O Hospital de Santa Maria suspendeu de funções o dermatologista Miguel Alpalhão, com perda total de vencimento, avançou a CNN Portugal e confirmou o DN. A decisão surge no seguimento da investigação interna ao esquema de cirurgias realizadas em produção adicional, que garantiram ao médico quase 700 mil euros em três anos, incluindo cerca de 400 mil euros em apenas dez sábados de 2024. O clínico já não se encontra a exercer no hospital. E poucas horas depois de ser conhecida a sua suspensão, Miguel Alpalhão acabou por apresentar a sua demissão alegando que não lhe restava outra atitude perante o tratamento “humilhante, degradante e persecutório” que foi alvo por parte da administração.Na carta enviada à administração do hospital, a que a agência,Lusa teve acesso. “Lamentavelmente, não me resta outra atitude que não a demissão das minhas funções, perante a forma de tratamento com intuito humilhante, degradante, discriminatório e persecutório de que fui alvo ao longo do último ano por parte da administração do hospital”, pode ler-se numa carta em que o médio diz cessar o seu contrato com a "plácida consciência" que de cumpriu as suas funções e obrigações de “acordo com as ordens superiores e procedimentos vigentes” no hospital.“Assinalo, pois, que a suspensão de que sou alvo apenas visa mascarar um problema sistémico de falhas graves imputáveis à administração, como resulta, aliás, das recentes notícias que têm vindo a público, que merece ser conhecido e escrutinado”, sublinha Miguel Alpalhão, acrescentando querem fazer dele “bode expiatório para lavar a imagem de uma instituição que não sabe assumir as suas responsabilidades e proteger” os seus colaboradores.“Exijam-se responsabilidades a quem fez as regras e ordenou os procedimentos e não a quem os cumpriu, como contratualmente obrigado”, escreve, alertando que foi feita “tábua rasa” dos argumentos da sua defesa. Assim sendo, diz que “só a via judicial permitirá que se faça justiça”.A terminar, o médico lembra que o serviço de dermatologia “tem muitos profissionais competentes e dedicados” e deseja à diretora do serviço o “maior sucesso” para o reerguer.Processo disciplinar em cursoAinda assim, decorre um processo disciplinar que pode resultar no despedimento do médico e no pedido de devolução das verbas consideradas indevidas. O caso foi inicialmente revelado pela TVI, em maio, e levou à abertura de várias investigações, incluindo da Inspeção Geral das Atividades em Saúde.Recorde-se que IGAS concluiu o seu inquérito disciplinar neste mês de novembro e decidiu encaminhar o relatório para o Ministério Público por considerar que existem indícios de responsabilidade financeira que justificam investigação criminal. .Dermatologia. IGAS arquiva processo disciplinar a médico de Santa Maria mas envia pagamentos para Ministério Público . No relatório, a IGAS aponta várias irregularidades. Identificou, por exemplo, codificações indevidas que fizeram cirurgias simples subir artificialmente de categoria, o que elevou o valor a pagar. Em quase 20 por cento da amostra analisada foi aplicado de forma incorreta o incentivo associado à malignidade. Há ainda referências a falhas graves de controlo interno, ausência de documentação clínica obrigatória, falta de registos biométricos de entrada e saída de profissionais e adulteração de listas de espera. As cirurgias não eram inseridas no sistema no dia da consulta, o que escondia a real antiguidade dos doentes.O relatório descreve também a acumulação de funções por parte de Miguel Alpalhão. O médico elaborava propostas cirúrgicas, validava as mesmas, realizava os atos, fazia o relato e codificava a cirurgia. Em 356 episódios, foi responsável por todas estas fases. A IGAS sublinha ainda que o clínico marcou consultas e cirurgias para os pais sem referenciação prévia, facto que originou um processo disciplinar próprio no hospital..Dermatologia. Ministério Público já anexou relatório da IGAS sobre médico de Santa Maria ao processo criminal . A responsabilidade não se esgotou no médico visado. O relatório destaca falhas também na direção do Serviço de Dermatologia, então liderado por Paulo Filipe, que se demitiu quando o caso se tornou público. Segundo a inspeção, existia delegação informal na organização das escalas de cirurgia adicional, que eram sempre feitas para fins de semana e feriados. O primeiro alerta interno surgiu em 2022, mas não houve qualquer sinal de alarme sobre os valores pagos ao dermatologista.A Ordem dos Médicos também recebeu o relatório e decidiu remetê-lo para o Conselho Disciplinar do Sul, que irá analisar eventuais infrações deontológicas..Ordem dos Médicos remete caso do dermatologista do Santa Maria para o Conselho de Disciplina. Contactado pelo DN, o hospital não faz mais comentários sobre a situação do dermatologista Miguel Alpalhão.