O número de horas extraordinárias realizadas pelos médicos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) diminuiu nos primeiros quatro meses de 2025 (de janeiro a maio) face ao mesmo período de 2024, de 2 636 275 horas passou para 2 493 908, mas, mesmo assim, para sindicatos da classe e administradores hospitalares são “números brutais”, que continuam a refletir “a realidade do SNS”, que “sobrevive à custa da sobrecarga dos profissionais”. A questão é que às horas extraordinárias feitas por médicos do SNS há ainda que juntar as horas realizadas por médicos que não são do SNS e que prestam serviços, sendo pagos à tarefa. E o número destas disparou, de 2 015 805, em 2024, para 2 365 803, em 2025.Ou seja, reforçam os mesmos, quer horas extras quer a prestação de serviços, que deveriam ser pontuais, "passaram a integrar o sistema". A questão também é que tanto num como noutro caso, a despesa total disparou também. Até maio de 2024, o SNS já tinha pagado 107 970 797 euros por horas extraordinárias a médicos dos quadros. Este ano, no mesmo período, pagou 114 035 603 euros, o que traduz um aumento de 5,6%. Em relação à despesa das horas por prestação de serviço, o aumento ainda é mais significativo: de um total de 81 707 424 euros pagos até ao final de maio de 2024, passou-se para 99 644 238 euros, no mesmo período deste ano: um aumento de 21,9%. Para o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), Xavier Barreto, “os números refletem a realidade, quando o cenário ideal era que o SNS não precisasse nem de horas extras nem de horas em prestação de serviço, só em casos excecionais. O ideal era que o SNS conseguisse recrutar e contratar médicos em número suficiente para que estas horas desaparecessem totalmente”. No entanto, assume, “mal por mal, preferimos as horas extraordinárias feitas por profissionais da casa, que já conhecem os serviços, as equipas e até os doentes, do que as horas feitas por prestadores de serviço, que não conhecem este ambiente, fazem o turno e vão-se embora”. .Como diz Xavier Barreto, o número de horas extras realizadas por médicos “é uma preocupação para a APAH” - embora, recorde, que "o problema não é só desta classe, os enfermeiros estão na mesma situação” - pois reflete “um grupo de profissionais muito cansado, que trabalha muito mais horas do que aquilo que deveria trabalhar. E isso tem, naturalmente, consequências quer na qualidade do trabalho quer na motivação. Ninguém fica motivado e satisfeito com o trabalho quando lhe é exigido mais do que aquilo que seria expectável à partida”.O administrador destaca mesmo que o cenário poderia "ser pior" se o movimento de protesto de há dois anos, contra mais horas extras além das legais, continuassem com a mesma dimensão. "Teve um impacto brutal. Portanto, “o cenário só não é pior pelo empenho e boa vontade dos profissionais” - no verão de 2023, o Movimento dos Médicos em Luta (MML), formado por um grupo de médicos de Viana do Castelo, lançou o repto de recusa às horas extras e os médicos aderiram. Agosto foi um mês de grande pressão nas urgências, em setembro fecharam vários serviços e, em outubro, o então diretor executivo, Fernando Araújo, alertava para o facto de “novembro poder ser um dos piores meses do SNS”. Nem mesmo com o pagamento reforçado em 40%, por cada hora a mais das 150 ou das 250 horas legais, a classe médica se demoveu. Foi assim até ao final de 2023, na esperança de que houvesse acordo com os sindicatos para melhores condições de trabalho. Mas não houve, porque entretanto o Governo de António Costa caiu e, como já referiu ao DN uma das fundadoras do MML, Helena Terleira, "a classe perdeu a esperança"..Tribunal Constitucional decide não decidir sobre regime de horas extra dos médicos . Para os dirigentes dos dois sindicatos médicos, dois anos depois o problema base que levou a este protesto mantém-se. Por isso, consideram ser natural que a despesa com as horas extras e com prestadores de serviço continue a aumentar. Ao DN, Xavier Barreto explica, no entanto, que o aumento da despesa com o número de horas extraordinárias, apesar de estas terem diminuído de 2024 para 2025, se deve ao facto de o valor “ser calculado em função do salário do profissional". E no final de 2024, devido ao acordo assinado com o Sindicato Independente dos Médicos, “houve aumentos muito significativos nos salários de uma parte importante de médicos". Por outro lado, acrescenta, tivemos médicos a aderir ao regime de Dedicação Plena que também passaram a ter um salário superior, o que fez aumentar o valor da sua hora extra. Portanto, o facto de se estar a pagar mais está relacionado com o aumento dos salários base”. Relativamente à despesa das horas por prestação de serviço, esta surge, na sua opinião, “pela falta de médicos e pela indisponibilidade de de alguns para fazerem horas extras”, referindo desde logo que a APAH “apoia muito este governo no facto de querer desincentivar a realização de trabalho à tarefa e da prestação de serviços”.Números refletem compromisso de médicos “em dar resposta no SNS”Para a presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fnam), Joana Bordalo e Sá, a grande preocupação é que passados dois anos do protesto do MML e um ano e meio de "governos de Luís Montenegro continuamos sem nenhuma medida que garanta o recrutamento de médicos. Nenhuma." Aliás, destaca, "o que o Governo de Luís Montenegro nos está a dizer com as medidas que está a adotar, como o novo modelo de acesso a consultas e cirurgias, é que vai transferir os doentes diretamente para o setor privado”. Uma solução que, sublinha, “não é solução”, porque "o que o SNS precisa é de mais médicos” e de “medidas para os poder contratar, para que se acabe com a exaustão pelo número de horas extraordinárias feitas e para que se deixe a dependência dos prestadores de serviço”. . Ou seja, “continuam sem resolver o problema de base, que é a falta de médicos. E o número de horas extras nesta altura já deve ser muito superior ao registado até maio”. A dirigente insiste: “Só o SNS é que consegue garantir todo o tipo de cuidados, sobretudo os mais diferenciados e mais difíceis a todos os utentes. Não são os privados”.Para o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) uma coisa é certa: os números revelam “claramente o compromisso dos médicos em conseguir dar a resposta que o SNS precisa. Isto já não é um regime de dedicação plena, mas de dedicação extrema”. Por outro lado, destaca, “demonstram também que há efetivamente uma grande cadência de médicos, de forma generalizada, no SNS”. A grande preocupação para Nuno Rodrigues é “crescimento exponencial das horas dos prestadores de serviço relativamente aos médicos com contratos de trabalho”, manifestando que “o SIM é a favor das medidas que foram propostas pela senhora ministra para a regulamentação do trabalho dos prestadores”, reforçando que “a prestação de serviço, que deveria ser algo usado para combater falhas pontuais, neste momento, é uma parte integral do sistema”. E relembrando que se a despesa até a maio disparou, no final do ano, certamente, atingirá mais de 200 milhões de euros, que foi o que aconteceu no ano passado”..10% dos médicos do SNS já ultrapassaram o limite das horas legaisO DN pediu em março, à ACSS, organismo central, o número de médicos que nesta altura do ano já tinham ultrapassado o limite de horas extraordinárias legais a cumprir. Num ano, para os médicos no regime da função pública são 150 horas; para os que têm contratos individuais de trabalho e para os que estão no regime de dedicação plena as 250 horas). A resposta chegou esta terça-feira, 2 de setembro e, mesmo assim, os números não são “completamente fiáveis”. Isto porque “os dados são disponibilizados por cada Unidade Local de Saúde e nem todas os registam da mesma forma e ao mesmo tempo. O número de médicos nesta situação já pode ser superior”, explicou ao DN fonte do organismo..Esmagadora maioria dos médicos de saúde pública vai recusar dedicação plena.Uma justificação que pode ser também aplicada ao facto de um dos dados apurados pela ACSS ser curioso - 7536 médicos, até ao final de junho, não tinham atingido as 150 horas extras legais. Será possível? Recorde-se que os próprios sindicatos alertam há muito para o facto de muitos médicos, em março ou abril, já terem ultrapassado este limite legal de horas e apenas com atividade nas urgências. Como refere o organismo central, "só no final do ano é possível a recolha correta de todos os dados”.No entanto, mesmo assim, os dados disponibilizados pela ACSS ao DN indicam que dos cerca de 30 mil médicos a trabalhar no SNS (21 mil especialistas e cerca de 10 mil internos), mais de três mil já ultrapassado o limite legal das 150 e das 250 horas - ou seja, cerca de 10%. Segundo os dados, até final de junho, 3740 médicos já tinham feito mais horas do que deviam num ano, 2148 já tinham realizado mais de 250 horas extras e 1592 mais de 150 horas. Os dados da ACSS pedidos pelo DN indicam ainda que em junho de 2025, o número de médicos em regime de Dedicação Plena era de 11 119, quando no final de 2024 era de 9849. A maioria está nos cuidados de saúde hospitalares, 6680 médicos, depois seguem-se os médicos dos cuidados primários, 4405, já que o modelo B das Unidades de Saúde Familiar obriga a adesão a este regime, e, por fim, 34 médicos em funções nos serviços centrais.