Ministro afirmou em audição no Parlamento que a justiça administrativa e tributária é “uma vergonha nacional”, considerando que Portugal tem os tempos de decisão “mais lentos da Europa”.
Ministro afirmou em audição no Parlamento que a justiça administrativa e tributária é “uma vergonha nacional”, considerando que Portugal tem os tempos de decisão “mais lentos da Europa”.Foto: ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

"Vergonhosa ausência de investimento". CSTAF reage à declaração de ministro sobre tribunais administrativos

Eliana de Almeida Pinto, juíza secretária do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) "lamenta que Ministro da Reforma do Estado não conheça o Estado nem a jurisdição".
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“O que existe é o resultado da vergonhosa ausência de investimento de sucessivos governos na jurisdição responsável por controlar a legalidade da própria Administração e a fiscalidade do Estado.” Esta é a reação da juíza-secretária do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF), Eliana de Almeida Pinto, às declarações do ministro Gonçalo Matias sobre a justiça administrativa e fiscal “ser uma vergonha”, de acordo com nota enviada às redações.

A juíza desembargadora lamentou que o ministro da Reforma do Estado “não conheça o Estado nem a jurisdição”. Para a magistrada, “o senhor Ministro da Reforma do Estado devia informar-se antes de fazer estas afirmações". A declaração foi proferida na segunda-feira, 03 de novembro, durante uma audição no Parlamento, no âmbito das discussões do Orçamento do Estado para 2026.

No comunicado, o CSTAF salienta que os números “são cristalinos” e apresenta alguns dados: “O mais pequeno Tribunal da Relação (Évora), com um terço dos processos do TCA Sul, tem mais juízes. Que milagre espera o senhor Ministro que os juízes da jurisdição administrativa e fiscal alcancem?”, questiona.

“Na segunda instância desta jurisdição, os quadros previstos pelo poder político (número de juízes desembargadores) são três a quatro vezes inferiores aos das Relações. Pretende-se exigir o mesmo nível de resposta com um exército reduzido a um pelotão”, exemplifica. “A matemática não mente; as prioridades orçamentais, infelizmente, também não”, reforça.

Ainda segundo a juíza desembargadora, “a jurisdição administrativa e fiscal recebe, todos os anos, cerca de dez vezes mais processos tributários do que o Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).” “Num prodígio de engenharia institucional, o CAAD tem mais árbitros disponíveis do que nós temos juízes tributários para dar resposta ao que o país realmente litiga”, acrescenta.

Falta de meios

Mesmo perante este cenário de carência de meios, Eliana de Almeida Pinto garante que “os tribunais centrais administrativos apresentam taxas de resolução processual que, no caso do Tribunal Central Administrativo Norte, chegam aos 100%.” Enquanto isso, destaca que “nas Relações, essas taxas não atingem esse patamar.” Para a conselheira, “a vergonha, se a quisermos localizar, não reside nos tribunais que trabalham com meios escassos — reside na persistente falta de meios que lhes são atribuídos.”

Acrescenta ainda que, há nove meses, numa reunião com o Ministério da Justiça, o CSTAF apresentou “propostas concretas para o reforço de magistrados, simplificação processual e modernização da jurisdição”. No entanto, afirma que “até hoje, não se obteve qualquer resposta.”

Eliana de Almeida Pinto lamenta também que “haja quem prefira apontar o dedo aos tribunais” e considera que “seria mais rigoroso — e intelectualmente honesto — apontá-lo às escolhas políticas que, há décadas, sacrificam a justiça administrativa e fiscal no altar da indiferença orçamental.”

Por fim, afirma que “o país não pode exigir excelência com instrumentos de sobrevivência. A Justiça não se faz a pão e água; faz-se com responsabilidade, investimento e compromisso institucional.”

amanda.lima@dn.pt

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