Luís Neves parte para o terceiro mandato à frente da PJ
Carlos Carneiro

Luís Neves parte para o terceiro mandato à frente da PJ

Em seis anos, Luís Neves transformou a Judiciária: tem quase o dobro de inspetores e de peritos. E uma PJ digital e tecnologicamente avançada.
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Aos 59 anos, o diretor nacional da PJ parte para o seu terceiro mandato à frente da PJ.  A comissão de serviço já tinha terminado a 18 de junho e teve de esperar quatro meses para se ver de novo nomeado.

Luís Montenegro decidiu que era o homem certo e insubstituível neste momento. Em seis anos, Luís Neves transformou esta polícia: tem quase o dobro de inspetores e de peritos. E uma PJ digital e tecnologicamente avançada. 

Quando, no seu discurso de tomada de posse, o novo Procurador-Geral da República, Amadeu Guerra, anunciou que pretende “envolver a Polícia Judiciária de forma efetiva” nas investigações de crimes de corrupção, bem como na criminalidade económico financeira “face ao aumento recente dos seus meios humanos: inspetores peritos e meios tecnológicos”, demonstra que estão ganhas as apostas para o caminho percorrido, nos últimos seis anos, por este corpo superior de polícia.

E é um  sinal de que está a contar com Luís Neves, com o qual já trabalhou em vários processos contra o crime violento e organizado. E com as novas capacidade da PJ.

Um retrato negro

O ponto de viragem começou em 2018, com a entrada de cena de Luís Neves, coordenador superior da PJ e antigo diretor da Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT), que tomou posse em junho desse ano como diretor nacional.

No seu primeiro discurso nesse cargo, na cerimónia do 73º aniversário da PJ, o recém-chegado diretor não poupou as palavras nas reivindicações e a então ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, não tinha ainda as respostas.

Um quadro de investigadores “dos mais reduzidos da sua longa história, com a média de idades acima dos 48 anos, a mais elevada de sempre”; um orçamento para a “aquisição de bens e serviços inferior ao de 2005”, apesar da “degradação de instalações e dos parques informáticos e automóvel” – foi este o retrato negro que traçou numa cerimónia subordinada ao tema “A Policia Judiciária e os Direitos Humanos”. 

No ano em que se comemoravam os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e os 40 anos da Adesão de Portugal à Convenção Europeia de Direitos Humanos, a PJ abriu, pela primeira vez as portas, num evento desta natureza,  a comunidades religiosas (católica, islâmica, judaica e ismaelita), a associações (SOS Racismo, ILGA, Mulheres contra a Violência, APAV), a organizações (Observatório para o Tráfico de Seres Humanos). 

Luís Neves começava a marcar a sua liderança. “Não pactuamos com intolerância e somos e seremos firmes perante os crimes de ódio, enfrentando todas as formas de extremismo de natureza criminal fundadas em preconceitos ou motivos ideológicos e confessionais”, afiançou.

Olhando apenas para o que foi sendo publicado nos jornais até esse ano, além das operações e investigações, a PJ era também notícia por situações como a de um abaixo assinado, subscrito por 90 dos 110 inspetores da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC), a denunciar uma “dramática” falta de meios materiais e humanos; que os investigadores corriam risco de vida “em face do carácter obsoleto das viaturas” que usavam; e que fosse os “próprios suspeitos a financiar a logística informática essencial à investigação e à prova”, dando dois exemplos. 

Um, nas buscas na altura realizadas no âmbito da “Operação Labirinto”, que ficou conhecida como o “caso dos visto gold”, durante a qual uma das viaturas a caminho de uma das buscas “ morreu” na A8. 

Outro nas buscas da investigação ao BES (cujo julgamento começou nesta semana) em que tiveram de “pedir aos responsáveis do banco caixas emprestadas para guardar os documentos apreendidos e suportes informáticos (discos externos) para copiar os dados que estavam nos servidores do banco”.

Em agosto de 2017 outra notícia dava conta de que a diretoria da PJ de Faro não teve inspetores suficientes para garantir a prevenção de terrorismo durante 11 dias desse mês, habitualmente preenchida por sete elementos da Secção Regional de Combate ao Terrorismo e                                      Banditismo. Um dos períodos tinha coincidido com os atentados de Barcelona (a 17). 

Para o sindicato dos inspetores, era o “culminar de todo um desinvestimento em recrutar novos inspetores”, cujo quadro está preenchido em apenas cerca de 50%.                                                                                 

“Polícia pequena mas de grande conhecimento”

No discurso de aniversário de 2019, Luís Neves já assinala uma luz ao fundo do túnel, anunciado que 120 novos inspetores iriam iniciar funções no início do ano seguinte, dando também posse a 39, todos de um concurso que de arrastava desde 2014. Foram ainda desbloqueadas outras 100 vagas para inspetores.

Na sua primeira entrevista, concedida ao Diário de Notícias a 30 de maio de 2020, assumiu a sua ambição: “quero ver uma polícia mais motivada porque percebe agora que os meios estão a regressar. As pessoas estão mais confiantes. Somos uma instituição em que o cidadão confia. O que permite acreditar nisso é este reforço da capacitação de meios humanos, tecnológicos, materiais e instrumentos legais. Tudo isso vai permitir ter uma polícia pequena, mas muito evoluída e capacitada e repleta de profissionais com grande conhecimento. É esse o meu desígnio, de gente humilde que procura fazer muito”.

O caminho nos anos seguintes foi sendo feito, não sem reparos e pressão sobre a tutela. “A dimensão e complexidade das investigações implicam que se aloque um número considerável de meios a uma realidade e, sendo o número exíguo, não podemos estar onde queremos, como, e quando queremos. Conhecer esta insuficiência é meio caminho para a solucionar”, avisava Luís Neves em 2020.

Nesse ano, esperava por “um reforço dos quadros da investigação criminal na ordem dos 30% do efetivo”. 

Em 2021 dizia: “No presente a PJ tem uma gestão periclitante. As suas atribuições não encontram correspondência nos meios disponíveis. Todos os dias somos confrontados com a evidência que devíamos ser mais proativos, mais céleres na repressão. 

Novas admissões e otimismo

Em 2022 sublinhava a “proatividade” do gabinete de Francisca Van Dunem na aprovação de novas admissões e um “orçamento que dignifica a instituição”.

No seu último discurso, no 78º aniversário, em outubro de 2023 antes da queda do governo (em novembro desse ano), Luís Neves fazia um balanço otimista: “afirmamo-nos como uma instituição fortalecida, cada vez mais apetrechada, em todos os sentidos da palavra, para servir os cidadãos”. Recuou cinco anos, para lembrar que, “para um quadro de 2000 inspetores” tinham em 2018 “apenas 968”. 

Que em 11 anos (2010 e 2021) não tinha entrado, por concurso externo “qualquer Especialista de Polícia Científica para as áreas periciais: Unidade de Perícia Tecnológica e Informática e Unidade de Perícia Financeira e Contabilística”. 

Um ciclo que, sublinhou Luís Neves, se tinha invertido: a PJ tinha 1200 inspetores, aos quais se somaram mais cerca de 600 do ex-SEF – o seja, praticamente duplicou o número de investigadores.

Do ponto de vista tecnológico, como destacou ao DN a diretora nacional adjunta Luísa Proença, os avanços têm sido tais que “a este ritmo, a PJ, em 2025, estará irreconhecível”.

A projeção internacional da PJ foi também marcando, tanto em investigações conjuntas internacionais, como na realização de grandes eventos na sua sede, como foi a apresentação, em 2021, do Relatório de Avaliação da Ameaça do Crime Grave e Organizado da UE (SOCTA), produzido pela Europol.  

Ou a  Metadata Law Enforcement Conference, que juntou 27 Chefes de Polícia de 25 Estados que, no final, assinaram uma declaração comum – a Declaração de Lisboa – sobre os constrangimentos para a investigação criminal que decorrem da proibição de utilização de metadados comunicações armazenados para fins de investigação criminal.                                        

Luís António Trindade Nunes das Neves ingressou na PJ em 1995. Foi diretor nacional adjunto da Direção Central de Combate ao Banditismo e diretor da UNCT, onde dirigiu processos históricos como da organização terrorista ETA, Tancos, skinheads, Hell Angels, ou o do agente duplo do SIS.

Licenciado em Direito, Luís Neves frequentou o curso National Academy do FBI, além de outras formações naquela congénere norte-americana da PJ.

Do lado da solução

"Estamos sempre do lado da solução", declarou quando assumiu a integração de todos os inspetores do ex-SEF nos quadros ds PJ, "salvando" o então ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, daquele que poderia ser um problema complexo para resolver, com a extinção da polícia de estrangeiros e fronteiras em 2023.

Fez também parte da solução, juntamente com o ex-secretário-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI), embaixador Paulo Vizeu Pinheiro, quando conseguiu um acordo para que oa Gabintes Europol e Interpol, que estavam da PJ, fossem integrados no Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional no SSI.

Nestes seis anos foram as inúmeras as operações que deram visibilidade à PJ, começando a evidenciar maiores capacidades e celeridade. Foi, por exemplo, o caso da Operação Vortex, em janeiro de 2023, com a detenção, entre outros,  cujo julgamento de dois ex-presidentes de câmara está já a decorrer.

Ou da maior investigação de sempre aos negócios da Defesa, envolvendo o próprio ministério, como menos de um ano entre as primeiras detenções e a acusação. 
Foram detidas vários suspeitos jovens de crimes no âmbito da criminalidade grupal, os gangues juvenis.

A mega operação na Madeira que atingiu a cúpula do governo daquela região autónoma, a captura do banqueiro João Rendeiro e, mais recentemente, as detenções do triplo homicida de Lisboa e de um dos fugitivos da cadeia de Vale de Judeus, foram outros casos a marcar o mandato de Luís Neves.

Com uma personalidade muito diferente da generalidade de  outros dirigentes policiais - pautada por raras declarações públicas - Luís Neves deu a cara com surpreendente frequência, como no caso do duplo homicídio no centro islamita quando estancou a escalada de interpretações xenófobas em relação ao suspeito (um refugiado afegão) afastando qualquer motivo terrorista; ou quando, após o homicídio do estudante cabo-verdeano, Luís Geovani, foi pessoalmente a Bragança afastar motivações racistas.

Mas este perfil também foi motivando algumas críticas como a de algum excesso de protagonismo, contrariando a reserva que algumas opiniões entendem que deve ter um dirigente máximo de uma polícia.  

O impasse na nomeação de Luís Neves – teve mesmo de ser uma nova nomeação, pois o prazo da recondução foi ultrapassado – ter-se-á devido, de acordo com várias fontes políticas e do setor judicial, a uma tentativa de encontrar alguém com um perfil mais próximo do padrão.

A Luís Montenegro terão chegado algumas propostas. Depois de ouvir argumentos, incluindo o novo PGR Amadeu Guerra, muito próximo de Luís Neves, decidiu manter o diretor nacional à frente de uma PJ reforçada, motivada (não esquecer o suplemento de missão de mais de 1000 euros que também Luís Neves conseguiu para a sua “casa”) e empenhada em apresentar resultados.

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