Um processo sobre uma agressão por parte de um agente da Unidade Especial de Polícia, da PSP, a uma pessoa que acabou com um ferimento de 13 centímetros na cabeça foi arquivado por não ter sido possível identificar o polícia, revela um despacho da inspetora-geral da Administração Interna, a juíza desembargadora Anabela Cabral Ferreira, ao qual o DN teve acesso. No documento, é feita a recomendação de que os polícias passem a estar identificados..A juíza desembargadora destaca a “recomendação” para que “os agentes das unidades especiais de polícia” exibam “um elemento de identificação visível e frontal quando em exercícios de funções”, sendo o objetivo derradeiro desta orientação consagrada na lei haver “uma polícia mais próxima e de confiança para o cidadão”..Mas vamos aos factos. Tudo aconteceu no momento em que os adeptos leoninos se dirigiam ao estádio onde iria acontecer o jogo de futebol entre o Famalicão e o Sporting, em 3 de fevereiro deste ano. O jogo não aconteceu, devido à ausência do policiamento habitual, motivada por um protesto das forças de segurança..Nada disto impediu que houvesse seis feridos, como consequência dos desacatos entre adeptos, e pelo menos uma pessoa foi agredida por um polícia, com necessidade de ser transportada para o hospital..O queixoso desta agressão em concreto estava acompanhado pela mulher e ambos iam assistir ao jogo. No início, estavam com adeptos do Sporting, que se envolveram em confrontos com adeptos do Famalicão, levando o casal a ficar para trás..O “Corpo de Intervenção da Força Destacada da Unidade Especial de Polícia recorreu à utilização de meios coercivos de baixa potencialidade letal”, lê-se no relatório final do inquérito do processo de natureza disciplinar (PND), entretanto aberto..O casal acabou a fugir dos disparos: o homem refugiou-se atrás de um carro e a mulher conseguiu abrigo num alpendre..Com os polícias a aproximarem-se, o homem “levantou-se devagar com as mãos no ar”, continua o relatório, acrescentando que “nesse momento, um elemento da Unidade Especial de Polícia, de identidade não apurada”, acabou por lhe desferir, “com cassetete, uma pancada na cabeça”..Depois de ter ligado para a mulher, com a cabeça a sangrar, o queixoso ficou no local, sentado, até que um “técnico de emergência médica”, que estava no outro lado da rua, tentou socorrê-lo. Como primeira diligência, a testemunha pediu a um dos polícias que chamasse uma ambulância..A resposta foi negativa. Ele que a chamasse, disseram - o que aconteceu. Depois, o técnico pôs alguns guardanapos na cabeça da vítima, até que “chegaram três agentes da Unidade Especial de Polícia”, com um a dizer: “Larga, ca*****! Larga ca*****!”, sustenta o documento da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI)..A testemunha justificou ao agente que estava obrigada a prestar apoio médico, dada a sua profissão, e alegou que o polícia, ao impedir o ato, estaria a cometer uma ilegalidade. Com o obstáculo a manter-se, a testemunha pediu ao polícia que se identificasse, para que pudesse avançar com uma queixa, e foi aí que lhe foi permitido continuar a prestar auxílio à vítima. Mas ainda ouviu, por parte de um agente: “Deves ser um grande santinho para estares a ajudá-lo. Deves ser um anjo.”.Nenhum dos agentes foi identificado e o caso acabou arquivado. A vítima foi transportada para o hospital com uma ferida de 13 centímetros, que acabou suturada com 10 pontos. O PND que resultou da agressão foi sublinhado pela queixa apresentada pela vítima, e a queixa foi sugerida por por um agente, a quem a testemunha recorreu, pedindo, também sem sucesso, a identificação dos agentes envolvidos..Caso não é inédito.A Recomendação n.º 1/2024, de 18 de janeiro, sublinha a “obrigatoriedade de identificação visível frontal dos agentes das unidades especiais das forças de segurança [PSP e GNR]”. A juíza recorda que esta recomendação, sem “força vinculativa”, teve origem no caso em que, num jogo de futebol entre o Vitória de Guimarães e o Boavista, em 2014, “três elementos do Corpo de Intervenção agrediram um cidadão, causando-lhe cegueira”, sem que, entre os 11 polícias acusados, tivesse sido possível encontrar um único culpado, por falta de identificação. Foram todos absolvidos..Termos do processo.O despacho da IGAI diz que não seria inevitável o arquivamento do processo, salvaguardando “que foram praticados atos merecedores de censura disciplinar” por cinco agentes, “não tendo sido, por qualquer meio, possível obter a sua identificação”..Factos apurados.O despacho é cabal a sublinhar que um cidadão foi agredido com um cassetete, por um polícia, sem que nada o justificasse. Foram ouvidas 14 testemunhas e nenhuma conseguiu apontar qualquer elemento de identificação dos agentes. Há um número na parte posterior dos capacetes dos polícias, mas, pelo local onde se encontra, não facilita a identificação. Alguns dos polícias tinham as proteções dos ombros para cima, o que ainda dificultava mais a identificação.