“No que se refere à identificação é condição suficiente para um polícia o facto de estar devidamente uniformizado, ainda que lhe possa ser exigida a identificação através do seu cartão profissional. O equipamento de proteção individual (colete de proteção), usado para o cumprimento de determinadas ações e operações policiais, não permite, de momento, a aposição de placa identificativa, devendo, quando solicitada (…) ser exibida a carteira profissional quando as circunstâncias de serviço o permitam.”Foi assim que a Polícia de Segurança Pública (PSP) respondeu ao pedido de esclarecimento do DN sobre qual o motivo de não ter até agora dado cumprimento à recomendação, datada de 18 de janeiro de 2024, da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), titulada “Obrigatoriedade de identificação visível frontal dos agentes das unidades especiais das forças de segurança”, no sentido de que também a farda dos elementos das unidades especiais, de que é exemplo o Corpo de Intervenção da PSP, cumpra a obrigatoriedade, há muito legalmente imposta, de identificação, através de uma placa individualizada, de todos os polícias.“Em Portugal, a obrigatoriedade de exibição de placa de identificação existe para a PSP e para a Guarda Nacional Republicana, inexistindo razão válida que subtraia as unidades especiais de polícia a essa obrigatoriedade”, lê-se na recomendação, assinada pela juíza desembargadora Anabela Cabral Ferreira. Assumindo compreender “a necessidade de, em determinadas circunstâncias, ser ocultada a face dos agentes em ação”, a IGAI não vê “qualquer razão para, envergando uniforme/farda, não existir modo de identificar em concreto cada um dos agentes que são suscetíveis de interagir com os cidadãos, seja através do nome, seja através de um código numérico único, qualquer um deles aposto na parte frontal do uniforme/farda para que seja visível para o cidadão (…).”Mas, apesar de se caminhar para dois anos sobre a data da recomendação, e de esta ter surgido na sequência de um caso em que membros do CI desta força policial espancaram gravemente um cidadão, causando-lhe perda de um olho e deformação da face, não tendo sido punidos por impossibilidade de identificação (voltaremos ao assunto), a PSP ainda não conseguiu acatá-la. Na mesma resposta ao jornal, assegura que “continua a desenvolver o trabalho necessário para a [sua] implementação”.IGAI nada sabe sobre efeito da sua recomendaçãoA GNR, a crer na resposta enviada ao DN, não terá encontrado a mesma dificuldade que a PSP na aposição da “placa identificativa” nos fardamentos das unidades especiais, já que informa estar a recomendação da IGAI em prática “no nível de emprego operacional mais elevado, nomeadamente no Grupo de Intervenção e Operações Especiais (GIOE) da Unidade de Intervenção (UI)”. Adianta estar “igualmente prevista a extensão desta medida a outras unidades, em função das especificidades operacionais de cada uma”, encontrando-se “em fase de implementação progressiva nos diversos níveis de emprego operacional definidos no dispositivo da Guarda que se encontram abrangidos pela mesma.”O DN solicitou a esta força policial que esclareça qual a data da aplicação da medida no GIOE, em que consiste exatamente a identificação referida, e quais as outras unidades especiais da GNR nas quais ainda não foi aplicada, mas até ao fecho desta edição não chegou tal  clarificação. .Homem que PSP cegou há 11 anos aguarda OK do Governo para receber 185 mil euros.IGAI quer forças especiais da PSP com identificação sempre à vista. A resposta da GNR ao DN, no que respeita à existência de identificação individual frontal no fardamento do respetivo Grupo de Operações Especiais, deverá constituir novidade para a IGAI, pois esta assumiu ao DN que “na sequência da emissão da Recomendação IG 1/2024, no sentido de, também os agentes das unidades especiais de polícia, exibirem um elemento de identificação visível e frontal quando em exercício de funções, não recebeu notícia da sua implementação”. Este órgão fiscalizador das polícias, dirigido, desde outubro de 2024, pelo juiz Pedro Figueiredo, fora solicitado pelo jornal a esclarecer se a PSP e a GNR comunicaram à IGAI que iriam acatar a recomendação e se, em caso afirmativo, indicaram algum prazo ou alegaram alguma dificuldade no respetivo cumprimento. Foi igualmente perguntado se esta entidade fiscalizadora das polícias estabeleceu, desde janeiro de 2024, algum tipo de comunicação com a PSP e a GNR sobre a recomendação em causa, nomeadamente questionando-as sobre o respetivo cumprimento. Por fim, o jornal quis saber qual o prazo que a IGAI considera aceitável para o integral cumprimento da recomendação, e se prevê necessidade de a reforçar.Em resposta, a direção da IGAI escreveu: “Ressalva-se que a recomendação não assume carácter vinculativo e prevê-se para breve a solicitação de novas informações sobre a temática em causa.”Conselho da Europa crê que medida pode ter efeito preventivo e reduzir abusos policiais As questões enviadas pelo DN à IGAI e às polícias surgem na sequência da publicação, a 21 de outubro último, do relatório do Comité para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa (CPT), no qual se recomenda que “as autoridades portuguesas tomem medidas adicionais para garantir que os membros de todos os serviços policiais em Portugal usam meios claramente visíveis de identificação individual, em todos os momentos em que estiverem em serviço”. Este órgão internacional de defesa dos direitos humanos lembra que tem “consistentemente advogado a existência de salvaguardas que permitam que os membros das polícias possam ser identificados e responsabilizados pelas suas ações (por exemplo através de meios de identificação individual no uniforme, como nome ou número).” A preocupação agudiza-se, lê-se no relatório, nos casos em que os polícias usam máscaras/balaclavas ou outros equipamentos que dificultam ou impossibilitam a identificação (como é o caso das citadas “unidades especiais”). Esta imposição, considera o Comité, “poderá ter um efeito preventivo e reduzir significativamente o uso de força excessiva e outras formas de abuso policial”. Se a imposição de identificação individual pode ter o efeito que o CPT indica, a sua ausência poderá resultar no contrário — a validação de uma ideia de impunidade. Ainda mais quando há evidência concreta dessa mesma impunidade, como sucedeu no caso que induziu a IGAI a efetuar a recomendação citada. Caso que, como o DN noticiou esta quinta-feira, levou o Ministério Público a propor, em maio deste ano, à margem de uma ação que corre no Tribunal Administrativo e Fiscal de Guimarães, que o Estado assuma o pagamento de 185 mil euros, em acordo extra-judicial, por agressões perpetradas em outubro de 2014 por elementos do CI — polícias que, devido à falta de qualquer elemento de identificação nas fardas, não foram punidos nem criminal nem disciplinarmente, mantendo-se ao serviço como se nada tivesse acontecido. O cidadão agredido, um adepto do Boavista que fora a Guimarães para assistir a um jogo de futebol, ficou com danos irreversíveis em consequência de um espancamento que a IGAI definiu, no despacho em que arquiva o inquérito disciplinar aos agentes envolvidos (por não terem sido identificados), como “um uso excessivo, desadequado e até desnecessário da força”. “Situação não é compatível com princípio democrático da responsabilidade”No mesmo despacho, datado de junho de 2022, a então inspetora-geral da Administração Interna, a juíza desembargadora Anabela Cabral Ferreira, afirmava: “A total impossibilidade de identificar a forma de atuação de cada um dos polícias resulta de, na época, não exibirem qualquer elemento identificativo nas suas fardas. Esta situação não é compatível com o princípio democrático da responsabilidade uma vez que impossibilita um cidadão lesado por força de atuação policial de identificar o autor da lesão.” Considerando que a dita decisão de arquivamento, “no mesmo sentido daquela que foi tomada pelos tribunais em sede de processo criminal [absolvição], fere o Estado de Direito e coloca em causa a confiança dos cidadãos nas suas instituições” (indo encontro dos considerandos dos juízes que apreciaram o caso criminal, os quais verberaram duramente a inexistência de identificação individual daqueles polícias), a dirigente da IGAI considerou imperioso proceder a “uma recomendação no sentido de que os agentes de autoridade atuem sempre, mesmo em cenário complexo, com identificação visível”. A identificação recomendada, sublinha a inspetora, é algo que está em vigor “em grande parte da Alemanha (…), onde, em regra, os agentes policiais, quando uniformizados e em funções, devem exibir uma placa nominativa, sendo esta placa nominativa substituída por etiqueta adequada a posterior identificação no caso dos corpos de intervenção”; “na Bélgica, onde todos os polícias em serviço devem poder ser identificados em todas as circunstâncias, segundo a lei vigente, pese embora a possibilidade, também legalmente prevista de, em determinadas situações, a placa nominativa poder ser substituída por um número de intervenção, número este que permite a identificação do polícia”; na Dinamarca, “onde é obrigatória a aposição, no uniforme policial, de uma placa de identificação pessoal que consiste, no caso, numa letra seguida de quatro números e que é visível no peito e nos ombros do agente”; em Espanha, “onde é obrigatório que todos os elementos da Guardia Civil do Corpo de Polícia Nacional, incluindo as unidades especiais, exibam no uniforme o número de identificação pessoal, sendo certo que este número corresponde ao da Carteira Profissional e ao do Bilhete de Identidade Profissional do polícia, mais se exigindo que esse número seja colocado no uniforme por forma a que, à chamada distância de respeito — cerca de 1,20 metros —, seja lido por qualquer pessoa sem dificuldade”; em França, “onde o agente policial, seja polícia, seja gendarme, em exercício de funções, quer esteja uniformizado, quer esteja à civil, é obrigado a ostentar, de forma visível, o seu número de identificação individual.”Trata-se, refere a juíza desembargadora, de “identificação passiva” — aquela que não implica aos cidadãos pedir, como a PSP sugere na sua resposta ao DN, a carteira profissional os agentes. Uma sugestão que, dir-se-á, ignora a situação que determinou a existência da recomendação: a de um cidadão a quem, como ficou provado em tribunal, agentes do Corpo de Intervenção desfizeram parte da cara e destruíram um olho, enquanto os colegas impediam que alguém se aproximasse para o socorrer.