SEDES. Em 25 anos, criminalidade caiu 1,3%, capas com crimes subiram 130%
Carlos Pimentel

SEDES. Em 25 anos, criminalidade caiu 1,3%, capas com crimes subiram 130%

A discrepância entre os números da criminalidade participada e o sentimento de insegurança dos cidadãos está no centro do mais recente estudo da SEDES.
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Estudo do Observatório de Segurança e Defesa (OS&D) da SEDES, a que o DN teve acesso, alerta para um desalinhamento persistente entre a criminalidade participada e a perceção pública da insegurança. Entre 2000 e 2024, o número de crimes registados pelas autoridades diminuiu 1,3%, mas as menções a crimes nas primeiras páginas dos principais jornais aumentaram 130%.

A análise, apresentada no relatório de 2025 desta Associação para o Desenvolvimento Económico e Social verificou dados deste intervalo temporal e conclui que esta discrepância contribui para a erosão da confiança nas instituições.

A análise das capas dos jornais nacionais de 25 anos (Diário de Notícias, Correio da Manhã, Público, Expresso e Sol) revelou não só o aumento no número de menções a crimes como também uma maior persistência mediática dos casos. “Um crime ficava nas notícias 2,6 dias. Agora, são mais de quatro dias”, nota o general Vieira Borges, coordenador do Observatório.

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Este prolongamento da cobertura, muitas vezes impulsionado por intervenções políticas, reforça o sentimento de insegurança: “Há partidos que usam os crimes como instrumento político, e os jornais têm de voltar a dar a notícia. Isso aumenta a perceção de insegurança”, sublinha.

O relatório sublinha, no entanto, que não se trata de uma crítica à comunicação social: “ É inequívoco o valor da liberdade de imprensa, pilar de qualquer democracia liberal pluralista. O que resulta sim é a evidência de algum ruído comunicacional nas notícias na área da segurança e criminalidade”, sendo necessária “a prestação de informação em termos claros e objetivos. Desta forma, sem entrar em justicialismos ou securitarismos populares, evitam-se especulações e notícias parciais potenciadoras de perceções de insegurança”.

O estudo distingue o papel da imprensa, sublinhando que esta opera com regras e responsabilidade deontológica, da ação das redes sociais. “As redes sociais são um vetor de insegurança por desinformação”, alerta o general. Para a SEDES, a circulação massiva de conteúdos não verificados, frequentemente motivados por interesses políticos, representa um desafio acrescido à perceção pública da segurança, sobretudo entre os mais jovens.

O presente estudo evidencia um preocupante desalinhamento entre a realidade objetiva da criminalidade em Portugal e a perceção subjetiva da insegurança, por parte dos cidadãos, criando um paradoxo que mina a confiança nas instituições e compromete a formulação, desenvolvimento e eficácia, das políticas públicas.

O trabalho identificou quatro fatores que contribuem para a perceção de insegurança: o contacto direto ou indireto com crimes, a forma como os crimes são noticiados, a resposta das forças de segurança e a resposta do sistema judicial.

Incivilidades opostas às tradições, usos e costumes

Além disso, fenómenos de incivilidade - atos não criminalizados mas que violam normas sociais - também influenciam negativamente o sentimento de segurança. Ou seja, “atos opostos às tradições, usos e costumes, constantes da ordem social, isto é, regras comummente aceites pela vida em sociedade”.

Sublinha a SEDES que “estas incivilidades não são quantificadas nos números tradicionalmente usados para caracterizar a segurança, mas é influenciadora da perceção individual da segurança”.

Assim sendo, “é fundamental contabilizar também esta realidade para que a mesma possa ser tida em conta na formulação das políticas públicas. A existência de locais, ou grupos de pessoas, em relação às quais existe a perceção de que a lei não se aplica de forma igual, pela ocorrência de fenómenos de incivilidades, é perniciosa à coesão social e potenciadora de sentimentos de insegurança, bem como geradora de sentimentos de impunidade”.

O ruído dos relatórios

A inconsistência na apresentação dos dados oficiais nos Relatórios Anuais de Segurança Interna (RASI) foi também identificada como um dos problemas centrais a contribuir para a perceção. Desde 1989, os relatórios variam em formato, periodicidade, conteúdo e profundidade. A apresentação irregular dos dados quantitativos, bem como as alterações nos critérios estatísticos ao longo dos anos, dificultam a comparação entre períodos e contribuem para o ruído informativo.

O estudo alerta para a ausência de dados agregados e padronizados antes de 2015 e para a introdução tardia de informação relevante do Ministério Público, a partir de 2012. “Esta variabilidade da informação apresentada, à qual ainda se adiciona as diversas alterações legislativas ocorridas, limita a análise comparativa dos dados em séries estatísticas relevantes (mínimo 10 anos), contribuindo, também, para o ruído comunicacional, e, por conseguinte, com impacto na perceção da insegurança.Esta fragmentação compromete a clareza e a eficácia da informação disponível para os cidadãos”, é escrito.

Para a SEDES, também a Justiça “tem de ser percetível e tempestiva em relação ao cidadão, para que cumpra as suas finalidades punitivas e preventivas, bem como as suas funções restaurativas, do ofendido ou vítima, e ressocializadora, do infrator ou condenado” porque “os designados tempos da justiça, e a aparente variabilidade das decisões, são também fatores que condicionam fortemente a perceção da insegurança e que têm de ser abordados com os restantes, de uma forma holística e integrada”.

Para corrigir o desalinhamento entre perceção e realidade, a SEDES faz as seguintes propostas:

1. Prever, em sede legislativa (Lei de Segurança Interna), a realização periódica de inquéritos de vitimização que permitam uma melhor quantificação dos fenómenos criminais e das incivilidades;

2. Criar estratégias de comunicação, ao nível das forças e serviços de segurança, e das magistraturas, que permitam uma informação clara e objetiva à sociedade;

3. Prever a normalização de uma estrutura padronizada de informação quantitativa, com elementos pré-definidos e apresentados num período de, pelo menos, 10 anos, na elaboração do RASI;

4. Melhorar a articulação entre a prática judicial e o trabalho desenvolvido pelas forças e serviços de segurança. propõe a institucionalização de inquéritos de vitimação, normalização da estrutura do RASI, estratégias de comunicação claras por parte das autoridades e maior articulação entre forças de segurança e sistema judicial.

“É preciso estudar isto com rigor académico, não político”, conclui João Vieira Borges, defendendo uma abordagem que permita restaurar a confiança nas instituições e garantir que a segurança continue a ser um pilar do desenvolvimento nacional.

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