Filipa Pereira inscreveu a filha, de 4 anos, em sete estabelecimentos para frequentar o ensino pré-escolar. Uma busca iniciada em março, mas ainda sem fim à vista. A jovem mãe é doente oncológica, a realizar tratamentos constantes e desespera por uma solução porque não pode levar a filha para o hospital, onde realiza tratamentos com longas horas de duração. “Estou em tratamento oncológico e preciso de a ter em algum infantário. Só de fisioterapia tenho 6 meses de terapia, fora radioterapia e imunoterapia”, explica. A criança beneficiou da Creche Feliz (uma medida do Governo que garante creche gratuita para crianças até aos 3 anos). Contudo, por ter 4 anos, a menina teria de frequentar agora o pré-escolar, algo que iria fazer no estabelecimento onde esteve desde bebé, no Montijo. Contudo, conta Filipa Pereira, “a escola decidiu acabar com o pré-escolar e ter apenas a Creche Feliz”, tendo avisado os pais em fevereiro. Desde então, a jovem bateu a várias portas, enviou dezenas de emails , contactou e apresentou reclamação na Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE). A situação não se alterou, levando a mãe ao desespero. “Estou sujeita a ter de parar os tratamentos porque não tenho quem fique com a minha filha”, lamenta a jovem..Quem também esperou e não teve resposta positiva foi Catarina Costa, mãe de um menino de dois anos e meio. Por falta de vagas na creche, no Porto, a progenitora ficou com o filho em casa no primeiro ano e, perante a falta de lugares, teve de recorrer ao apoio dos avós para tomarem conta do menino. Este ano, voltou a “tentar a sorte”, mas continua em lista de espera e sem vagas nas creches mais próximas da sua área de residência. “A solução era recorrer ao privado, mas até aí não havia vagas perto de casa. Somando a distância das creches com lugares disponíveis ao valor da mensalidade, desisti da ideia e vou tentar de novo no próximo ano, já que o meu filho já terá três anos e deverá conseguir, finalmente, lugar numa escola pública”, conta..Recorde-se que, no início deste mês, o Ministério da Educação - em conjunto com o Ministério do Trabalho e da Segurança Social - garantiu que as crianças que beneficiaram do programa Creche Feliz e que completaram ou completem três anos de idade em 2024 iriam prosseguir o seu percurso na educação pré-escolar. E, se necessário, essa resposta seria dada através do setor privado. “Quando não for possível assegurar a transição, as crianças vão poder excecionalmente continuar a frequentar a creche. Caso não haja resposta na rede pública ou no setor social e solidário da freguesia onde se situa o estabelecimento de ensino, a transição para a educação pré-escolar no setor privado será considerada como uma solução subsidiária. Se não for possível garantir essa continuidade, será assegurada, excecionalmente, a permanência das crianças abrangidas pelo programa Creche Feliz que completem três anos entre 16 de setembro e 31 de dezembro, preferencialmente no mesmo estabelecimento onde já frequentavam a creche”, esclareceu o ME em comunicado..Contudo, até à data, o setor privado diz não ter qualquer informação sobre a medida e os procedimentos a implementar. “Tivemos uma conversa após a tomada de posse do Governo, mas até ao momento não sabemos de absolutamente mais nada”, garantiu ao DN, Rodrigo Queiroz e Melo, diretor executivo da Associação dos Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo (AEEP). O responsável lamenta que, a acontecer de facto o que foi avançado pelo Executivo, se trate de uma medida apenas aplicada se não houver vagas no setor público e não para todas as famílias. “ Nós rejeitamos que o privado seja um deus menor. É uma medida instável, porque os nossos associados têm todos os ciclos. Quando as crianças terminarem o pré-escolar ao abrigo do apoio do Governo e ingressarem no 1º ciclo vão embora? Isso obrigaria os privados a ter mais salas de pré-escolar ou a deixar de fora alunos que pretendem continuar na mesma escola”, explica. Por outro lado, diz, dificilmente os privados irão contratar educadores para poucas crianças, sendo necessário garantir turmas inteiras para que a medida faça “sentido”. Rodrigo Queiroz e Melo aguarda orientações por parte do ME, de forma a “perceber a implementação da medida”. .CONFAP já recebeu centenas de pedidos de ajuda.À CONFAP já chegaram centenas de pedidos de ajuda de pais sem vagas para inscrever os filhos, uma situação que Mariana Carvalho, presidente da confederação, considera muito preocupante “É grave porque as famílias ficam sem hipótese de poder ir trabalhar”, sublinha. Contudo, após reunião com o ME, a responsável mostra-se otimista na resolução das dificuldades das famílias. “Reunimos com o ME e com o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) e estão a trabalhar em conjunto para garantir as vagas necessárias. Não foram avançados novos números oficiais das vagas em falta. O assunto não está ainda fechado, mas a expectativa é que se multiplique o número de vagas”, avança. Mariana Carvalho diz ter ficado “mais descansada” após a reunião e acredita que a próxima semana traga boas notícias para as famílias. .Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) também acredita que já a partir da próxima semana e ao longo de todo o mês de setembro a situação da larga maioria dos alunos sem vagas se resolva. “Procedemos às matrículas do pré-escolar com o critério da idade, mas há situações que só em setembro se resolvem, nomeadamente em relação às crianças de 4 anos. Os pais que estão em lista de espera devem começar a ser chamados pelas escolas”, explica. O responsável adianta estar nos grandes centros urbanos a situação mais complexa e, também, no aumento do número de crianças. “O número de crianças está a crescer, é avisado que as câmaras programem devidamente os próximos anos porque me parece que vamos continuar a ter mais crianças e precisamos de mais salas no pré-escolar”, alerta. Filinto Lima também sublinha a importância cada vez maior que os pais dão ao ensino pré-escolar, levando a uma maior procura de inscrições. O presidente da ANDAEP aconselha as famílias ainda sem a situação resolvida a aguardar um contacto das escolas ou a dirigirem-se aos serviços administrativos “para ter uma noção do seu número de ordem e ter uma maior perspetiva da futura colocação". .7 em cada 10 crianças não têm acesso à creche.Segundo os últimos dados oficiais divulgados pelo Governo, mais de 20 mil crianças, entre os 3 e os 5 anos, ainda aguardam colocação no sistema de educação pré-escolar. Destas, 8.237 têm apenas 3 anos de idade. As zonas mais críticas no que se refere à falta de vagas são os concelhos de Sintra (1911 crianças à espera), Lisboa (1.073) e Seixal, com 939. .O estudo “Portugal Balanço Social, 2023”, da Universidade Nova de Lisboa (divulgado em maio), aponta que 7 em cada 10 crianças residentes em Portugal não têm acesso à creche..O DN questionou o Ministério da Educação e o Ministério do Trabalho e da Segurança Social para obter o número total de crianças sem vagas na creche e no pré-escolar, mas até à hora do fecho desta edição, não obteve qualquer resposta..Estado paga 474 euros por criança às instituições do programa Creche Feliz.Há mais de 100 MIL crianças e quase duas mil instituições abrangidas pelo programa Creche Feliz. Segundo dados avançados pelo Governo, o programa abrange 1511 instituições da rede solidária, 472 da rede aderente e 15 da rede pública. O concelho de Lisboa tem o maior número de creches aderentes (110), seguido por Sintra (60) e Vila Nova de Gaia (50). No que se refere à idades dos menores, mais de seis mil têm 0 anos, 34624 têm um ano, 41283 dois anos, 15.464 três anos e 24 têm quatro anos..A creche gratuita é para todas as crianças nascidas a partir de 1 de setembro de 2021 (inclusive) e que frequentem o setor social e solidário, independentemente do escalão de IRS em que estão os pais.