Para milhares de alunos o novo ano letivo arranca esta quinta-feira, 11 de setembro. As aulas começam entre hoje e 15 de setembro para os cerca de 1,3 milhões de estudantes do 1.º ao 12.º ano. Um regresso às escolas com novos desafios tanto para os estabelecimentos de ensino como para os alunos. Os estudantes de 1.º e 2.º ciclos não vão poder levar os smartphones para a escola, uma decisão implementada pela primeira vez. A alteração afeta ainda a utilização de manuais digitais, proibida no 1.º ciclo e condicionada no 2.º e 3.º ciclos. Este “passo atrás” segue a lógica de países como a Suécia ou a Dinamarca, pioneiras do digital no ensino.Em declarações ao DN, José Alberto Lencastre, docente e investigador de Tecnologia Educativa no Instituto de Educação da Universidade do Minho, doutorado em Educação Online, é contra estas decisões e afirma mesmo tratarem-se de um erro “que acabaremos por pagar mais cedo ou mais tarde”. O especialista lamenta a “desinformação que quer fazer acreditar que a Suécia, por exemplo, acabou completamente com a utilização da tecnologia das escolas”. “ A ideia inicial dos suecos foi de aplicar o digital a 100% e o que está a acontecer é a passagem para um sistema híbrido. Não abandonaram o digital”, explica. O mesmo sistema, conta, foi o existente até agora no nosso país. “Estamos no sistema ideal e fico triste, mais ainda do que com a proibição dos telemóveis, com a medida dos manuais digitais. Voltar atrás e proibir é sempre um mau princípio”, afirma. Para o responsável, estas medidas são claramente prejudiciais para a formação dos alunos. “É na sala de aula que os alunos aprendem a regulação da utilização da tecnologia. A escola estava a fazer esse papel, para um futuro mais adaptado, mais regulado e com alunos mais preparados”, justifica. José Alberto Lencastre vai mais longe e sublinha não ser a escola o problema “do acesso ao TikTok” e a uma utilização não controlada das redes sociais. “ A maior parte das dificuldades apontadas é a utilização do telemóvel fora da sala de aula, em detrimento do convívio nos intervalos. O que é preciso é alternativas nos intervalos. Continuo a achar que a escola é um elemento fundamental para fazer uma utilização regulada do digital e que é preciso trabalhar com os pais, que têm um papel fundamental”, afirma. O especialista lembra ainda a “elevada aposta na formação dos professores no digital” e nas vantagens comprovadas no processo de ensino-aprendizagem. Por isso, salienta, este passo atrás vai retirar à escola o papel de mediador e regulador, inexistente fora da escola para muitos alunos. Já para Pedro Barreiro, secretário-geral da Federação Nacional da Educação (FNE), “não podemos olhar para estas medidas como um retrocesso, mas sim como um convite à reflexão”. “O digital deve ser um recurso pedagógico equilibrado e devidamente enquadrado, nunca uma substituição acrítica de todos os instrumentos de ensino e aprendizagem. Os manuais digitais revelaram-se pouco eficazes em muitas situações, quer por dificuldades de acesso, quer por limitações técnicas”, explica. Sobre a proibição dos telemóveis a leitura também não deve ser encarada como rejeição do digital, “mas como uma medida de regulação, para que o seu uso seja intencional, pedagógico e seguro”. “O que a FNE defende é que o digital seja colocado ao serviço da pedagogia e não o contrário. Precisamos de investimento em equipamentos, formação de professores e estratégias bem estruturadas, para que o digital seja uma mais-valia no processo educativo”, conclui. Sobre estes novos condicionamentos nas escolas, Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) diz ser necessário “promover um debate alargado” porque se trata “de uma ferramenta fundamental para todos, principalmente ao nível do trabalho escolar e profissional”.A proibição da utilização dos telemóveis também merece críticas por parte do responsável da ANDAEP, pois entende não ser a escola o local onde os alunos passam mais tempo agarrados ao ecrã. “Passam horas na rua, no automóvel, no autocarro, no restaurante com os seus pais, em casa, na cama (quando supostamente deveriam estar descansar) e, parece, o problema/desafio é só da escola”, lamenta. A decisão do Governo, diz, é uma “incongruência, salpicada de hipocrisia da sociedade, fere as escolas, que aumenta a responsabilidade dos seus profissionais, diminuindo (aparentemente) a incumbência dos pais e encarregados de educação, principalmente dos que bateram palmas à decisão, e lá em casa não impõe regras e, pelo contrário, até fomentam o uso do telemóvel”. Os professores da Missão Escola Pública (MEP) não são contra a transição digital, mas exigem condições: “Infraestrutura digital em todas as escolas e garantia de equidade no acesso a recursos para todos os alunos.” “Já se percebeu, por exemplo, que nos primeiros ciclos os manuais digitais não trazem benefícios. Mas em áreas como a redução da burocracia e o apoio a metodologias inovadoras em sala de aula, o digital pode ser decisivo para melhorar práticas e libertar tempo para o que realmente importa: ensinar e aprender”, adianta ao DN a porta-voz da MEP, Cristina Mota.Desafio para este novo ano é o mesmo dos anos anteriores: mitigar a falta de professoresPara a MEP, este será mais um ano letivo marcado por alunos sem aulas “mas agora com a agravante de haver nas escolas recursos humanos sem experiência e sem formação para responder às exigências de salas de aula cada vez mais complexas”. A MEP acredita que, “à semelhança do que aconteceu na Suécia, se vai comprovar a ineficácia da maioria das medidas apresentadas pelo MECI no plano Mais Aulas, Mais Sucesso”. Há ainda, segundo Cristina Mota, “um rastilho à espera de faísca”, com a reação dos professores à revisão do Estatuto da Carreira Docente. “Neste momento, já se sente nas escolas maior agitação e perda de paciência. Os professores aguardam há mais de um ano por medidas que foram anunciadas: revisão salarial, fim das vagas para progressão ao 5.º e 7.º escalões, compensações para quem ficou de fora do acordo da recuperação do tempo de serviço, revisão do modelo de avaliação e diminuição da burocracia”, alerta.Problemas que também preocupam Filinto Lima, que reitera a necessidade da atribuição de um apoio aos professores na estadia, “principalmente aos que ficam colocados a centenas de quilómetros de casa e têm necessidade de pernoitar fora da sua habitual residência”. Este ano, acrescenta, “não será muito diferente do ano anterior, com falta de professores, com o acréscimo de alunos filhos de imigrantes, acompanhado pelo desafio da proibição do uso de telemóveis com acesso à internet e a (continuação) requalificação das mais de 500 escolas sinalizadas”. .4 perguntas a Pedro Barreiros, secretário-geral da FNE“Este será um ano letivo marcado por desafios particularmente exigentes” Este será um ano letivo mais complicado do que o anterior no que se refere à falta de professores?Todos os anos voltamos a falar da falta de professores porque nunca foram implementadas medidas estruturais capazes de inverter esta realidade. O problema não surgiu de repente: há mais de duas décadas que a FNE alerta para os riscos da desvalorização da profissão, da estagnação salarial e da ausência de perspetivas de carreira. Já em 2002, a FNE afirmava com clareza: “Não há professores a mais, há respostas educativas a menos”, mas não foi ouvida. O resultado está hoje à vista: envelhecimento acentuado da classe docente, e incapacidade de atrair jovens em número suficiente para responder às necessidades do sistema educativo. Assim, tudo indica que tal como em anos anteriores que muitos alunos, em determinadas zonas do país, nomeadamente na Grande Lisboa, Setúbal, Alentejo e Algarve, iniciarão o ano letivo sem todos os professores de que necessitam, o que compromete a qualidade e a equidade das aprendizagens.E que soluções devem ser encontradas para fazer face ao problema?Se não forem reforçados os cursos de formação inicial e assegurada a entrada de novos docentes devidamente qualificados, o problema tenderá a agravar-se, sobretudo perante a perspetiva de mais de 4000 aposentações anuais ao longo da próxima década.O que se pode esperar do ano letivo 2025-2026?Este será um ano letivo marcado por desafios particularmente exigentes. Desde logo, pela falta de professores e eventualmente de trabalhadores de apoio educativo, mas também pela necessidade de concretizar medidas que valorizem as carreiras, reforcem a confiança e tragam esperança num futuro melhor. Será um ano especialmente importante porque se prevê a abertura de diversos processos negociais decisivos, designadamente a revisão do Estatuto da Carreira Docente e do modelo de Avaliação do Desempenho Docente, entre outros. O nosso objetivo é claro: esperamos que estes processos negociais possam permitir avanços e se traduzam num impacto positivo na perceção da sociedade sobre a importância da profissão docente para o desenvolvimento do país, na valorização da carreira e na satisfação profissional daqueles que já estão na escola, mas também na capacidade de atrair os jovens para esta bela profissão.O ano letivo anterior ficou marcado por greves do pessoal não docente…O papel dos Trabalhadores de Apoio Educativo é fundamental para o bom funcionamento das escolas e para a promoção de uma educação de qualidade. É urgente que, de uma vez por todas, sejam alvo da devida atenção, com melhorias nas condições de trabalho, definição clara dos conteúdos funcionais e formação inicial bem como na criação de condições adequadas para a formação contínua, ainda a abertura de concursos que permitam a vinculação destes profissionais, pondo fim a anos sucessivos de precariedade e dotando as escolas de todos os recursos humanos de que necessitam. Apesar das dificuldades, acreditamos que, com a dedicação dos profissionais da educação, os alunos continuarão a encontrar na Escola Pública uma resposta de qualidade.