Manifestação em Lisboa em que se pedia “Justiça” para  Odair Moniz
Manifestação em Lisboa em que se pedia “Justiça” para Odair MonizRita Chantre

Odair resistiu à detenção, houve agressões mútuas, caiu com o tiro do PSP e no chão levou uma bastonada

O MP vai investigar a alegada falsificação do auto de notícia da PSP, segundo o qual o agente que disparou o tiro fatal tinha sido atacado com uma faca, o que não foi corroborado na investigação criminal.
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Confrontos físicos entre Odair Moniz e os dois agentes da PSP, que incluíram agressões mútuas, com uso de bastões por parte dos policias e de força física de Odair, são descritos exaustivamente no despacho do Ministério Público (MP) em que o agente que matou o cabo-verdiano é acusado de homicídio com dolo eventual (quando o autor não tem a intenção direta de causar a morte da vítima, mas assume o risco de produzir esse resultado ao realizar uma conduta perigosa).

Outro facto registado pelo MP é que Odair não empunhou nenhuma faca no confronto com o agente no momento que antecedeu ao disparo fatal, ao contrário do que foi assumido oficialmente pela PSP no comunicado enviado à imprensa no dia da morte.

"Odair caiu ao chão e o agente, com recurso ao bastão, desferiu uma pancada no corpo daquele, o corpo rolou e imobilizou-se na posição de decúbito dorsal”

O despacho de acusação relata assim o momento que antecedeu a morte: Odair Moniz “resistiu e com a sua mão direita agarrou o braço esquerdo do arguido (...) que o empurrou envolvendo-se ambos em confronto físico, aproximando-se um do outro. No decurso do confronto Odair Moniz lançou a sua mão direita na direção da cabeça do arguido e atinge-o com um murro. Estando os corpos a uma distância entre 20 e 50 cm., o arguido, com o intuito de o afastar de si e poder imobilizá-lo de imediato, apontou em frente para a zona do tórax de Odair e disparou um tiro que atingiu este na zona anterior esquerda do tórax. Odair permaneceu de pé e, no segundo imediato, o arguido afastou-se deste, andou uns passos para trás e, a uma distância de 75 cm a 1 metro, estando Odair de frente para si, apontou a arma ligeiramente para baixo e disparou um tiro na direção deste, atingindo-o na zona genital e na perna direita. Odair caiu ao chão e o agente (o segundo), com recurso ao bastão, desferiu uma pancada no corpo daquele, o corpo rolou e imobilizou-se na posição de decúbito dorsal”.

Tendo em conta todas as imagens captadas, quer pelas câmaras de videovigilância do município da Amadora, mas também com vídeos recolhidos com telemóveis de moradores, bem como os testemunhos dos próprios polícias, segundo os quais Odair não empunhou qualquer faca contra os polícias, o MP decidiu abrir uma “investigação autónoma” por ter detetado “incongruências e inexatidões” no auto de notícia da Divisão da PSP da Amadora que referia a ameaça com a faca e na base do qual a direção nacional da PSP fez o comunicado.

Há suspeita de que este auto, apesar e estar assinado pelos dois agentes, possa ter sido alterado sem o seu conhecimento.

Por recear novos tumultos caso o agente acusado continuasse em funções, o MP requereu a sua suspensão de funções

Por recear novos tumultos caso o agente acusado continuasse em funções, o MP requereu a sua suspensão de funções. “Perante o circunstancialismo que rodeou a prática dos factos pelos quais o arguido se encontra acusado e, principalmente, os eventos que a ele se seguiram nos dias seguintes e que são do conhecimento público e facto notório - é necessário e adequado impor ao arguido, nos presentes autos, uma medida de coação suscetível de acautelar o concreto perigo de grave perturbação da ordem e tranquilidade pública (...) Com a dedução do despacho de acusação com a imputação da prática de um crime de homicídio, ainda que a título de dolo eventual, e o conhecimento público dos factos imputados a possibilidade de manutenção do arguido em funções poderá espoletar acontecimentos semelhantes, pelo que se entende que se deva aplicar a medida de coação de suspensão do exercício de profissão”, justifica o MP.

Este pedido terá ainda de ser validado pelo juiz de instrução, caso a defesa do arguido requeira essa procedimento, ou apenas pelo juiz do julgamento. No entanto, no âmbito do inquérito disciplinar à atuação dos dois agentes, que decorre na IGAI, caso resulte num processo disciplinar, pode ser decretada uma suspensão preventiva de até 180 dias.

Neste momento, o agente da PSP está de baixa e não existe ainda data para que regresse ao trabalho, tendo sido transferido da esquadra onde estava a trabalhar na altura em que Odair Moniz foi morto.

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