Em setembro, uma cidadã brasileira com contrato de trabalho há mais de um ano e que esperava o título de residência pela via judicial, foi deportada na volta de viagem ao Brasil, onde foi tratar de uma questão previdenciária. Um dos azares da imigrante foi regressar ao país num sábado. Ao ficar retida no Aeroporto de Lisboa pela Polícia de Segurança Pública (PSP) por não ter o título de residência, contratou uma advogada, Priscila Nazareth Ferreira, que fez vários trâmites previstos na lei para evitar a deportação, como a reconsideração da decisão por via administrativa, uma ação de intimação pedindo a suspensão imediata da ordem de regresso e que a imigrante fosse apresentada a um juiz no prazo máximo de 48 horas. O problema é que o processo só foi distribuído para um magistrado na terça-feira, data em que a trabalhadora já tinha sido colocada pela PSP num avião rumo ao Brasil. A situação poderia ter sido evitada caso o Aeroporto de Lisboa, o maior do país, tivesse uma sala onde os juízes pudessem atender os imigrantes. O Conselho Superior da Magistratura (CMS) quer que esta iniciativa seja implementada há mais de um ano. O objetivo é que o local seja uma extensão do tribunal em Lisboa, competente para fazer audições com todos os estrangeiros que chegam à fronteira. Mas, para concretizar, falta que a ANA Aeroportos autorize este espaço físico.“Mantém-se a intenção de instalar uma sala no aeroporto de Lisboa para a realização de audições de cidadãos estrangeiros detidos na fronteira, com afetação específica de um juiz para o efeito”, diz fonte oficial do CMS ao DN. “No entanto, a concretização deste projeto continua dependente da realização das obras necessárias, cuja execução não é da responsabilidade do CSM. Até ao momento, não nos foi comunicada qualquer previsão quanto à respetiva conclusão”, complementa.Na indisponibilidade desta sala, na última reunião, foi solicitada a possibilidade de ao menos realizar videconferências, mas, para isso, também é preciso uma sala. “Na última reunião do grupo de trabalho que acompanha esta matéria, voltou a ser discutida a possibilidade de garantir, pelo menos, a realização de inquirições por videoconferência. No entanto, também essa solução exige condições técnicas e logísticas no local que, de momento, ainda não se encontram reunidas”, destaca o CMS. E reforça que continua disponível para esta concretização. “Logo que a sala esteja em condições de funcionamento, o CSM procederá à colocação do juiz, para assegurar o exercício das funções previstas nesse contexto”, assegura. O DN tentou obter respostas da ANA Aeroportos, mas não obteve nenhum retorno. A previsão era que este mecanismo estivesse a funcionar ainda no semestre passado, uma vez que está a ser discutida desde antes de abril e depende apenas de alguns reparos numa sala do aeroporto. Em abril, o DN entrevistou o juiz o Tiago Pereira, vogal do CMS, que destacou a importância desta sala. “É uma questão de Direitos Humanos, uma garantia prevista na Constituição da República Portuguesa”, disse. A ideia surgiu a partir de um conjunto de vários fatores e na sequência de o CMS ter sido procurado pelo Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) de Portugal para debater a questão. Na altura, o juiz ressaltou que é uma forma de garantir “o direito constitucional do cidadão de ter de ser atendido”. A PSP não permite que os cidadãos saiam do aeroporto, sendo esta também uma solução “logística”. Ainda são elencadas como vantagens o processo mais rápido, evita a sobrecarga nos tribunais e logo dá uma resposta ao cidadão que quer entrar no país.Mas não é só no final de semana que os processos não chegam em tempo útil aos juízes. Outro caso recente ganhou repercussão, de uma família que chegou ao país numa terça-feira, o marido com visto de trabalho e a esposa e os filhos, sendo um deles com apenas um ano e meio, com carta convite, para entrada como turista. O imigrante foi autorizado a entrar no país e o restante da família foi deportada. Mesmo com recurso judicial para tentar barrar a decisão da PSP, não houve tempo: foram colocados num avião de volta ao Brasil no sábado e ainda não tinham sido ouvidos por um juiz. O advogado do caso, Alessandro M. Leite, enviou à PSP uma notificação para que a decisão fosse suspensa até a família ser ouvida por um juiz, mas sem efeito.Vários advogados que atuam nesta matéria garantem que ter um juiz no aeroporto evitaria este tipo de situação, que surge num contexto de mudança recente na lei da imigração. “Soma-se a isso tudo o facto de que com a mudança de lei, e a incerteza gerada por tal mudança, se torna mais do que necessária a presença de um juiz de plantão no aeroporto. Se já existe a presença lá de um advogado do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (SADT) de plantão, por que não ter um juiz de plantão também?”, questiona o advogado Gustavo Carneiro, que, com frequência, atende casos de imigrantes barrados no aeroporto. Segundo o profissional,” um juiz garante que ninguém seja expulso sem ter sido ouvido e sem que os seus direitos processuais sejam respeitados. A figura do juiz de plantão também tem um papel simbólico: mostra que a justiça portuguesa não é apenas punitiva, mas garantista”, analisa.De acordo com o advogado, um dos aspetos que o magistrado pode levar em conta é justamente os vínculos familiares. A decisão da PSP deixou a família separada, mesmo que o imigrante tenha visto e contrato de trabalho. O DN teve acesso à notificação feita pelo advogado do caso e enviada à PSP no aeroporto, onde consta que “a referida ação visa a suspensão da execução da decisão de recusa de entrada e a autorização de ingresso em território nacional, fundamentando-se na violação dos direitos fundamentais à unidade familiar, à proteção da infância e à vida familiar”, que estão não só na Constituição da República Portuguesa, mas também na Convenção Europeia dos Direitos Humanos.A iniciativa que o Conselho Superior da Magistratura não é nova na Europa. Em França, no aeroporto Charles de Gaulle, de Paris, esta sala existe desde 2013, ao lado do centro de detenção que fica no aeroporto. O país tinha sido alertado naquele ano pelo Conselho Europeu, através da comissária para os Direitos Humanos, sobre as deslocações para audiências. “Compreendo o desejo das autoridades francesas, ao transferirem estas audiências, de evitar deslocamentos dispendiosos que, por vezes, são realizados em condições que não respeitam a dignidade das pessoas envolvidas. No entanto, a realização de audiências fora das instalações oficiais levanta várias questões relativas aos direitos humanos das pessoas que serão apresentadas ao juiz que decide sobre a legalidade da privação de liberdade nestes processos”, lia-se no documento. No aeroporto de Schiphol, na capital dos Países Baixos, os juízes deslocam-se ao local para as audiências.amanda.lima@dn.pt.PSP afirma que imigrantes à espera de decisão judical para CPLP podem receber notificação de abandono voluntário.Governo impõe à PSP redução de tempo médio de espera dos passageiros nos aeroportos