuaram a acontecer – tal como a chegada de marcas de luxo, como foi o caso da também italiana Vhernier, que esta semana arrebatou um espaço considerável na boutique da Torres Joalheiros, do outro lado da rua.

Tal como acontece com a Avenue des Champs Elysées em Paris, a 5th Avenue em Nova Iorque ou a Old Bond Street em Londres, as marcas procuram estar onde acreditam estar os seus pares. É isso que faz da Avenida da Liberdade um destino tão apetecível para algumas referências. Mas não só. No início deste ano, a Cushman&Wakefield libertou o seu European Luxury Retail Report, onde dava conta de que a Europa tinha recebido 83 novos espaços de marcas de luxo. Na ocasião, Maria José Almeida, associate e especialista em retalho de luxo da Cushman & Wakefield, explicava o apelo da rua que liga o Marquês de Pombal à praça dos Restauradores: “A Avenida da Liberdade é o destino por excelência das marcas de luxo internacionais, e o facto de estar no prime CBD – onde se localizam as sedes das grandes empresas e hotéis de 5 estrelas – cria o habitat perfeito para estas marcas”. No mesmo sentido, salientava as “boas fachadas e áreas que vão ao encontro dos requisitos das marcas” – tal como acontece com o antigo edifício do Diário de Notícias – que têm contribuído para que a taxa de ocupação daquela artéria se mantenha estável nos 98% desde há vários anos.

A Eleventy Milano, recém-chegada à Avenida da Liberdade, afirma-se como defensora do quiet luxury – um conceito em que basicamente alia a discrição à contemporaneidade e, neste caso, a peças totalmente feitas em Itália, recorrendo a produtos daquele país. E, se nos últimos anos a marca abriu pontos de venda na Florida ou no Dubai, decidiu agora vir para Lisboa mesmo antes de chegar à vizinha Espanha. Se não quiser comprar nenhuma das peças que a Eleventy oferece, pode sempre jogar matraquilhos ou beber um café, enquanto admira os painéis de Almada Negreiros e recorda os tempos em que, ao invés de roupa, arte e acepipes, passavam por aquele átrio jornalistas, governantes e leitores. É uma nova vida do edifício, na nova vida de Lisboa.

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