Surtos nas escolas: Pais e diretores não entendem as regras do isolamento de turmas 

Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) lamenta que quem esteja a "pagar a maior fatura da pandemia" seja a escola e acusa a DGS de falhas na comunicação com a sociedade.

É nas escolas que está a maioria dos surtos de covid-19 em Portugal. São 338 em 564. Os números divulgados pela DGS não são surpresa porque as escolas estão a gerir a covid desde o arranque do ano letivo" "Desde setembro que estamos a gerir a covid, com turmas e alunos que vão para casa. É um ensino muito redutor e é tão redutor que o Ministério da Educação (ME) instituiu o Plano de Recuperação porque ensinar à distância levanta problemas", explica ao DN, Filinto Lima. O responsável diz, também, não entender as decisões dos delegados de saúde, que vão "diferindo em casos semelhantes" ou pecam "por excesso". "Há umas semanas, por exemplo, num agrupamento de escolas de Matosinhos, enviaram para isolamento 16 turmas porque uma funcionária da cantina tinha testado positivo. Deve haver algum protocolo da DGS que desconhecemos porque não se compreende", sublinha. Filinto Lima pede "explicações plausíveis que o senso comum pudesse entender". "É algo que a DGS deveria fazer e está, claramente, a falhar a comunicação entre a DGS e a sociedade", afirma. O presidente da ANDAEP afirma também não compreender "porque os diretores das escolas não são ouvidos na tomada de decisão". "Deviam ser auscultados. E os delegados de saúde devem ter consciência que quando enviam para casa uma turma inteira vão interferir no bem-estar emocional, nas aprendizagens, na socialização e na própria dinâmica familiar. Mandar para casa alunos de 1.º ciclo é mandar para casa pais que têm de trabalhar", relembra.

Filinto Lima, alertando para o facto de serem os alunos até ao 6.º ano - os que "ainda não tomaram a vacina, nem usam máscara - os que têm sofrido mais com o isolamento, afirma serem estes "os que estão a pagar a maior fatura da pandemia neste momento". "Quem está a ir para casa são os alunos que não têm armas e defesas para combater o vírus. E são também os alunos que mais precisam de estar na escola porque têm menos autonomia. Os que mais necessitam de ensino presencial. Estão a ser prejudicados a três níveis: nas aprendizagens, no bem-estar emocional e na socialização", refere. O maior receio do presidente da ANDAEP é "não acabar o 1.º período". "Os números estão a aumentar e não é por culpa das escolas, mas sim da sociedade. O Governo deu uma semana de contenção, a que eu chamo a semana da ressaca. Nós já sabemos que os adultos vão cometer desvarios e pactuamos todos com isso. Não sei se uma semana dará para curar os males que se vão cometer no período de festas", conta. Filinto Lima acredita que "se nós tivéssemos juízo no Natal e no Ano Novo, podíamos salvar a escola e não modificar o calendário escolar". "Sabemos que isso não irá acontecer e as aprendizagens não vão ser realizadas porque é pausa, mas é uma pausa que não devia existir, embora seja um mal menor tendo em conta o risco para a saúde", conclui. Filinto Lima sente "os professores e os alunos cada vez mais exaustos" e pede medidas para "minimizar os danos". "Este desgaste motivado pelo vírus está a deixar mazelas em alunos e professores. Ora estão na escola, ora estão em casa. Os alunos de 3.º ano, por exemplo, não tiveram nenhum ano completo de ensino presencial e, este ano, voltam a sofrer com confinamentos", afirma. O número 1 da ANDAEP vê na "vacinação generalizada" uma solução para a problemática. "Espero que não se esqueçam dos profissionais de educação, professores e não docentes. É preciso vacinar quem está na frente da guerra. É preciso que haja uma palavra do Governo a indiciar que, em breve, os professores irão tomar a 3.ª dose", solicita. O responsável pretende também que seja implementada "uma testagem mais regular", relembrando que apenas se fez "uma testagem em massa em setembro".

"Estão a diabolizar as escolas como já se fez no passado"

Jorge Ascenção, presidente do Conselho Executivo da CONFAP (Confederação Nacional das Associações de Pais) faz duras críticas à forma como está a ser gerida a pandemia, no que se refere ao confinamento de turmas e alunos. "Está-se a encerrar porque houve um caso e chama-se a isso surto. Se forem fazer mais testes, se calhar não há mais casos. E cola-se esse perfil às escolas. Estão a diabolizar as escolas como se fez no passado", afirma. Para o responsável, as decisões das autoridades de saúde, fazem "desacreditar nos efeitos das vacinas". "O que está a acontecer são casos, mas a decisão está a ser a de encerrar a turma e a considerar um surto. É uma medida que nos faz desacreditar nas vacinas. Estamos a ir para um caminho de voltar a encerrar tudo, algo que já vivemos e sabemos onde vai parar", afirma. Jorge Ascenção acredita serem necessárias "decisões que permitam o funcionamento em segurança das escolas". "O que queremos é que as escolas funcionem, é para isso que elas existem, obviamente garantindo a segurança. Precisamos de estar em segurança sem deixar de viver. E a saúde social e mental está em causa, novamente", conclui.

"É preciso encontrar soluções novas"

João Trigo, diretor do Colégio Efanor, em Matosinhos, faz o mesmo apelo e pede para que sejam ponderadas as perdas e os ganhos quando se isolam turmas ou alunos. "Nesta atitude de prevenção, francamente, o que se perde tem mais impacto do que se ganha. Essa perda é geral, é para as crianças, para as famílias, para a economia - porque os pais ficam retidos em casa - e porque estamos a criar outro tipo de problemáticas no âmbito da relação social e equilíbrio psicológico", avança. Para o responsável, urge "encontrar novas soluções para este problema". "Este sistema de paragens não resolve. Nesta matéria, estamos condicionados pela forte autoridade das instâncias de saúde e somos obrigados a seguir e a respeitar em casos em que faz sentido e noutros em que nem tanto. Há decisões díspares entre concelhos e regiões. Há um crescendo de indignação por parte dos pais e até de alguns médicos nesta matéria", afirma. O responsável pelo Colégio Efanor acredita que "todos temos a responsabilidade e obrigação de não olharmos para isto com indiferença e de fazermos tudo o que é possível para que o problema não evolua, mas confrontados com o desafio de pesar perdas e ganhos".

"Ficarmos fechados em casa não é solução e temos de encontrar outros caminhos. Há oportunidades que se perdem e não voltam mais. Cada momento é precioso e marcante na aprendizagem e quanto mais jovens são os alunos, maior é o impacto", alerta. No que se refere ao adiamento do arranque do 2.º período, João Trigo diz entender a opção, não deixando de a ver "com preocupação". "Espero que não se estenda ainda mais o regresso. Seria um absurdo e o descrédito total", diz. Para João Trigo, "devíamos ter avançado mais na vacinação das crianças até aos 12 anos", vendo essa medida "com grande expectativa". "Está provada a sua eficácia no combate à pandemia", sublinha. O diretor do Colégio Efanor, instituição que foi palco de um surto recente e ao consequente encerramento do 1.º ciclo, dá como exemplo o que aconteceu no colégio que dirige. "Face ao volume de casos dos alunos de 1.º ciclo, na ordem dos 70 casos - 25 por cento da população desse nível de ensino - no que se refere aos professores e pessoal não docente, verificamos que o potencial de contágio dos mais novos para a população vacinada é relativamente reduzido. Eu diria que os contágios com origem interna, foram dois ou três, o que não é significativo. Quando estão com crianças assintomáticas, os adultos não têm qualquer tipo de afastamento e, na maioria dos casos, não há contágio. Das duas uma, ou a vacina tem elevado grau de eficácia ou não sei até que ponto a doença nas crianças tem o mesmo grau de transmissibilidade para adultos e população vacinada", explica. E, por isso, diz, "talvez as medidas devessem ser repensadas". "O equilíbrio e desenvolvimento psicológico não estão a ser suficientemente avaliados. Andamos aqui erraticamente à procura de um caminho", sustenta.

Agrupamento de Escolas de Ponte da Barca dá formação a pais

Antevendo "mais um ano letivo condicionado pela pandemia", o Agrupamento de Escolas de Ponte da Barca abriu portas no dia 1 de dezembro para uma formação a pais e encarregados de educação, de forma que pudessem estar "mais preparados para ajudar os filhos com as plataformas usadas no e@d". "Demos formação aos pais sobre o uso das tecnologias, principalmente do Google Classroom, que é a plataforma que usamos. Os pais estão mais ansiosos depois de dois anos letivos condicionados e querem poder ajudar mais os filhos", explica ao DN Carlos Louro, diretor do Agrupamento de Escolas de Ponte da Barca. O agrupamento está a viver um surto de covid-19, com cinco turmas em isolamento. "Chegamos a ter sete turmas, neste momento são cinco. Já estamos numa fase de estabilizar os números e diminuir o número de pessoas infetadas. As turmas vão regressando e a partir de meados desta semana teremos apenas três turmas, no máximo, em isolamento. São todas do pré-escolar e 1.º ciclo", refere. Apesar de as escolas do agrupamento estarem "preparadas", "ter ensino à distância e presencial em simultâneo é extremamente difícil". "Temos de colocar a saúde em 1º lugar, mas com crianças desta faixa etária é muito complicado. Num dos surtos, numa escola, num universo de 490 alunos, 157 chegaram a estar em casa. Estavam a ser prejudicadas várias turmas. Estes 157 não estavam todos infetados, mas foram para isolamento", recorda. Carlos Louro teme que "o arranque do 2.º período possa estar em causa". "Há um temor generalizado na sociedade portuguesa e estamos, obviamente, preocupados com o arranque do 2.º período, pelo que se passou no ano passado. Neste mo- mento, com a medida preventiva da semana de contenção, esperamos que seja suficiente", conclui.

Dificuldades acrescidas para recuperar aprendizagens

Segundo André Pestana, coordenador nacional do Sindicato de Todos Os Professores (S.T.O.P), os docentes "deparam-se com novas dificuldades: a recuperação e consolidação de aprendizagens". Apesar de "os relatos da falta de condições para o E@D" serem "muito inferiores aos outros anos letivos anteriores, as condições materiais ainda não são homogéneas, ou seja, ainda há, neste momento, alunos e professores sem os meios informáticos prometidos. Preocupa-nos a forma como poderá vir a decorrer o E@D, sobretudo nas idades mais jovens", sublinha. O coordenador do S.T.O.P destaca, também, noutras problemáticas. "Com as interrupções do ensino presencial anunciadas; a insegurança ao constatar que uma parte significativa dos surtos, neste momento, estão a ocorrer em escolas, num contexto de uma classe docente muito envelhecida e ainda sem reforço da vacinação e com o aparecimento de novas variantes do vírus, o ambiente é de grande preocupação", explica o dirigente.

Para André Pestana, "tendo em conta a importância social da escola, o acentuado envelhecimento da classe docente e dos últimos surtos estarem a ocorrer sobretudo em meio escolar, faz sentido que se façam mais testes (sempre que tal se justifique) e que se coloquem todos os profissionais da Educação (pessoal docente e não docente) na lista prioritária para o reforço da vacina". André Pestana diz também ser "fundamental priorizar a defesa da saúde mental da comunidade educativa e da qualidade das aprendizagens". "Os alunos e professores não são máquinas e, inclusive, é reconhecido que uma parte significativa da classe docente já está exausta ou próxima do burnout", adianta. O responsável pelo S.T.O.P apela à que "independentemente de alterações pontuais que se possam justificar no calendário escolar", o mesmo "não se prolongue ainda mais do que o término previsto das aulas" e "sem novas reduções das pausas letivas".

dnot@dn.pt

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG