A procuradora da República Patrícia Barão, secretária-geral do Sistema de Segurança Interna
A procuradora da República Patrícia Barão, secretária-geral do Sistema de Segurança InternaD.R.

RASI. “Apagão” da extrema-direita aprovado por polícias, secretas e governo

Secretária-geral do SSI assume que a decisão de excluir a análise da PJ à extrema-direita do RASI foi “na sequência” de uma reunião do GCS na qual Margarida Blasco e Rita Júdice estiveram presentes.
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A decisão de retirar da versão final do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) um capítulo de cinco páginas sobre “Ameaças Híbridas e Extremismos”, da autoria da Polícia Judiciária (PJ) terá sido debatida e aprovada por todos os membros do Gabinete Coordenador de Segurança numa reunião dia 21 de março, onde foi apresentada a “versão de trabalho”, na presença das ministras da Administração Interna e da Justiça.

Em causa está, essencialmente, a informação relativa à atividade de grupos de extrema-direita, segundo a qual há em Portugal “um chapter (ramo) de uma organização extremista internacional classificada como organização terrorista em listas nacionais de alguns países, e contra a qual foram já impostas sanções financeiras por incitamento e financiamento do terrorismo”.

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Os extremismos que nos querem esconder

Segundo o Expresso (e confirmado pelo DN) trata-se do grupo Blood & Honour (B&H), nome inspirado no lema da juventude hitleriana, responsável por ataques violentos e mortes nos Estados Unidos e na Europa.

Este grupo de neonazis está, pelo menos desde 2018, sinalizado pelas autoridades portuguesas, tendo a sua presença e atividade sido referida até no relatório anual da Europol desse ano.

O B&H está classificado como grupo terroristas em países como a Espanha, que o baniu, o Canadá e a Alemanha. No Reino Unido, as suas contas bancárias foram congeladas em janeiro deste ano.

No texto cortado chama-se atenção para o facto de “a falta de adoção de uma posição comum, sobretudo a nível da UE, relativamente a este tipo de grupos extremistas, pode gerar a criação de safe havens para o desenvolvimento das suas atividades, e que são aproveitados sobretudo pelas organizações extremistas internacionais com representações (chapters) em vários países, verificando-se recorrentemente a deslocalização de alguns dos seus membros”.

Segundo a investigação da PJ “as plataformas online têm sido o palco privilegiado de atuação dos movimentos descentralizados de extrema-direita de matriz aceleracionista e/ou satânica, onde, através de uma cultura de comunicação através de memes, recrutam e radicalizam indivíduos cada vez mais jovens, muitos deles com idades inferiores a 16 anos”.

A procuradora da República Patrícia Barão, secretária-geral do Sistema de Segurança Interna
MAI desconhece “em absoluto” versão do RASI sobre “movimentos extremistas”

Concluindo que “a evolução deste fenómeno nos últimos anos impõe que ameaça representada por eventuais atores solitários de extrema-direita, sobretudo menores de idade, não possa ser desprezada”.

Ministras com acesso ao documento de trabalho

Em resposta a um conjunto de perguntas do DN, com o objetivo de clarificar o percurso deste documento que regista a criminalidade participada e analisa as ameaças à segurança interna, o gabinete da secretária-geral do Sistema de Segurança Interna (SG-SSI), a procuradora da República Patrícia Barão deixa claro que a exclusão do capitulo se tratou “de uma decisão tomada na sequência da reunião de Gabinete Coordenador de Segurança (GCS)” e que “as alterações efetuadas ao documento de trabalho são produto da discussão de todos os intervenientes”.

O GCS é composto pela SG-SSI, secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SG-SIRP), GNR, PSP, PJ, SIED, SIS, Autoridade Marítima Nacional, Polícia Marítima, Autoridade Nacional da Aviação Civil, Autoridade Aeronáutica Nacional, Serviços Prisionais, Proteção Civil e, confirma fonte oficial do gabinete de Patrícia Barão, no referido dia 21 teve “como convidadas as Ministras da Justiça e da Administração Interna”.

Reunião do Gabinete Coordenador de Segurança a 21 de Novembro, com a presença das ministras da Administração Interna e da Justiça, onde foi apresentado o "documento de trabalho" que incluía a análise da PJ à extrema-direita
Reunião do Gabinete Coordenador de Segurança a 21 de Novembro, com a presença das ministras da Administração Interna e da Justiça, onde foi apresentado o "documento de trabalho" que incluía a análise da PJ à extrema-direitaD.R.

O “documento de trabalho” foi enviado a todos, incluindo ministérios, no dia 17 de março, quatro dias antes da reunião. Instada a confirmar esta data a porta-voz da SG-SSI assume que “aquando do agendamento do GCS é enviado, atempadamente, o documento de trabalho para apreciação e discussão em sede do mesmo”.

As alegadas críticas das “secretas”

O Expresso tinha avançado que na reunião em que o RASI preliminar foi discutido teria “havido divisões entre as forças e serviços de segurança sobre se deveria ser publicada a informação contida neste capítulo. E optou-se por retirá-la na totalidade”.

De acordo com a informação que o DN recolheu, junto a várias fontes que acompanharam o GCS, que confirmaram as “divisões”, terá sido o secretário-geral do SIRP, embaixador Vítor Sereno, a manifestar reservas em relação à oportunidade da publicação dessa análise, chamando aos seus serviços a responsabilidade por esse tipo de avaliação de risco e sugerindo a retirada o texto.

Na resposta sobre esta posição de Sereno, o SIRP atesta também que a alteração foi aprovada por todos: "O SIRP através dos Serviços que tutela, contribui para o RASI, no âmbito das suas competências próprias e específicas. O referido relatório, na sua versão preliminar, foi submetido a apreciação e aprovado pelas diversas entidades que compõem o Gabinete Coordenador de Segurança"

Patrícia Barão, não negando a intervenção no GCS de Vítor Sereno, responde que “as alterações efetuadas ao documento de trabalho são produto da discussão de todos os intervenientes, em reunião do GCS de caráter reservado”.

Sublinha ainda que “essa discussão tem por finalidade garantir a coerência, consistência, integração e harmonização dos contributos prestados pelas diversas entidades”.

Alguns dos dirigentes das polícias e dos serviços de informações na reunião de apresentação do RASI no GCS
Alguns dos dirigentes das polícias e dos serviços de informações na reunião de apresentação do RASI no GCSD.R.

O RASI que viria a ser aprovado no Conselho Superior de Segurança Interna (CSSI), presidido pelo primeiro-ministro, no dia 28 de março, e depois publicamente divulgado, já não incluía o texto da PJ. Questionada a Judiciária sobre se tinha sido informada dessa decisão antes do CSSI, não respondeu. “A PJ não comenta matéria sob reserva”, justificou fonte oficial.

Aparentemente desconhecendo que o SSI está na tutela do primeiro-ministro e não do ministério da Administração Interna, o BE questionou Margarida Blasco sobre o “apagão”.

A mesma fonte oficial do gabinete de Barão explica que “as perguntas do Bloco de Esquerda (BE) foram dirigidas ao Governo, através da Ministra da Administração Interna, razão pela qual, em articulação com o SSI, foi a senhora Ministra da Administração Interna a responder às questões que lhe foram diretamente endereçadas”.

O BE, entretanto, pediu também explicações do primeiro-ministro.

Blasco, que esteve como “convidada” na reunião do GCS de dia 21 e cujo gabinete terá recebido também antecipadamente a versão provisória, garantiu ao BE desconhecer “em absoluto a existência de qualquer outra versão (…) que não seja a versão oficial” que foi remetida aos deputados. Pedida uma explicação, o seu gabinete não respondeu até ao fecho desta edição.’

Texto atualizado às 14h10 com a resposta do SIRP.

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