Enquanto caminha pelas ruas do Casal da Mira, na Amadora, Bruno Teixeira, que enquanto artista multidisciplinar é conhecido como Sepher AWK, é cumprimentado como se fosse um local. A bem da verdade, Sepher não nasceu muito longe dali, mas foi em Mem Martins que cresceu e teve os primeiros contatos com o graffiti e onde posteriormente começou a ganhar seu espaço no meio da arte urbana com o projeto Emblemátika Linha, no qual leva símbolos da região para seus trabalhos artísticos..O sucesso de Sepher, que em seu trabalho busca transitar entre figuras reais e o surrealismo sempre com foco nas problemáticas da periferia das grandes cidades, fez com que o jovem de 27 anos se expandisse para além de Sintra, onde tem trabalhos de arte urbana em lugares como Mem Martins, Rio de Mouro e Queluz. No último mês de setembro, o artista que tem ganhado reconhecimento na cidade foi convidado pela Câmara Municipal da Amadora a pintar um mural no Casal da Mira, intitulado “Kamuflados”..Seja qual for a cidade ou região, o foco é sempre o mesmo: levar a arte urbana para as periferias da grande cidade, como já fez não só em Lisboa, mas em cidades como Berlim, Marselha, Bolonha ou Rio de Janeiro. Antes de Sepher pintar murais em qualquer um desses lugares, no entanto, foi preciso Bruno Teixeira conhecer as realidades de cada sítio, de forma a retratar de forma fiel a complexidade de cada bairro espalhado por Lisboa ou pelo mundo. Foi o caso de seu último projeto no Casal da Mira..“Para fazer uma intervenção deste tamanho, é preciso sempre compreender a essência de cada bairro, as pessoas, as dificuldades. Aqui, por exemplo, a arte da camuflagem é uma habilidade ou mesmo uma obrigatoriedade de quem aqui vive, até pela questão social, do abuso do poder que sofrem aqui”, começa por dizer Sepher ao andar por seu mais recente mural pintado na Avenida Raul Rego, na Brandoa..“As pessoas da periferia estão afastadas do acesso à cultura, do acesso ao lazer dos grandes centros e, consequentemente, das oportunidades também, é complicado sequer criar expectativas para sonhar aqui. O céu tem limite nessas zonas e o único tom de azul que as crianças veem cá é o das sirenes”, reflete Sepher, que inclusive tenta, através dos seus murais, promover a inserção das crianças da periferia no trabalho artístico..Em “Kamuflados”, por exemplo, uma parte da instalação - que identifica o nome do bairro - contou com as mãos de jovens residentes na região, algo que, para Sepher, fez falta na sua juventude. “Só fui ter acesso à arte de fato quando era adolescente, era algo muito distante quando era criança. Ter tido ao meu lado um miúdo de 7, 8 anos a pintar esse mural dá uma satisfação enorme”, conta o artista, que “homenageou” os mais novos no letreiro pintado que teve a ajuda das crianças. A iniciativa também teve o apoio da Associação Mirativa, projeto criado há uma década naquele bairro de forma a incentivar o trabalho comunitário através de ações que melhorem a imagem da região. Esta, aliás, é outra das bandeiras levantadas por Bruno, desde que a arte seja também um ponto de reflexo do lugar onde está inserida..“A arte colore o bairro e acredito que, feita através dos símbolos, traz uma sensação de identificação e orgulho para os moradores da zona. Desde que pintei esse mural, sinto que a população, além de ter algo que dá mais vida ao lugar que vive, também se encontra na arte. Ter algo bonito em um lugar que sequer tem algo simples, como parques, é importante. Poderia ser uma flor, já seria bonito: mas se ver contemplado é ainda mais impactante”, defende..Dos murais para os museus.A paixão de Bruno pela arte surgiu cedo e dentro de casa “Minha mãe sempre desenhou muito bem, mas nunca teve a oportunidade de fazer isso da vida”, lembra Sepher, que desde a adolescência nunca pensou em fazer outra coisa, que não arte. Estudou na Escola Secundária António Arroio, em Lisboa, mas não chegou a concluir os estudos para focar inteiramente na sua evolução artística. Conta ter trabalhado nas mais diversas áreas de serviço em Portugal e, quando surgia a oportunidade, viajava pela Europa atrás de novas inspirações para seu trabalho..Quanto mais viajava e aperfeiçoava seu trabalho, Sepher, que se identifica como um artista multidisciplinar, passou a ter também cada vez mais reconhecimento. Ao lado de outros colegas da Linha de Sintra, Diogo “Gazella” Carvalho, Onun Trigueiros, Bedju Tempu e Tristany, formou o coletivo artístico Unidigrazz, movimento que procura fomentar a mudança social através da arte. Desde que criou o Emblemátika Linha, um projeto a solo, a carreira decolou. Para o artista, dois projetos que dialogam e são motivos de orgulho..“Supostamente, nada sai dessas regiões, e inclusive, são obviamente marginalizadas, é só ver a quantidade de polícia que permeia esses bairros e a maneira como operam. Nem sequer tem lombas, para facilitar as operações”, alega ao apontar para uma avenida. “Estar inserido na realidade do Mem Martins ou no Campo Pequeno são coisas bem distintas, mas existe muita coisa boa na nossa região, e é isso que queremos mostrar”..Tem conseguido. Além de talentoso, Sepher é bom em “vender seu peixe”, seja para Câmaras, associações culturais ou curadores de museus, uma arte que conta ter adquirido de seu pai, um negociante “de primeira categoria”, segundo o filho. Foi assim, pela habilidade de criar teias e contatos, que seu projeto chegou aos ouvidos da Câmara Municipal da Amadora e resultou no seu mais recente mural..Em janeiro, Sepher irá ainda mais longe: fará sua primeira exposição individual em um museu fora do país. Será na Galeria Sétima, em São Paulo, uma das mais conceituadas em arte urbana no Brasil. Aproveitará de sua estadia no outro lado do Atlântico para visitar periferias de outras cidades que já foram objetos de estudo e de trabalhos seus, como Curitiba, no estado do Paraná, ou Rio de Janeiro. Sempre levando a principal bandeira na qual acredita..“A arte não é a solução para os problemas da periferia, mas contribui com uma evolução social positiva, um debate, além de tornar um ambiente mais agradável. Não acredito que vá mudar o mundo com minha pintura, mas se calhar posso contribuir para uma reflexão das pessoas sobre os problemas estruturais da sociedade”, finaliza..Veja mais imagens do mural "Kamuflados", de Sepher AWK, registadas pelo fotojornalista Leonardo Negrão.nuno.tibirica@dn.pt