Médicos de Saúde Pública são pouco mais de 400, mas essenciais para manter o bem estar das comunidade.
Médicos de Saúde Pública são pouco mais de 400, mas essenciais para manter o bem estar das comunidade.Global Imagens

Esmagadora maioria dos médicos de saúde pública vai recusar dedicação plena

Em Portugal, há cerca de 400 médicos de Saúde Pública, mas a pandemia mostrou a falta que fazem. O regime de dedicação plena, aprovado pelo Governo e sobre o qual têm de dizer se o aceitam ou não, deveria ser um incentivo à escolha da especialidade e uma compensação remuneratória, mas “desvaloriza-nos".
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O prazo dado aos médicos de Saúde Pública para comunicarem à sua entidade patronal se aceitam ou não o novo regime de dedicação plena, proposto pela equipa do ministro Manuel Pizarro, e aprovado pelos restantes membros do Governo de António Costa a 7 de novembro de 2023, termina hoje (60 dias após a publicação do diploma), segundo o prazo indicado pelos juristas da Federação Nacional dos Médicos. Segundo o Governo, e como foi explicado ao DN,  os 60 dias só começam a contar a partir do momento que o diploma entrou em vigor (1 janeiro), terminando o prazo para esta opção em março.

Seja como for, ao longo destes dois meses, após a publicação do novo regime de dedicação plena, muitas foram as contas feitas pelos profissionais e pelas associações que os representam para tentar perceber se este era ou não benéfico para a classe, mas, no final, “é um regime pior do que aquele que já temos e o que sabemos é que a esmagadora maioria dos colegas vai rejeitá-lo para se manter no que já tem”, confirmou ao DN o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP).

Mas quem não quer integrar este novo regime tem de o dizer até ao final do dia de hoje (7 de janeiro), porque se não o fizer passa automaticamente para o novo regime, que pode ser escolhido também por médicos que fazem urgências hospitalares e pelos de Medicina Familiar. 


Aliás, Gustavo Tato Borges, considera mesmo que este novo regime foi  pensado sobretudo para esses médicos e não propriamente para os de Saúde Pública e que, por isso, irá ser rejeitado pela “quase totalidade dos colegas. E isto é um alerta para este Governo e para o próximo, no sentido em que espelha a insatisfação da classe”. “É uma forma de se dizer que este modelo tem de ser repensado para valorizar os médicos da especialidade”, porque, na verdade, o que nos faz sentir “é que estamos a ser desvalorizados em relação aos outros médicos”, acrescenta.


Em Portugal, há pouco mais de 400 médicos de Saúde Pública, mas a pandemia provocada pelo SARS-CoV-2 veio dar visibilidade às suas funções e à falta que fazem. Definem-se como os médicos que cuidam da Saúde de todos os cidadãos e este novo regime deveria ser um incentivo à escolha da especialidade e à sua valorização remuneratória, mas, afinal, e segundo refere Gustavo Tato Borges, “em nada beneficia os médicos seniores e em muito pouco os mais novos”.

Portanto, nem uns nem outros o querem aceitar. O presidente da ANMSP diz mesmo: “Vai ser rejeitado pela quase totalidade dos médicos, não digo pela totalidade porque haverá sempre alguém que o poderá aceitar, mas não é um modelo que vá ao encontro do que a classe pretende”. Por isso, “preferimos rejeitar e aguardar nova ronda negocial entre o Governo que aí vem e os sindicatos médicos”, sublinhou.


A Federação Nacional dos Médicos (FNAM) e o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) concordam que “os médicos de saúde pública são os mais prejudicados com este novo regime de dedicação plena”. A FNAM pediu até às várias entidades que o podem fazer, como Presidência da República, Procuradoria-Geral da República e Provedoria de Justiça, para que avancem com um pedido de “fiscalização ao Tribunal Constitucional”, precisamente por considerar que este regime, mesmo para os médicos hospitalares, viola “direitos adquiridos”. O SIM, no entanto, considera que para os colegas mais velhos não traz vantagens, mas para os mais novos sim.


Para o presidente da ANMSP, dizer que este regime “prejudica” mais os médicos de Saúde Pública pode ser forte - sobretudo porque, no que diz respeito aos colegas que fazem urgências hospitalares, ele implica 250 horas extras em vez de 150, jornadas diárias de nove horas e o não ter direito a dia descanso compensatório - mas, a verdade, “é que a grande maioria dos médicos de Saúde Pública pouco ou nada têm a ganhar com a sua aplicação”.

E explica: “Os colegas que se encontram a funcionar no regime de 35 horas semanais, serão prejudicados de forma bastante significativa se mudarem para este regime. Não só terão de trabalhar mais cinco horas semanais, ficando com um horário de 40 horas, como perderão o subsídio de disponibilidade permanente que lhes é pago por percentagem do salário. Ou perdem dinheiro ou ganham apenas mais uma migalha do que ganham neste momento”.

Ou seja, “uns podem perder, no mínimo, 18 euros ou, no máximo, 500 a 600 euros por mês. Outros, podem ganhar mais 12 euros do que agora. Só os colegas no escalão mais alto, assistente graduado sénior, podem ficar a ganhar mais 1200 euros por mês, mas na especialidade de Saúde Pública não há ninguém neste grau da carreira”. Aliás, “60% dos profissionais está no regime de 35 horas semanais e iria perder muitas centenas de euros por mês se aderisse a este regime”.


No caso dos médicos mais novos, cuja maioria está no regime de 40 horas semanais e subsídio de disponibilidade permanente de 800 euros brutos, parece haver em termos financeiros alguma vantagem em relação à dedicação plena. Mas, segundo explica Gustavo Tato Borges, também para estes “não há um ganho extraordinário, a não ser não termos de atender o telefone, quando não estivermos de escala”.

Mesmo assim, “há muitos colegas mais novos que estão a optar por se opor à dedicação plena, até para se perceber o que é este regime na verdade, porque há muita coisa que não está definida”.


O presidente da ANMSP considera que ao rejeitarem o regime de dedicação plena “os colegas estão a dizer que este é possível ser aperfeiçoado de forma a beneficiar os profissionais, até os mais jovens”, porque um dos aspetos que mais tem criado contestação, e que “está a incomodar os profissionais, é o terem de entrar num regime de escala de prevenção e nem sequer serem pagos por isso”. 


Para a presidente da FNAM, Joana Bordalo e Sá, a rejeição dos médicos de Saúde Pública surge porque “este ministro teve uma teimosia enorme em não incorporar uma única proposta nossa e, por isso, estamos a contestar no sentido de que este modelo fere a constitucionalidade”. Mas, garante, a estrutura sindical irá “apoiar todos os médicos, os que rejeitam, os que aceitam e os que aceitam e depois possam querer reverter a situação”. O secretário-geral do SIM salienta como positivo o facto de este regime poder ser “uma opção individual” e não ser obrigatório para todos. 

(Peça atualizada às 12:30)

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