Negacionistas nas Forças Armadas. Há centenas de militares que recusaram a vacina contra a covid-19

A percentagem de militares no ativo que recusou a vacina está bastante acima da média nacional e no caso da Armada supera em cinco vezes. Os Ramos desvalorizam, garantem que os riscos são acautelados e frisam que a vacinação é "voluntária"

Na Marinha são cerca de 800 (10% do efetivo), no Exército 756 militares (6%) que não quiseram ser vacinados. A Força Aérea recusa-se a divulgar os dados sobre a vacinação contra a covid-19.

As percentagens assumidas pelos dois Ramos superam significativamente a estimativa de recusa de vacinação na sociedade civil, na casa dos dois por cento (2,3%, cerca de 250 mil pessoas concentradas essencialmente nos grupos etários dos 12 aos 50 anos, de acordo com dados entretanto atualizados pelo DN).

Várias fontes militares garantiram ao DN que "há negacionistas nas Forças Armadas" e que estão a por em causa operações, dando como exemplo os recentes surtos em navios da Marinha, mas essa afirmação é negada pelos comandos e as próprias associações militares têm dúvidas.

Na passada semana a Marinha anunciou um novo surto de covid-19 na fragata Corte Real, integrada na Força Naval Permanente n.º 1 da NATO, atracada em Karlskrona, na Suécia. Segundo informou entretanto o Ramo, neste navio todos os militares estavam vacinados - até porque isso é obrigatório em missões internacionais como é este caso.

Segundo o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) a situação "não teve impacto na continuidade da missão", mas os infetados (até esta segunda-feira 35 dos 182 que constituem a guarnição) estão a dormir ao relento no hangar do navio, a viajar da Suécia para a Noruega, com temperaturas vários graus abaixo de zero, segundo fonte que está a acompanhar o caso. O DN pediu explicações ao EMGFA, mas não obteve resposta.

É o segundo surto (pelo menos que tenha vindo a público) sofrido pela Armada no espaço de três meses. Em Agosto foi no NRP Douro, destacado na Madeira, que obrigou toda a tripulação a abandonar o navio e a ficar confinada num hotel do Funchal, incluindo a própria comandante.

Neste caso a missão, que terminou esta semana, de fiscalização de atividades pesqueiras e apoio à Proteção Civil em missões de busca e salvamento, ficou mesmo comprometida e teve de ser enviado de Portimão o NRP Sines para reforçar o dispositivo naval na Zona Marítima da Madeira.

Em ambos os casos levantou-se a suspeita nos meios da Defesa sobre se todos os militares embarcados estariam vacinados - o que limitaria a propagação da infeção e os sintomas da mesma - mas nem o EMGFA, nem a Marinha o corroboram.

Na NRP Douro haveria um militar nessa situação, que foi vacinado posteriormente, mas o Delegado Regional de Saúde do Funchal, Maurício Melim, recusou-se a confirmar ou negar esta informação dada como certa nos meios militares daquela região autónoma.

Negacionistas fora de bordo?

Oficiais da Marinha, que pediram anonimato, disseram ao DN que tiveram conhecimento de outros surtos em embarcações onde estavam negacionistas a bordo e que há comandantes que têm referido esse facto às autoridades de saúde.

O DN pediu ao EMGFA no passado dia sete de novembro dados concretos sobre o número de militares que não foram vacinados, as razões apresentadas, se se trata de negacionistas, se foram sujeitos a restrições, se foram empenhados em missões operacionais, se estavam militares não vacinados na NRP Douro e na Corte Real, o número de surtos registados e que medidas iriam ser tomadas, a responsabilidade do EMGFA no Plano de Vacinação nas Forças Armadas e se iria propor alguma medida em relação aos alegados negacionistas. "Relativamente a este assunto, contacte a Marinha", respondeu o porta-voz do Chefe de Estado-Maior, almirante Silva Ribeiro.

Apesar da insistência do DN para que respondesse, pelo menos, as perguntas relacionadas como as suas competências na matéria, não houve reação até ao fecho desta edição.

O gabinete do Chefe de Estado-Maior da Armada (CEMA), almirante Mendes Calado, não revela o número de não vacinados, mas assume que "presentemente a Marinha tem 90 % dos seus militares, militarizados e civis vacinados, embora este valor oscile em função das admissões e saídas que se verificam continuamente". O que quer dizer que os 10% de não vacinados correspondem a 800 dos cerca de 8000 militares da Armada.

Mas a Marinha deixou sem resposta a maior parte das outras questões, apesar de termos reforçado esse pedido ao longo da última semana.

A porta-voz oficial sublinha que "a vacinação na Marinha assume caráter voluntário, sendo a recusa declarada por escrito, não havendo lugar a apresentação de justificação para a recusa", não ficando claro o que acontece a quem se encontra nesta situação.

Apesar de não terem sido pedidos dados pessoais, para a Armada as informações solicitadas pelo DN sobre o "estado da vacinação" estão "protegidas ao abrigo do Regime Geral de Proteção de Dados, pelo que apenas os serviços de saúde competentes, no âmbito das suas funções, poderão ter acesso àquele tipo de informação".

Esta fonte oficial não é explícita sobre se um não vacinado pode embarcar numa missão - que no caso da Marinha são normalmente em espaços fechados dos navios com elevado potencial de propagação de uma infeção - limitando-se a dizer que "no contexto da gestão de pessoal, a movimentação e colocação de militares tem que obedecer aos requisitos operacionais e aos riscos associados a cada missão, sendo os órgãos de gestão de pessoal, que incluem os serviços de saúde, competentes para garantir o cumprimento dos referidos requisitos, podendo a situação da vacinação ser um deles".

Segundo o gabinete do CEMA, de acordo com o plano de resposta que está em vigor contra "uma potencial epidemia ou pandemia de doenças transmissíveis pelas vias respiratórias ou através de contacto com superfícies e objetos", a Marinha "tem implementadas diversas medidas de proteção, nomeadamente nos contextos de maior risco, como é o caso dos navios", sendo as mesmas avaliadas como "adequadas, como comprova o facto de a Marinha continuar a cumprir a sua missão desde o início da pandemia.

Restrições só mas missões internacionais

O Exército foi mais objetivo, não deixando nenhuma das questões (as mesmas que do EMGFA e Marinha, à exceção dos casos dos navios) por responder.

É assim que reconhece ter 756 militares que não estão vacinados, o que neste ramo corresponde a 6,3% do total de cerca de 12 000 que constitui o seu efetivo.

O gabinete do Chefe de Estado-Maior do Exército (CEME), Nunes da Fonseca, "desconhece" as razões invocadas por estes militares e se se tratam de negacionistas.

A porta-voz oficial adianta que "até à data não existem restrições específicas para o grupo de militares que não está vacinado", sublinhando que "o Exército mantém implementado o plano de testagem periódica nas Unidades, de acordo com a missão e a avaliação de risco, conforme Plano de Contingência para a Covid-19" e que "adicionalmente mantêm-se em vigor as medidas de distanciamento, uso de máscara, desinfeção e arejamento frequentes das instalações, a fim de reduzir o risco de transmissão do SARS-CoV-2".

No entanto, salientam que "existem restrições na participação em Forças Nacionais Destacadas", uma vez que de acordo com "as recomendações do Centro de Epidemiologia e Intervenção Preventiva do Hospital das Forças Armadas (CEIP/HFAR), vertidas nas Ordens do Exército, só podem ser destacados para missões fora do território nacional, militares que estejam vacinados, sendo a recusa em ser vacinado critério de exclusão da missão".

O Exército afirma que neste momento "não existem surtos ativos", admitindo que, "pontualmente ao longo destes 36 meses foram sendo detetados clusters de casos em diversas unidades do Exército que foram prontamente abordados de acordo com as regras implementadas à data e não desencadearam surtos, embora tenham exigido muitas vezes a restrição e suspensão de atividades programadas, nomeadamente no que à formação diz respeito".

Dúvidas das associações

As associações militares analisam a situação com alguma reserva por não estarem na posse de todos os dados que lhes permitam fazer uma avaliação sustentada.

"Militares que recusam vacinar-se causa-nos muita surpresa, não faz nenhum sentido que os militares não se protejam e aos camaradas", assevera Lima Coelho da Associação Nacional de Sargentos. Este dirigente associativo defende que "a taxa de vacinação devia ser 100% nas Forças Armadas, incluindo pelo exemplo que devem dar à população".

Paulo Amaral, presidente da Associação de Praças, entende que "não deve haver restrições" para os militares que se recusam a ser vacinados contra a covid-19.

"A vacinação não é obrigatória e a informação que temos é que quando são empenhados têm de ser vacinados. Haverá sempre, tal como em todas as franjas da sociedade, quem não queira".

No caso na Marinha, a cujo Ramo pertence, pensa que "os militares não devem ser impedidos de embarcar se não estiverem vacinados, mas cada um deve ter a consciência de se precaver e aos outros".

Este cabo-mor não considera "que seja primordial que o CEMA obrigue os militares a vacinarem-se pois tal também não é obrigatório para a população em geral", mas admite que "se calhar seria preciso haver alguma determinação para impor essa obrigação quando se é destacado para missões".

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