Ao fim de muitos meses, esta é a primeira semana em que a Urgência de Ginecologia-Obstetrícia do Hospital Garcia de Orta (HGO) conseguiu manter as portas abertas durante 24 horas sem interrupção durante turnos ou ao fim de semana, tal como demonstra a escala publicada no Portal do SNS. No entanto, fontes hospitalares sob condição de anonimato garantem ao DN que tal “só tem sido possível com mais turnos médicos de 24 horas, com mais horas extraordinárias e com mais trabalho dos prestados de serviço”. A questão, dizem-nos, “é que a urgência continua sem equipa e ninguém aguenta muito tempo este ritmo". As mesmas fontes relatam que "as escalas continuam a ter buracos que têm sido resolvidos diariamente e com muitos pedidos a médicos de outros hospitais para virem fazer bancos ao HGO”. Uma das primeiras falhas, parece ter acontecido já esta sexta-feira, dia 5, quando foi decidido que "a partir das 20:00 e até às 8:00 do dia 6, a urgência estaria só aberta para referenciação ao CODU. Ou seja, para situações urgentes, embora na escala do SNS figurasse como estando aberta". O DN contactou o hospital para saber se tal situação se confirmava, mas não obteve resposta até à hora da publicação da peça. Por outro lado, e segundo apurou o DN, médicos dos hospitais de Cascais e de Loures, que foram convidados a integrar a lista dos sete novos elementos para reforçar a equipa do serviço do HGO, acabaram por recusar a ida para esta unidade. Na verdade, garantem as mesmas fontes, “só um médico assinou contrato com início a 1 de setembro e foi ocupar o lugar de diretor de serviço”. Neste momento, destacam ainda, “a atividade do serviço está focada na urgência e quem lá está, está a dar o máximo para que a urgência se mantenha aberta”, mas já há quem “ameace sair”..Ministra da Saúde diz que Garcia de Orta vai ter resposta de obstetrícia 24 horas por dia a partir de setembro.Recorde-se que foi a própria administração da Unidade Local de Saúde Almada Seixal, que integra o HGO, que veio anunciar na semana passada que a equipa passaria a ter sete novos médicos, a partir de 1 de setembro, sendo expectável que assim se conseguisse manter portas abertas 24 horas durante os sete dias da semana. Esta semana, depois de confrontada com a informação disponibilizada ao DN, voltou a confirmar o mesmo, dizendo mesmo nada mais ter a acrescentar a esta informação: “A escala de ginecologia e obstetrícia da ULS Almada-Seixal (ULSAS) do mês de setembro já contempla sete novos especialistas, permanecendo-se em conversações com vista a robustecer ainda mais o serviço”.Mas as mesmas fontes hospitalares explicam que uma coisa "é as escalas serem feitas com mais sete médicos, mesmo que estes não existam. É, por isso, que existem buracos. Depois, criam-se grupos de WhatsApp com mais de 30 médicos ginecologistas-obstetras e pede-se que venham fazer bancos ao HGO", contam ao DN, voltando a desmentir que estes "sete médicos tenham integrado a equipa"."Depois do diretor de serviço, há dois a três médicos que já trabalhavam na urgência como prestadores de serviços que assinaram contrato com o hospital”, mas, reforçam, “eram médicos que já estavam nas escalas e a fazer serviço na urgência, não podem ser contabilizados como mais três", argumentando: “Se nada acontecer de diferente, mais cedo ou mais tarde a urgência volta a fechar”.A escala de Ginecologia-Obstetrícia das urgências das unidades da Península de Setúbal indica também, e ao fim de muito tempo, que além do HGO, uma das duas unidades existentes, Barreiro e Setúbal, vai estar sempre aberta. Neste sábado, dia 6, fecha a urgência de Setúbal, mantendo-se Barreiro aberta, e no dia 7 fecha esta e abre Setúbal. Ou seja, pelo menos duas unidades abertas, depois de o atendimento nesta área naquela região ter ficado marcado por casos de mulheres que deram à luz em ambulâncias ou pela morte de bebés, quando todas as maternidades estavam de portas fechadas, por falta de recursos para assegurar as escalas. .Comissão propôs criação de Centro Materno Infantil no Garcia de Orta para resolver problemas na Margem Sul .No mês de julho, por exemplo, em pouco mais de uma semana, uma grávida teve de percorrer cinco hospitais até chegar Cascais, onde teve vaga para internamento, vindo o bebé a falecer após o nascimento, outra chegou a Cascais já com o bebé morto. A pressão foi grande e, na altura, a ministra Ana Paula Martins anunciou, em entrevista à SIC, que a partir de setembro uma urgência da Península de Setúbal estaria aberta 24 horas. O grupo que desenhou a rede de cuidados para Ginecologia-Obstetrícia reconheceu que esta região precisava de uma solução diferente, propondo a criação de um Centro Materno Infantil no Garcia de Orta mas, até agora, ainda nada se sabe sobre a criação deste.O DN quis saber junto da administração do HGO que condições estavam a oferecer aos médicos para os conseguir contratar, mas não obteve resposta. No entanto, as mesmas fontes hospitalares dizem que os convites feitos no âmbito de novas contratações têm sido no sentido de os novos médicos “ocuparem vagas carenciadas, o que implica um horário de 40 horas e remuneração superior aos colegas que já lá estão nos quadros”. Mesmo assim, dizem-nos, “houve recusas”. Quando perguntámos o porquê, a explicação foi que “a atividade no HGO continua a envolver muito trabalho na urgência e ninguém quer esse ritmo”.Sobre a pressão nas urgências de Ginecologia-Obstetrícia, a presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fnam), Joana Bordalo e Sá, diz ao DN não nos podermos esquecer que “nos últimos meses, mais de meia centena de grávidas tiveram os seus bebés em ambulâncias, na berma da estrada ou no chão duro da rua." "Nenhuma destas mulheres quis parir fora do hospital. O que falhou não foram as mães. O que falhou foi o governo de Luís Montenegro: serviços de urgência encerrados, linhas de triagem inoperantes e ausência de planeamento”, continua a sindicalista, destacando ainda que tal não aconteceu só na Margem Sul: “Tivemos grávidas de Aveiro e Leiria a serem drenadas para Coimbra, Braga drenou para Guimarães, e no Hospital de São Sebastião, que fica entre o Douro e Vouga, à noite só existem prestadores de serviço e internos em muitos dos dias.”No caso do Hospital Garcia de Orta, a dirigente sindical critica o facto de "o Governo ter anunciado com pompa que as urgências de Ginecologia e Obstetrícia passariam a funcionar 24 horas/7 dias. Mas como? Com sete médicos do privado? Ou seja, empurram médicos do SNS para o privado para depois os irem contratar com condições especiais, que deviam ser para todos os médicos do SNS?, como a reposição de férias, remunerações dignas, condições de trabalho seguras. Assim criam desigualdades dentro das próprias equipas, criando ainda mais desmotivação.” Para Joana Bordalo e Sá, “isto não resolve o problema da proximidade, porque Barreiro e Setúbal continuam a fechar.”