Será que as crianças devem mesmo acreditar no Pai Natal?
Aquele velhinho barrigudo de fato vermelho e barbas brancas que costuma entregar presentes na noite de Natal já anda há semanas a alimentar o sonho de milhões de crianças. Mas, para muitas, a fantasia já acabou. Ou porque o colega da escola falou de mais, ou porque o irmão não conseguiu guardar segredo, ou porque o avô saía sempre da sala antes de entrar o Pai Natal. Por esta altura, reacende-se o debate: as crianças devem acreditar no Pai Natal? Até quando? Descobrir a verdade pode afetar a confiança das crianças nos pais?
"O meu filho ficava tão excitado com o Pai Natal que entrava na sala com um saco cheio de brinquedos que nunca reparou nos sinais mais evidentes de que era o pai disfarçado. Ele que sempre foi tão perspicaz não reparava nos sapatos, no relógio, nem sequer na voz do pai. "O pai está lá fora a tomar conta das renas." Acreditava piamente nisso", recorda Maria Pinto. Hoje, o filho já é um adolescente e "descobriu" naturalmente a verdade. "Durante a primária, ouvia os amiguinhos dizer que o Pai Natal era uma mentira dos pais e perguntava-me: "Ó mãe, o Pai Natal existe mesmo?" Dizia-lhe: "Se acreditas, existe." Ele respondia sempre, convicto: "Eu acredito!" E acreditou até aos 9, 10 anos. Alimentei essa mentira, porque acho que é uma mentira bonita", esclarece esta mãe.
"Não há problema nenhum em alimentar a fantasia. É bom para as crianças. A história do Pai Natal estimula a fantasia, o mundo imaginário. Faz parte da realidade infantil, do mundo das crianças", diz ao DN Ana Gomes, psicóloga e docente na Universidade Autónoma de Lisboa. No entanto, ressalva, "quando as crianças começam a ouvir os outros e a desconfiar, a ter sentido crítico, não se deve mentir".
A opinião é partilhada por Fernanda Viana, especialista em Psicologia da Educação e professora na Universidade do Minho: "Mesmo quando já sabem que não é o Pai Natal que dá os presentes, muitas crianças continuam a achar que a magia do Pai Natal está presente. Algumas até lhe continuam a escrever cartas. E isso não traz mal nenhum ao mundo. Falar do Pai Natal não é mentir às crianças. É entrar com elas pela via do imaginário coletivo."
Para o pediatra Mário Cordeiro, é importante "falar no Pai Natal e manter essa lenda", até porque é uma figura associada a valores como "a sabedoria, o altruísmo, a amizade, a idade, a velhice no que isso tem de bom, a família, os afetos". Nem todos partilham a mesma opinião. Recentemente, Kathy McKay, especialista em saúde mental, e o psicólogo Christopher Boyle publicaram um artigo na revista médica The Lancet Psychiatry em que diziam que "a moralidade de fazer que as crianças acreditem nesses mitos deve ser questionada". Segundo os autores, citados pelo El País, descobrir a verdade pode minar a relação de confiança entre pais e filhos.
Já a psiquiatra finlandesa Tuula Tamminen, presidente de honra da Associação Mundial para a Saúde Mental Infantil, defende que acreditar na personagem de vermelho apoia o desenvolvimento mental durante a infância e fala mesmo num "processo de amadurecimento" quando os mais pequenos descobrem a verdade.
Se quando os mais novos suspeitam de que o Pai Natal não existe, os pais contarem a verdade, estes não vão sentir-se enganados. É o que defende a psicóloga Ana Gomes. "A criança percebe que não é só ela que acredita, que há um envolvimento num contexto cultural." É natural que exista desilusão, reconhece a investigadora, mas passará depressa.
O momento em que a criança descobre que aquele velhinho das barbas brancas não passa de uma fantasia será a altura indicada para lhe contar a história do Natal e de como surgiu aquela figura mítica. "Isso costuma acontecer entre os 5 e os 6 anos, que é quando começa a haver uma certa racionalidade, a distinção entre a fantasia e a realidade", explica Cristina Valente, psicóloga e especialista em coaching parental. Mas pode acontecer antes. Para Cristina Valente, a forma como o assunto é entendido pela criança dependerá da maneira como a mensagem lhe é transmitida pelos pais. "Na idade em que se contam histórias, não há problema nenhum em contar a história do Pai Natal." Mas, frisa, "não podemos nunca bater o pé, garantir, jurar que o Pai Natal existe". Isso está relacionado com "a tranquilidade, a leveza e a isenção de culpa que temos de ter quando falamos das coisas".