Os extremismos que nos querem esconder
Está a causar algum clamor o facto de no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) ter sido censurado - porque é de censura que se trata - um capítulo dedicado à extrema-direita, uma análise atribuída à Polícia Judiciária (PJ), que aprofundava com alguma pertinência o impacto em Portugal da atividade de alguns destes grupos extremistas.
O Sistema de Segurança Interna (SSI) justificou que essa tinha sido “uma versão de trabalho”, sujeita a “discussão e reformulações” que levaram ao seu apagão da versão oficial publicamente divulgada.
Diga-se que a censura não foi apenas em relação à extrema-direita, mas igualmente à extrema-esquerda, cujo diagnóstico mereceu mais de uma página inteira do tal documento de trabalho e no texto final não mais de três parágrafos.
“À semelhança do que já se tinha verificado em 2023, os movimentos e coletivos de ação climática participaram solidariamente em ações conjuntas com os grupos de apoio à libertação da Palestina. Relativamente a este aspeto em particular, importa salientar que, no decurso do ano de 2024, se verificou um aumento das ações de caráter antissemita visando entidades oficiais e privadas, que, direta ou indiretamente, estão relacionadas com Israel e a comunidade judaica em Portugal, destacando-se os ataques a um ministério e a uma embaixada, amplamente difundidos através de redes sociais de grupos nacionais de apoio à libertação da Palestina”- assim estava escrito nessa mais de uma página.
O que pensam as nossas autoridades sobre os extremismos, uma das maiores ameaças da atualidade às democracias, não foi considerado relevante para o debate público.
E esta foi uma decisão política, uma vez que quem tem a responsabilidade máxima pelo texto final do RASI é a secretária-geral do SSI, uma procuradora da República, que está na dependência do gabinete do primeiro-ministro.
Mas ainda mais grave é saber que há em Portugal “um chapter (ramo) de uma organização extremista internacional classificada como organização terrorista em listas nacionais de alguns países, e contra a qual foram já impostas sanções financeiras por incitamento e financiamento do terrorismo”.
Sabendo que, segundo o Expresso, se trata do grupo Blood & Honour (B&H), nome inspirado no lema da juventude hitleriana, responsáveis por ataques violentos e mortes nos Estados Unidos e na Europa, o assombro faz soar campainhas.
Porque este grupo de neonazis está, pelo menos desde 2018, sinalizado pelas autoridades em Portugal, tendo a sua presença e atividade em território nacional sido referida no relatório anual da Europol.
O B&H pode não fazer parte da lista de grupos terroristas da União Europeia, mas está classificado como tal em países próximos, como a Espanha, que o baniu, tal como o Canadá e a Alemanha. No Reino Unido, as suas contas bancárias foram congeladas em janeiro deste ano.
E por cá, o que se fez nos últimos sete anos? Que riscos corremos?
No texto cortado chama-se atenção para o facto de “a falta de adoção de uma posição comum, sobretudo a nível da UE, relativamente a este tipo de grupos extremistas, pode gerar a criação de safe havens para o desenvolvimento das suas atividades, e que são aproveitados sobretudo pelas organizações extremistas internacionais com representações (chapters) em vários países, verificando-se recorrentemente a deslocalização de alguns dos seus membros”.
Além da referência aos movimentos que defendem a “remigração” para conter fluxos migratórios, sobre os quais o DN já escreveu, é-nos revelado que “as plataformas online têm sido o palco privilegiado de atuação dos movimentos descentralizados de extrema-direita de matriz aceleracionista e/ou satânica, onde, através de uma cultura de comunicação através de memes, recrutam e radicalizam indivíduos cada vez mais jovens, muitos deles com idades inferiores a 16 anos”.
De acordo com a PJ, “a evolução deste fenómeno nos últimos anos impõe que ameaça representada por eventuais atores solitários de extrema-direita, sobretudo menores de idade, não possa ser desprezada”.
Felizmente que, por via não oficial e graças à consciência democrática e de cidadania de elementos do Estado que têm acesso a estes documentos e os partilharam com os jornalistas, sabemos que esta gente está sob vigilância.
Falta o resto. Falta que o clamor sobre o desaparecimento do RASI se transforme num sobressalto contra atividades deste tipo de grupos no nosso país e que levem à tomada de medidas concretas. É mais uma guerra em defesa da Democracia.
Diretora adjunta do Diário de Notícias