Estudo do Observatório de Segurança e Defesa (OS&D) da SEDES, a que o DN teve acesso, alerta para um desalinhamento persistente entre a criminalidade participada e a perceção pública da insegurança. Entre 2000 e 2024, o número de crimes registados pelas autoridades diminuiu 1,3%, mas as menções a crimes nas primeiras páginas dos principais jornais aumentaram 130%. A análise, apresentada no relatório de 2025 desta Associação para o Desenvolvimento Económico e Social verificou dados deste intervalo temporal e conclui que esta discrepância contribui para a erosão da confiança nas instituições.A análise das capas dos jornais nacionais de 25 anos (Diário de Notícias, Correio da Manhã, Público, Expresso e Sol) revelou não só o aumento no número de menções a crimes como também uma maior persistência mediática dos casos. “Um crime ficava nas notícias 2,6 dias. Agora, são mais de quatro dias”, nota o general Vieira Borges, coordenador do Observatório. .SEDES. Serviço Nacional de Cidadania para “reforçar a coesão nacional”.Este prolongamento da cobertura, muitas vezes impulsionado por intervenções políticas, reforça o sentimento de insegurança: “Há partidos que usam os crimes como instrumento político, e os jornais têm de voltar a dar a notícia. Isso aumenta a perceção de insegurança”, sublinha.O relatório sublinha, no entanto, que não se trata de uma crítica à comunicação social: “ É inequívoco o valor da liberdade de imprensa, pilar de qualquer democracia liberal pluralista. O que resulta sim é a evidência de algum ruído comunicacional nas notícias na área da segurança e criminalidade”, sendo necessária “a prestação de informação em termos claros e objetivos. Desta forma, sem entrar em justicialismos ou securitarismos populares, evitam-se especulações e notícias parciais potenciadoras de perceções de insegurança”. O estudo distingue o papel da imprensa, sublinhando que esta opera com regras e responsabilidade deontológica, da ação das redes sociais. “As redes sociais são um vetor de insegurança por desinformação”, alerta o general. Para a SEDES, a circulação massiva de conteúdos não verificados, frequentemente motivados por interesses políticos, representa um desafio acrescido à perceção pública da segurança, sobretudo entre os mais jovens.O presente estudo evidencia um preocupante desalinhamento entre a realidade objetiva da criminalidade em Portugal e a perceção subjetiva da insegurança, por parte dos cidadãos, criando um paradoxo que mina a confiança nas instituições e compromete a formulação, desenvolvimento e eficácia, das políticas públicas. O trabalho identificou quatro fatores que contribuem para a perceção de insegurança: o contacto direto ou indireto com crimes, a forma como os crimes são noticiados, a resposta das forças de segurança e a resposta do sistema judicial. Incivilidades opostas às tradições, usos e costumesAlém disso, fenómenos de incivilidade - atos não criminalizados mas que violam normas sociais - também influenciam negativamente o sentimento de segurança. Ou seja, “atos opostos às tradições, usos e costumes, constantes da ordem social, isto é, regras comummente aceites pela vida em sociedade”.Sublinha a SEDES que “estas incivilidades não são quantificadas nos números tradicionalmente usados para caracterizar a segurança, mas é influenciadora da perceção individual da segurança”. Assim sendo, “é fundamental contabilizar também esta realidade para que a mesma possa ser tida em conta na formulação das políticas públicas. A existência de locais, ou grupos de pessoas, em relação às quais existe a perceção de que a lei não se aplica de forma igual, pela ocorrência de fenómenos de incivilidades, é perniciosa à coesão social e potenciadora de sentimentos de insegurança, bem como geradora de sentimentos de impunidade”.O ruído dos relatóriosA inconsistência na apresentação dos dados oficiais nos Relatórios Anuais de Segurança Interna (RASI) foi também identificada como um dos problemas centrais a contribuir para a perceção. Desde 1989, os relatórios variam em formato, periodicidade, conteúdo e profundidade. A apresentação irregular dos dados quantitativos, bem como as alterações nos critérios estatísticos ao longo dos anos, dificultam a comparação entre períodos e contribuem para o ruído informativo.O estudo alerta para a ausência de dados agregados e padronizados antes de 2015 e para a introdução tardia de informação relevante do Ministério Público, a partir de 2012. “Esta variabilidade da informação apresentada, à qual ainda se adiciona as diversas alterações legislativas ocorridas, limita a análise comparativa dos dados em séries estatísticas relevantes (mínimo 10 anos), contribuindo, também, para o ruído comunicacional, e, por conseguinte, com impacto na perceção da insegurança.Esta fragmentação compromete a clareza e a eficácia da informação disponível para os cidadãos”, é escrito.Para a SEDES, também a Justiça “tem de ser percetível e tempestiva em relação ao cidadão, para que cumpra as suas finalidades punitivas e preventivas, bem como as suas funções restaurativas, do ofendido ou vítima, e ressocializadora, do infrator ou condenado” porque “os designados tempos da justiça, e a aparente variabilidade das decisões, são também fatores que condicionam fortemente a perceção da insegurança e que têm de ser abordados com os restantes, de uma forma holística e integrada”.Para corrigir o desalinhamento entre perceção e realidade, a SEDES faz as seguintes propostas:1. Prever, em sede legislativa (Lei de Segurança Interna), a realização periódica de inquéritos de vitimização que permitam uma melhor quantificação dos fenómenos criminais e das incivilidades; 2. Criar estratégias de comunicação, ao nível das forças e serviços de segurança, e das magistraturas, que permitam uma informação clara e objetiva à sociedade; 3. Prever a normalização de uma estrutura padronizada de informação quantitativa, com elementos pré-definidos e apresentados num período de, pelo menos, 10 anos, na elaboração do RASI; 4. Melhorar a articulação entre a prática judicial e o trabalho desenvolvido pelas forças e serviços de segurança. propõe a institucionalização de inquéritos de vitimação, normalização da estrutura do RASI, estratégias de comunicação claras por parte das autoridades e maior articulação entre forças de segurança e sistema judicial. “É preciso estudar isto com rigor académico, não político”, conclui João Vieira Borges, defendendo uma abordagem que permita restaurar a confiança nas instituições e garantir que a segurança continue a ser um pilar do desenvolvimento nacional.