"Bom dia! Mais uma vez foi roubado o contentor do lixo do nosso prédio, há meses que acontece recorrentemente, aliás, podem verificar a quantidade de pedidos de contentores ultimamente... Agradeço que entreguem logo que possível um novo, por favor. Obrigado e cumprimentos!”O pedido, de “um contentor de média capacidade (4 rodas)” vem da Rua Gomes Freire (freguesia de Santo António) e está classificado como “em execução” no portal Na Minha Rua (NMR), na secção “higiene urbana”. Não é possível identificar a data exacta – este site de comunicação dos munícipes com os serviços camarários de Lisboa não indica o dia das reclamações – mas terá pelo menos um mês.Só em ocorrências relativas ao mês de setembro, o DN contabilizou cerca de 30 reportes de contentores sumidos por toda a cidade – mais de um por dia. Mas há quem, como um munícipe da Rua Jardim do Regedor, se queixe do furto de quatro contentores de uma vez: “Boa Tarde. Venho solicitar quatro contentores de resíduos comuns, em virtude de os que tínhamos terem desaparecido/sido roubados.”A classificação de ambos os pedidos é “em execução”. Como é a da solicitação de um “contentor indiferenciado na Rua Luciano Cordeiro uma vez que o contentor do prédio desapareceu”. O mesmo na Rua Andrade, de onde se solicitam dois contentores de duas rodas, já que a um deram sumiço e o que ficou está danificado, e na Rua Nelson de Barros, onde o caixote de lixo indiferenciado desapareceu. E na Avenida Rio de Janeiro: “Contentor desaparecido. Solicita contentor de 140 litros”. Em Benfica, “um contentor de reciclagem de papel desapareceu”; na Rua Barata Salgueiro “os nossos caixotes foram roubados e não foram repostos até agora”; na Bernardo Lima, “falta um caixote de duas rodas”; na Bernardo de Passos, ao Areeiro, “pede-se a devolução de um contentor azul e um amarelo”.Há quem frise a urgência. Como um morador nos Olivais a quem furtaram o contentor de lixo indiferenciado, e outros dois residentes em Alcântara, a quem sucedeu o mesmo – a um deles “há quatro meses”. E ainda na Rua David Lopes, na Penha de França: “Contentor de lixo comum desaparecido, solicita novo contentor com urgência, prédio sem contentor”. Já um comerciante da Avenida Madame Curie pede “celeridade” na entrega de quatro contentores para substituir os desaparecidos. É também essa a expressão utilizada por um condomínio na Rua Tenente Espanca, nas Avenidas Novas: “Contentor de duas rodas de lixo comum desapareceu após ter ficado na rua para recolha de lixo. O condomínio não tinha outro contentor deste tipo, o que nos deixa agora sem contentor para depositar o lixo comum. Agradecemos celeridade na resolução.”Igualmente aflitos se manifestam dois restaurantes. “Contentor de lixo comum desaparecido”, avisa um situado na Rua Duques de Bragança, enquanto o Festa Brava, no Areeiro, indica o dia do sumiço – ”Na segunda-feira 16/9/2024 o caixote de lixo simplesmente desapareceu” – e frisando que isso “prejudica a atividade do negócio”.Questionada pelo DN, a Câmara de Lisboa informa que em 2024, até 31 de agosto, “foram registados através da plataforma Na Minha Rua 6692 pedidos de contentores de 2 rodas”, a tipologia maioritariamente atribuída a “habitações ou edifícios e associados ao sistema de recolha porta-a-porta”. Não esclarece quantas dessas solicitações foram atendidas. Nem pode, explica, determinar quantas dizem respeito a desaparecimento ou furto porque“não é possível apurar ou comprovar” se se tratou mesmo de furto, e “é frequente, por exemplo, a deteção do equipamento numa localização próxima”. Mas garante que os valores anuais de reclamações relacionadas com “desaparecimento dos contentores ou a sua destruição/danificação apresentam uma variação mínima” e que “a reposição dos equipamentos normalmente é célere”. Celeridade, porém, não se vislumbra. Entre páginas e páginas de pedidos “em execução” – que incluem basta remoção de monos, limpeza de ruas e de paredes, desratizações e desbaratizações – os reportes de caixotes de lixo desaparecidos, solicitando a respetiva reposição, estendem-se ao longo de muitos meses. O que significa que há quem – prédios, estabelecimentos comerciais de todo o tipo, escritórios, etc –, esteja há todo esse tempo a aguardar a reposição de um equipamento urbano fundamental para a manutenção da higiene e salubridade da cidade.Ano e meio sem caixote de lixoLeonor Poeiras, residente na freguesia de Santo António, acredita ser, com os demais habitantes do seu prédio, uma das recordistas da nova modalidade lisboeta “viver sem caixote de lixo”.“Há para aí um ano e meio, pelo menos três caixotes desapareceram na minha rua, incluindo o do meu prédio. Liguei para o número da CML que trata disso, mas não entregaram o nosso (nem os outros, que eu saiba)” conta a ex-jornalista e apresentadora de TV. “O meu condomínio passou o assunto para a empresa de gestão, que supostamente reclamou no Na Minha Rua. Mas, até hoje, nada de caixote.”Sem ter onde colocar o lixo orgânico/indiferenciado, Leonor segue o conselho da “senhora que me atendeu da CML”: “Disse para ir pondo nos caixotes dos vizinhos. Quando vou passear o cão à noite ponho sempre o lixo num caixote diferente.” Suspira. “Enfim. E, claro, há sacos do lixo diariamente à porta dos prédios, muitas vezes rasgados e abertos.”Menos bem classificado no campeonato mas ainda assim com uma marca assinalável, o cientista Miguel Prudêncio, morador em Benfica, conta já mais de seis meses sem contentor de lixo. “Pedi-o pela primeira vez na App Na Minha Rua para aí em meados de março, quando dei pela falta dele. Reforcei o pedido na App umas duas semanas mais tarde, e voltei a reforçá-lo cerca de um mês após o pedido inicial. Entretanto liguei para lá e disseram que as entregas de caixotes estavam muito atrasadas, que iam reforçar o pedido internamente e que se precisasse de alguma recolha pontual era solicitar.”Como o assunto não se resolvesse, Miguel voltou a ligar para a CML “passados uns três meses do pedido inicial”. E, para seu espanto, foi-lhe dito que o seu caso estava dado como “resolvido”. “Claro que esclareci que não fora entregue o caixote e a senhora que me atendeu disse que ia abrir um novo processo.” Que continuará – em princípio – na fase “em execução”, já que aos 20 dias do mês de setembro continua sem caixote de lixo à vista. “Ainda anteontem voltei a ligar para lá e a pessoa que me atendeu – muito simpática, diga-se – voltou a dizer que as entregas estão muito atrasadas, que realmente o pedido já tem muito tempo, que vai reforçá-lo, blá-blá. Simplesmente ridículo.”Desde agosto sem contentor de lixo comum, o averiguador de acidentes de automóvel António Fernandes, residente na Penha de França, espera não vir a competir com os munícipes já citados. “Como moro num prédio sem porteiro e o meu andar é o rés-do-chão, dei logo pela falta mas achei que os tipos da recolha de lixo tratariam de efetuar a reposição. Como isso não aconteceu, pedi à Junta de Freguesia, onde me disseram que não era com eles mas iam diligenciar.”Terá sido então a junta a colocar no NMR o pedido, acompanhado – contra as normas do Regulamento Geral de Proteção de Dados – do número de telefone de António (que o DN usou para o contactar). “Não faz mal, fizeram isso a ver se se resolvia mais depressa”, diz o interessado. “Sem caixote no prédio, tenho de andar a pô-lo nos das outras casas. Ou entrego numa altura que seja propícia, quando passa a camioneta da recolha.” É, anota, a segunda vez que o caixote de lixo se eclipsa. “Da primeira vez, há uns três anos, a reposição foi rápida. Passados uns dias estava um novo à porta, com o nome da rua e o número do prédio.”Maria Silva, 60 anos, moradora em Santa Maria Maior, tem uma experiência semelhante: “Já aconteceu isto pelo menos uma vez, há vários anos, e, após reclamarmos, não levaram muito tempo a trazer um contentor. Agora estamos desde junho – há três meses – à espera. Efetuámos um primeiro pedido no Na Minha Rua, reforçado mês e meio depois. E continuamos sem caixote. Felizmente existe perto do prédio um ecoponto com contentor de resíduos orgânicos, que podemos utilizar. Mas é possível lá chegarmos com os sacos de lixo e termos de voltar para trás, por estar cheio.”Ou voltam para trás ou, como faz muita gente, deixam os sacos, mais ou menos bem fechados, ali encostados, o que resulta na apetitosa e perfumada paisagem em que, por toda a cidade, se têm transformado os ecopontos.Câmara não admite atraso nas reposiçõesMalgrado a evidência constatada no NMR e no Portal da Queixa – onde, na área da CML, se encontram diversas solicitações de substituição de contentores marcadas como “sem resolução” –, e a certificação dos próprios serviços, quando contactados pelos munícipes, de que existe muito atraso na reposição destes equipamentos, as respostas da autarquia ao DN, como referido, descartam o problema. “A reposição dos equipamentos normalmente é célere. Por vezes, acontece que a tipologia de contentor a atribuir está sem stock e implica um maior demora na sua entrega. Há ainda a referir que o município de Lisboa presta apoio a eventos, com atribuição de equipamento de deposição de resíduos e a respetiva recolha, o que implica a alocação de meios humanos e materiais”, diz Câmara às questões “qual o motivo pelo qual tem levado meses para repor estes equipamentos? Existe um défice de contentores ou é um problema de organização?”Acresce que dos dados que enviou ao jornal não é possível extrair a taxa de reposição efetiva de contentores, muito menos o tempo médio de resposta. A autarquia informa que em 2023 foi requerida, através do NMR (existem outros meios para efetuar o pedido, mas a CML só enviou ao DN os números relativos a este portal), a reposição de 9 278 contentores de duas rodas e que este ano, até 31 de agosto, o número é de 6 692, mas não diz quantas dessas solicitações foram atendidas. E, quando contabiliza os que foram entregues no mesmo período, mistura contentores de duas rodas e de quatro rodas (maiores). Ainda assim, ficamos a saber que em 20 290 contentores atribuídos em 2023, e 13143 em 2024, menos de 25% corresponderam a primeiros pedidos (ou seja novas requisições); a maioria foram reposições. Nessa categoria, contabilizaram-se em 2023 14 169 contentores (de duas ou quatro rodas), numa média mensal de 1180; nos primeiros oito meses de 2024, foram 11215, o que dá 1401/mês. Uma mais elevada média mensal também se verifica em 2024 quanto às solicitações de reposição de contentores de duas rodas: em 2023 houve 773 pedidos/mês, enquanto que o número correspondente nos primeiros oito meses deste ano é de 836.Além disso, os dados parecem indiciar que a maioria dos pedidos de reposição se deve a desaparecimento/furto: dos 9 278 pedidos de reposição de contentores de duas rodas que a CML diz ter em 2023 registado no NMR, 2 290 ter-se-ão devido a dano no equipamento e 29 a incêndio. Por exclusão de partes, os restantes 6 959 dirão respeito a descaminho – ou seja, 75%. Em 2024 o total das solicitações de reposição foi, até 31 de agosto, 6 692, das quais oito devido a incêndio, 1 735 a dano e 4 949 (74%) a sumiço. Atendendo a que a CML diz existirem 190 mil contentores atribuídos na cidade, 160 mil dos quais “a habitações, edifícios e entidades e integrados no sistema de recolha porta-a-porta”, conclui-se que a taxa de reposição é de menos de 10%. Questionada sobre o gasto anual com compra/substituição destes equipamentos, a autarquia adianta que “o custo dos contentores disponibilizados em 2023 (de 2 e 4 rodas) cifrou-se em cerca de 1 milhão de euros” – o que, a dividir pelos 20 290 que diz ter entregue nesse ano, significa um preço médio de 49 euros. Frisando ser de “salientar a elevada exposição e taxa de utilização e despejo dos equipamentos de deposição no município de Lisboa, o que condiciona a sua durabilidade”, a CML chama a atenção para o facto de que “apostou na identificação eletrónica dos contentores, estando atualmente cerca de 90 mil identificados através da instalação de dispositivos RFID [identificação por radiofrequência]”. Este sistema, esclarece, “permite localizar o ponto de recolha de resíduos de cada um dos equipamentos, assim como a frequência de recolha, identificação da viatura que efetua a recolha, etc”.Das duas uma, então: ou todos os contentores desaparecidos sem deixar rasto fazem parte do grupo sem identificador, ou o sistema de localização talvez não esteja a funcionar lá muito bem.