Pedro Queiroz Pereira diz que Salgado procurou comprar Marcelo e acusou ex-banqueiro de ser "mentiroso compulsivo"
José Carlos Carvalho / Arquivo Global Imagens

Pedro Queiroz Pereira diz que Salgado procurou comprar Marcelo e acusou ex-banqueiro de ser "mentiroso compulsivo"

No depoimento que fez ao Ministério Público antes de morrer, em 2018, o empresário afirmou que Ricardo Salgado era "um ambicioso desmedido, capaz de matar o pai e a mãe". Disse ainda que o ex-banqueiro procurou comprar o Presidente da República. Advogado de Ricardo Salgado negou tais declarações.
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O falecido empresário Pedro Queiroz Pereira disse ao Ministério Público (MP) que o ex-banqueiro Ricardo Salgado era um "ambicioso desmedido" e um "mentiroso compulsivo", num testemunho que está esta terça-feira a ser ouvido no julgamento do processo BES/GES. Disse ainda que Ricardo Salgado tentou comprar Marcelo Rebelo de Sousa ao entregar trabalho jurídico do BES à antiga companheira do atual Presidente da República. 

"O doutor Salgado fez o seguinte: pega no Departamento Jurídico e manda entregar trabalhos de cobrança à doutora Rita Amaral Cabral, que tem um escritório de advocacia. Para quê? Para recuperar a relação com o professor Rebelo de Sousa. Se for, por exemplo, ao escritório da doutora Rita Amaral Cabral, mais de metade ou 60% do trabalho era o BES que dava. Era uma forma de comprar o professor Rebelo de Sousa", afirmou o industrial falecido em 2018.

Pedro Queiroz Pereira recordou que houve uma deterioração da relação entre Marcelo Rebelo de Sousa e Ricardo Salgado, quando o primeiro foi a um congresso do PSD e falou "mal do GES", porque "era conveniente mostrar que se era contra os grandes grupos económicos", o que deixou a relação entre ambos "muito tremida" quando até passavam férias juntos, segundo o antigo líder da Semapa.

"Só que os interesses eram grandes demais: o interesse político de Marcelo Rebelo de Sousa era grande, mas precisava do dinheiro por trás; Salgado tinha poder económico, mas não tinha poder político. Foram as mulheres, Rita Amaral Cabral e Maria João Salgado, que trabalharam na relação", revelou o industrial no depoimento como testemunha perante o Ministério Público (MP) em janeiro de 2018.

De acordo com o empresário, Ricardo Salgado agiu então através da companheira de Marcelo Rebelo de Sousa para reparar a relação com o antigo líder social-democrata, mediante a entrega de trabalho jurídico e a posterior nomeação como administradora da Semapa.

"Para ajudar Ricardo Salgado, [Rita Amaral Cabral] veio para administradora da Semapa por alturas de 2004, 2005 ou 2006, juntamente com Rui Silveira. E Rui Silveira fez uma opção da vida dele que foi seguir Ricardo Salgado até à morte. O que Ricardo Salgado dizia era lei e ele chega a administrador e nem tem capacidade para isso... Rui Silveira é um advogado medíocre, mas que desempenhava uma função muito importante de lealdade ao chefe", declarou.

"Capaz de matar pai e mãe"

No testemunho ouvido no julgamento do processo BES/GES, Pedro Queiroz Pereira chamou Salgado de "mentiroso compulsivo e ambicioso desmedido".

"Ricardo Salgado tem características boas e más. Entre as boas: é uma pessoa extraordinariamente trabalhadora; entre as más, é um ambicioso desmedido, capaz de matar o pai e a mãe, e um mentiroso compulsivo. Defino-o como uma pessoa que diz determinadas coisas e que quer convencer o interlocutor de que 2 + 2 são 5", afirmou o antigo líder da Semapa num depoimento como testemunha efetuado em janeiro de 2018.

Pedro Queiroz Pereira, que morreu em agosto desse ano, explicou ainda que os outros administradores do Grupo Espírito Santo (GES) não levantavam objeções às decisões de Ricardo Salgado.

"Ninguém se atrevia. Ele era o único capaz de comandar o grupo. Ninguém se atrevia a dizer o que fosse. Eu era independente e o único que dizia... Ele é capaz de chegar aqui e dizer-lhe que esta folha branca era preta e sair daqui convencido que convenceu o interlocutor. É uma coisa espantosa", sublinhou.

O falecido industrial (nas áreas do cimento e da pasta de papel), que foi também acionista na sociedade Espírito Santo Control (ESC), a holding de topo do grupo, entrou em conflito com Ricardo Salgado, contribuindo para expor os problemas das contas no GES junto do Banco de Portugal (BdP). Ao MP admitiu que se tentou opor no processo que levou o comandante António Ricciardi à posição de presidente do Conselho Superior do GES, por entender que isso "era conveniente" para Salgado.

"Ainda tentei alguma oposição, porque conhecia Ricardo Salgado há muitos anos e sabia que podia não correr bem. Foi preciso substituir o presidente e quem foi substituir foi o comandante António Ricciardi, e era completamente conveniente que fosse o 'chairman' para que Ricardo Salgado pudesse fazer o que quisesse sem qualquer oposição", contou.

Pedro Queiroz Pereira recordou que já sabia em meados de 2012 que as contas do GES "estavam mal", embora não tivesse ainda os números aprofundados que foi depois entregar ao BdP. Contudo, destacou que fez questão de transmitir isso numa reunião do Conselho Superior na qual participou nesse ano.

"Fui lá chamar a atenção para as coisas que estavam a acontecer. Já nessa altura estavam ativamente a comprar ações do meu grupo para o tentarem controlar", disse, continuando: "Sabia que as coisas estavam mal nessa altura. O que me revoltou mais e me impulsionou mais é que andavam a comprar os meus acionistas e não tinham dinheiro. Sabia que as contas deles estavam mal, porque quando consolidavam não usavam os números finais".

Guerra de poder

Na sessão que decorre no Juízo Central Criminal de Lisboa, o empresário lembrou também a guerra de poder com Ricardo Salgado, quando o BES tentou assumir o comando do seu grupo através de posições acionistas e da influência sobre as suas irmãs.

"No início dos anos 2000, os bancos começaram a ser obrigados a cumprir rácios mais exigentes e tiveram de fazer aumentos de capital. Depois, diziam que a procura era oito vezes superior e isso foi sempre mentira... financiaram com as 'offshores', a concorrer com dinheiro do próprio banco, e vinham para os jornais dizer que toda a gente queria ações do BES. E eu vivia revoltado com isso. Foi assim que eles compraram a minha irmã Margarida", notou.

"Deram-lhe as ações da 'offshore' e ela deu as ações dela no grupo. Mas não disseram quem era, diziam que era um investidor norueguês, e depois apareceram lá Rita Amaral Cabral e Rui Silveira como administradores. Depois só lhes faltava comprar a minha outra irmã. Aquilo era uma vigarice completa", observou, resumindo: "Já desde 2001 que eu não tinha confiança nenhuma [em Ricardo Salgado], mas fingia".

O industrial acusou ainda Ricardo Salgado e outros administradores do BES, como Rui Silveira, de acharem que "eram Deus na Terra, que mandavam no país e que eram donos do mundo" e destacou a existência de ameaças veladas do ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES) ao governador do Banco de Portugal.

"O Ricardo Salgado chegou a ameaçar o governador do Banco de Portugal a dizer: 'eu já estou há muitos anos e os governadores mudam'. Assim como quem diz, 'se calhar tenho de falar com alguém para te tirar'. Era uma prepotência desmedida", finalizou.

Defesa de Salgado nega que ex-banqueiro tenha tentado comprar Marcelo

O advogado de Ricardo Salgado negou esta terça-feira que o ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES) tenha tentado comprar Marcelo Rebelo de Sousa, conforme declarou o falecido empresário Pedro Queiroz Pereira, cujo testemunho de 2018 foi hoje reproduzido em tribunal.

Em declarações aos jornalistas na interrupção para almoço do julgamento do processo BES/GES, Francisco Proença de Carvalho não quis fazer muitos comentários às palavras do antigo líder da Semapa, por este já ter morrido(em agosto de 2018), mas rejeitou a ideia expressa por Pedro Queiroz Pereira e considerou a tese "uma fantasia", descartando também qualquer ameaça do ex-banqueiro ao então governador do Banco de Portugal, Carlos Costa.

Segundo o advogado, Ricardo Salgado "não ameaçou ninguém, e não comprou ninguém, muito menos o Professor Marcelo Rebelo de Sousa. O que está ali dito é puramente uma novela, não tem nada de factual", considerou.

Francisco Proença de Carvalho criticou ainda o Ministério Público por gostar de "depoimentos que não têm confrontação" que resultam em "'soundbites' e insultos", defendendo que "um processo judicial não se faz dessa forma".

"Um processo criminal faz-se de factos. Para os jornalistas, são importantes as novelas, mas faz-se de factos, não de 'soundbites'. Factos efetivamente comprovados. Além de opiniões, não existe nada", concluiu.

Na reprodução do depoimento de Pedro Queiroz Pereira ao Ministério Público (MP), em janeiro de 2018, o empresário acusou Ricardo Salgado de comprar Marcelo Rebelo de Sousa entregando trabalho jurídico do BES à antiga companheira do atual Presidente da República, Rita Amaral Cabral, após a relação entre ambos se ter deteriorado com alguns comentários públicos do antigo líder social democrata sobre o BES.

"O doutor Salgado fez o seguinte: pega no Departamento Jurídico e manda entregar trabalhos de cobrança à doutora Rita Amaral Cabral, que tem um escritório de advocacia. Para quê? Para recuperar a relação com o professor Rebelo de Sousa. Se for, por exemplo, ao escritório da doutora Rita Amaral Cabral, mais de metade ou 60% do trabalho era o BES que dava. Era uma forma de comprar o Professor Rebelo de Sousa", afirmou o industrial falecido em 2018.

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