A cerca de um mês do arranque do novo ano letivo, professores, diretores e especialistas educativos não estão otimistas sobre grandes melhorias, prevendo os mesmos problemas dos anos anteriores. As medidas anunciadas pelo Ministério da Educação (ME), para fazer face à escassez de professores, não convencem, as escolas continuam a não ter computadores suficientes e uma rede Wi-Fi eficaz e as prometidas obras de requalificação ainda não arrancaram em escolas consideradas de intervenção “muito urgente”..Cristina Mota, porta-voz do movimento Missão Escola Pública, alerta para a falta de professores que, acredita, irá continuar a fazer-se sentir nas escolas, recordando o objetivo do Governo de reduzir a falta de docentes em 90% até dezembro..“Diz-nos a experiência e o nosso conhecimento da realidade que problemas estruturais, de pelo menos uma década, não se resolvem em meses. Por muito comprometido que o novo ministro da Educação pareça estar com a resolução dos problemas, o Plano [+Aulas + Sucesso] que apresenta é insuficiente. Ainda que a projeção tenha o mês de dezembro como objetivo, até essa data teremos, certamente, centenas de professores a reformarem-se sem que outros entrem no sistema”, explica..Paulo Guinote, professor de História e Geografia de Portugal (HGP), de 2º ciclo, fala numa meta de redução de alunos sem aulas “irrealista”, apenas possível “se estivermos a falar no primeiro dia de aulas, quando muitos horários ainda estão atribuídos em termos nominais, embora sem docente em condições para assegurá-los”..“Foi isso que aconteceu no ano passado, quando o anterior ministro anunciou um valor absolutamente irrealista de horários atribuídos. Sei que deve existir sempre uma atitude positiva em relação aos problemas, mas a realidade é que a verdadeira prova de tudo irá acontecer ao fim de 2-3 semanas de aulas”, adianta..O docente considera o contexto atual muito complicado, pelo que “quaisquer medidas parecem insuficientes para colmatar as falhas que se foram acumulando”. “Algumas destas medidas são do domínio quase do pensamento mágico, em especial em relação às zonas de maiores carências, como a Grande Lisboa ou o Algarve. As principais medidas em falta seriam os incentivos para quem é obrigado a deslocar-se centenas de quilómetros e arranjar alojamento. E, no caso dos contratados, garantir horário completo a quem substituir docente que tenha esse tipo de horário, mesmo que com redução da componente letiva, de modo a reduzir a possibilidade dos ‘horários compostos’”, defende. .Luís Sottomaior Braga, professor e especialista em Gestão e Administração Escolar, partilha a mesma opinião. E sublinha: “Quem saiu da profissão, por reforma ou abandono, não quer voltar, mesmo com incentivos financeiros”..Para Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), a meta de redução anunciada pelo ME é “muito ambiciosa” e “dependente do grau de adesão dos professores”..“As 15 medidas anunciadas pelo Pano +Aulas + Sucesso dirigem-se a professores dos quadros, aposentados, imigrantes, bolseiros, a jovens que pretendam ingressar em Ciências da Educação e trilhar a carreira docente. Contudo, teremos de aguardar o arranque do ano letivo e perceber se há ou não adesão às mesmas”, refere..Filinto Lima lamenta a não implementação de medidas como apoios na deslocação e alojamento dos professores deslocados, algo que seria eficaz para combater a falta de professores em zonas mais críticas (Lisboa e Algarve)..“Veremos mais alunos nas salas aconchegados com mantinhas”.Anunciadas em 2023 pelo Governo de António Costa, as prometidas obras em 451 escolas públicas (até 2030) tardam em arrancar. Estão previstas 32 intervenções “muito urgentes”, 104 “urgentes” e 315 “prioritárias”, num investimento que deverá rondar os dois mil milhões de euros, em parte financiado por fundos europeus, mas os diretores escolares não preveem que aconteçam em breve. .Filinto Lima diz tratar-se de “um processo concursal (administrativo) imensamente moroso, ao contrário da obra em si que é mais rápida, e demora menos tempo”. “Não é previsível que os alunos que frequentam escolas a necessitar de obras tenham um ano letivo descansado, e isso é muito injusto, pois a qualidade das instalações interfere diretamente no aproveitamento e aprendizagem. Infelizmente, veremos mais fotos de alunos dentro das salas de aula aconchegados com mantinhas para combater o desconforto do frio e de outros constrangimentos”, lamenta. .Cristina Mota também mostra preocupação pela falta de obras nas escolas, que “deveriam ter ocorrido logo após o término das aulas, de modo a não causarem constrangimentos e de forma a acautelarem o próximo inverno”. “Há escolas sem qualquer intervenção desde a sua construção, muitas com 40 anos. Ainda que tenham lugar durante o mês de agosto, serão intervenções que funcionarão como remendos em botas que precisam de meias-solas. No entanto, tem de se começar por algum lado, por isso comece-se!”, pede. .Paulo Guinote sublinha não ser possível resolver os problemas do edificado “num mês ou num período” e também relembra haver escolas onde a falta de obras se arrasta há décadas. “Dou o exemplo da minha própria escola, na qual os alunos não têm pavilhão desportivo, sendo obrigados a sair do recinto escolar para usar um Pavilhão exterior. Há décadas que a situação se arrasta. Do mesmo modo, a climatização de centenas de escolas é profundamente insuficiente”, adianta..Escolas ainda com amianto.A escola Eugénio de Andrade, no Porto, é uma das que esperam há dezenas de anos por melhores dias. Listada como um dos estabelecimentos de intervenção “muito urgente”, continua a sofrer com a degradação do edifício e conta com zonas onde ainda há amianto (no polidesportivo e nas coberturas exteriores de acesso às salas de aula)..Emídio Isaías, diretor do Agrupamento de Escolas Eugénio de Andrade, diz não entender “a razão que leva o governo a não assinar o contrato com a autarquia para financiamento da reabilitação desta escola, pois ela faz parte da lista das 32 escolas que foram identificadas como de intervenção muito urgente”..“Enquanto não forem transferidas para a autarquia as verbas assumidas pelo governo para requalificar a escola, os problemas sentidos ao longo dos últimos anos vão agravar-se, pois a degradação das infraestruturas e do edificado também se vai agravando com o passar do tempo. Não vão ser as pequenas reparações e a conservação/manutenção que neste momento é possível realizar pela autarquia que vão alterar as condições que esta comunidade escolar infelizmente enfrenta todos os dias e que interferem de forma inequívoca na qualidade do ensino-aprendizagem e no sucesso que desejamos para todos os nossos alunos”, explica. .O inverno passado ficou marcado por “muito frio nas salas de aula, infiltrações de água, humidade, questões relacionadas com a rede de internet, problemas com eletricidade”. Segundo o responsável, o cenário irá repetir-se. Pede, por isso, uma intervenção célere, identificando “o pavimento do pavilhão gimnodesportivo e a cobertura do polivalente no edifício principal”, como obras mais urgentes..A Associação de Pais do Agrupamento de Escolas Eugénio de Andrade faz o mesmo pedido e diz estar em causa a segurança de alunos, professores e pessoal não docente. “A chuva trouxe diversos obstáculos, pois entrou em vários espaços do edificado da escola, como o polivalente, o ginásio e algumas salas, mas também a deterioração do piso exterior, já por si em muito mau estado. Estas situações colocam em risco todos aqueles que circulam e permanecem no recinto escolar”, avança a associação de pais ao DN. Os pais garantem que “outras dificuldades se vão manter se nada for feito, quer a nível do edificado, quer a nível de recursos humanos, nomeadamente o número de Assistentes Operacionais”..Ainda há alunos sem o kit digital.A carência de meios informáticos e a rede de WiFi “fraca” também estão na lista de preocupações de diretores e professores, que temem constrangimentos ao longo do ano e aquando da realização de provas e exames digitais. Filinto Lima diz ainda haver alunos sem o kit digital, embora seja “expectável que todos os discentes, até ao dia 12 de setembro, tenham à sua disposição, o material informático”. O diretor da ANDAEP pede intervenção urgente na rede WiFi e no material digital. “Em algumas escolas, a rede é fraca, necessitando de ser fiável. Apesar das boas intenções em ambas as situações, até ao momento a evolução é quase nula. É urgente dotar as escolas de uma rede WiFi fiável e dotar todos os alunos de material digital”, sustenta. .Uma preocupação acrescida num ano em que as provas de 9º ano serão feitas, pela primeira vez, em formato digital. Algo que deveria ter acontecido este ano letivo, tendo o ME voltado atrás na decisão do anterior Executivo por considerar não estarem reunidas as condições necessárias para a sua realização..Cristina Mota prevê ainda mais constrangimentos comparativamente ao ano anterior, pois, conta, o Movimento Missão Escola Pública não tem conhecimento “de quaisquer melhorias neste sentido”. “Não há recrutamento de técnicos especializados nem de meios físicos para a solução, a curto prazo, deste problema. Acreditamos que poderá ser ainda pior este ano. Muitos hotspots perderam contrato e muitos equipamentos ficaram estragados. Além disso, não é o orçamento dado às escolas para comprar novos equipamentos que vai resolver a não existência de quem repare quando as coisas avariam”, explica..A porta-voz do movimento lembra que a disciplina de Informática “é uma das que mais carências já revelou, ainda que tenham sido atribuídas horas extraordinárias aos colegas”. “Das duas uma, ou essas horas são para repararem computadores, ou são para fazer face às turmas sem professor. Neste aspeto, é imprescindível que as escolas contratem técnicos para resolverem as avarias dos equipamentos”, sublinha. .Paulo Guinote faz o mesmo apelo, lembrando que “uma escola digital a sério implica um investimento elevado e permanente que não se esgota na aquisição de equipamentos low cost que rapidamente se revelam inadequados”. Já Luís Sottomaior Braga não tem dúvidas da continuação dos problemas informáticos, até porque “há computadores em uso com mais de 12 anos”.