No final do ano letivo 2024/2025 havia 560 alunos em Ensino Doméstico (ED) em Portugal. Um aumento de cerca de 20% face ao ano letivo anterior (466) e que contaria a tendência de descida registada desde 2021 (ver números mais abaixo), segundo dados provisórios fornecidos ao DN pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI).Em 2012/ 2013, o número total de alunos em ED era de apenas 63. Em quatro anos, passou para 620 e a tendência de crescimento manteve-se com poucas variações até 2021, ano em que um decreto-lei implementou novos requisitos para validar este tipo de ensino. Passou, então, a ser condição obrigatória o pai, a mãe ou o tutor do aluno ser detentor de um grau académico superior (licenciatura no mínimo).Para Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) há várias explicações para este aumento do número de alunos em ED e uma certeza: “Não é pela falta de qualidade da escola pública.” “Pode ser devido à profissão dos pais ou porque precisam de se deslocar muitas vezes e levar os filhos com eles. Em algumas zonas como Lisboa e Vale do Tejo pode estar ligado à falta de professores. É preciso não esquecer que estes pais têm muitas habilitações, são muito informados e têm uma opinião sobre aquilo que deve ser a educação dos seus filhos”, explica.Contudo, alerta que a escolha pode “pôr em causa a socialização” e confessa não ser, na sua opinião, “a escolha mais correta”. “Mas cada família deve ponderar e cada um sabe dos seus filhos”, conclui.Verónica Caixeiro é, há 6 anos, professora do filho Tomás, aluno do 11.º ano. O Ensino Doméstico não foi, numa fase inicial, uma escolha, mas sim uma necessidade. “Na altura, quando o Tomás ia entrar para o 5.º ano, mudei de casa em maio, ainda a tempo para procurar escola para o ano letivo seguinte. Mas a verdade é que não consegui arranjar vaga em lado nenhum para o meu filho”, recorda.Segundo conta, em outubro a criança continuava sem solução e a mãe “sem resposta por parte do Ministério da Educação”. A situação acabou por levar à intervenção da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) e à decisão pelo Ensino Doméstico. “Além de não me arranjarem vaga ainda me senti perseguida. Foi um dos piores momentos da minha vida”, confessa.Verónica Caixeiro, detentora de licenciatura e mestrado, decidiu ensinar o filho em casa. O 2.º ciclo correu muito bem, o Tomás concluiu os exames de equivalência à frequência com boas notas e iria ingressar no ensino presencial, no 7.º ano, quando a pandemia deixou o país em suspenso.“O Tomás tem uma série de complicações de saúde o que o tornava uma pessoa de risco. Não o consegui mandar para a escola quando reabriram. Por isso, continuei até ao 9.º. Dei-lhe o 7.º, 8.º e 9.º ano em casa", lembra Verónica.“Há muita falta de informação”Questionada pelo DN sobre a operacionalização do ensino em casa, a Encarregada de Educação afirma não ter sentido dificuldades. O ED, afirma, tem muitas vantagens e permite que os alunos tenham tempo e acesso a outras vivências e contextos desafiantes.“O Tomás teve tempo para ir a museus, a palestras sobre Engenharia - a área que ele gosta - conheceu a equipa da NASA, pratica râguebi, bodyboard e faz ginásio. Tem acesso a muitas atividades em várias áreas de conhecimento. Sinceramente, só ganhou em poder crescer próximo da família e com experiências que a escola não lhe poderia dar”, sublinha. E a possível falta de socialização, avança, não foi um problema, pois foi colmatada com muitas atividades extracurriculares.Verónica Caixeiro lamenta que o Ministério da Educação não queira “mostrar os milhões de vantagens deste tipo de ensino” e afirma mesmo que “há muita falta de informação” e que “o ED é tratado como um tabu”.“Há toda uma desconfiança e, em caso de dúvida, mandam mesmo a CPCJ. No meu caso, estive referenciada por cinco anos e, apesar das evidências de que o Tomás estava feliz e era bom aluno, a desconfiança manteve-se. Ao fim destes anos todos sou capaz de dizer que quem desconfia de todo o processo educacional em Portugal sou eu”, confessa.Tomás vai, este ano, regressar às salas de aula da escola. Uma decisão tomada em família e muito ponderada. Para Verónica Caixeiro chegou o momento em que o jovem precisa de conviver com os pares por estar numa fase da adolescência na qual precisa de vivenciar “os dramas típicos desta idade em contexto escolar”.E para que o filho se saiba defender e ultrapassar possíveis situações de bullying, o jovem teve, ao longo do ano letivo passado, terapia ocupacional.Verónica Caixeiro não tem dúvidas de que o filho “tem estofo para se defender” e continuará a contar com as terapeutas em caso de necessidade. O “ursinho gigante”, como se refere ao filho “meigo e doce” e que “tem conquistado todos por onde passa” começa uma nova fase da vida e a casa não será mais escola. Mas a esperança da mãe é de que a escola o possa acolher como se da casa se tratasse..Alunos têm de fazer exames para conclusão de cicloO ED é o ensino que é lecionado no domicílio do aluno, por um familiar ou por pessoa que com ele habite e tem de ser validado pelo MECI, cumprindo vários requisitos. O aluno tem de se matricular obrigatoriamente numa escola responsável pelo acompanhamento, monitorização e certificação das aprendizagens, designando ainda um professor-tutor para acompanhar o processo educativo do aluno. Para efeitos de conclusão de ciclo ou de nível de ensino, os alunos realizam na escola de matrícula as provas de equivalência à frequência nos anos terminais de cada ciclo (4.º, 6.º e 9.º anos de escolaridade). Sempre que exista oferta de prova final no Ensino Básico ou, no Ensino Secundário, de exame final nacional, estas substituem as provas de equivalência à frequência. .Professores. Mais de uma centena de horários já não têm candidatos disponíveis.Evolução do número de alunos em Ensino Doméstico2020/2021: 7232021/2022: 6232022/2023: 5312023/2024: 4662024/2025: 560.Alfredo Leite: “A questão é o que procuro dar ao meu filho que a escola não está a dar?”Psicólogo do ramo educacional e professor universitário lembra que há vários fatores que levam a optar por este tipo de ensino. Em que situações os pais devem ponderar o Ensino Doméstico?No mundo de hoje, é natural que muitos pais se perguntem se a escola é mesmo o melhor lugar para os seus filhos. Quando há bullying, ansiedade, ou quando as necessidades dos filhos parecem não estar a ser atendidas, o Ensino Doméstico surge como alternativa. Também existem famílias com projetos educativos muito estruturados, que olham para esta via como um prolongamento dos seus valores. Na minha opinião, a questão central não é apenas “se devo ou não”, mas “por que é que quero seguir este caminho e o que procuro dar ao meu filho que a escola não está a dar?”Há impacto desta via de ensino no desenvolvimento social e emocional da criança?A escola dá mais do que conteúdos académicos. Dá experiências sociais que marcam para sempre: fazer amigos, lidar com conflitos, aprender a esperar. Em casa, há espaço para segurança e atenção individualizada, mas a criança pode ter menos contacto com esse treino invisível. O impacto pode ser muito positivo em alguns casos e mais limitador noutros. O que importa refletir é: “Que tipo de experiências sociais quero que o meu filho tenha agora e que tipo de adulto espero que se torne?”Como garantir que a criança tem oportunidades adequadas de socialização?Socialização não acontece automaticamente. Exige intenção. O Ensino Doméstico pode ser enriquecido com desporto, clubes, escuteiros, encontros comunitários. Cada família terá de encontrar as suas próprias formas de criar espaços de convívio. O que importa perguntar é: “O meu filho está a viver entre pares, a criar memórias com outras crianças, ou a crescer apenas dentro de um círculo restrito?”A que sinais de alerta os pais devem estar atentos?Um olhar sem brilho, a ausência de amigos, irritabilidade fora do habitual, resistência em conviver. São sinais que pedem atenção. Nenhum, por si só, significa que o Ensino Doméstico falhou, mas todos pedem reflexão. A questão a colocar é: “O meu filho está a florescer emocionalmente ou noto que está a fechar-se num mundo demasiado pequeno?”O Ensino Doméstico pode ser benéfico para crianças com dificuldades de aprendizagem ou necessidades especiais?Em alguns casos, sim. Um ambiente mais calmo pode ajudar uma criança com dislexia, Perturbação do Espectro do Autismo (PEA), Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA). Mas também pode significar a ausência de apoios técnicos especializados. Aqui a pergunta torna-se essencial: “O que é que o meu filho ganha em casa… e o que pode perder se deixar de ter acesso a terapeutas ou professores especializados?”Em que situações pode ser aconselhável voltar ao ensino escolar tradicional?Há momentos em que os pais se sentem cansados, em que a criança pede para regressar ou em que os objetivos iniciais do Ensino Doméstico já foram alcançados. Nesses casos, regressar pode ser uma escolha tão válida como ficar. O essencial é pensar: “A vida do meu filho está a ampliar-se em experiências e relações ou a encolher?” O Ensino Doméstico não deve ser visto como certo ou errado, mas como uma decisão que pede coragem e consciência. É um caminho que pode fortalecer, mas que também pode isolar. Levanta questões sérias sobre o desenvolvimento integral da criança. Não se trata apenas de transmissão de conteúdos, mas de garantir contextos de socialização, aquisição de competências socioemocionais e exposição progressiva à complexidade do mundo real. É legítimo que os pais considerem esta via, sobretudo em situações de risco emocional, bullying persistente ou necessidades educativas específicas, mas nunca deve ser entendido como fuga à frustração ou à exigência social.