O ministro da Educação, Ciência e Inovação (MECI), Fernando Alexandre, admitiu, esta semana, o eventual descongelamento das propinas do Ensino Superior (ES) a partir de 2026. As declarações foram recebidas com surpresa e desagrado pelos representantes das federações académicas contactadas pelo DN.Carlos Magalhães, presidente da Associação Académica de Coimbra (AAC) diz tratar-se de um “retrocesso”, manifestando surpresa “depois do ministro ter afirmado, em outubro, que não haveria aumentos em 2025” e por estar em curso uma reforma da ação social. “Parece que estamos um pouco a brincar com o sucesso estudantil. Como é que o estudante pode arcar com as despesas quando 20% da população portuguesa vive em situação de pobreza? Portugal é dos poucos países da UE com propinas e somos 5º país da UE com pior qualidade de vida”, questiona. O dirigente académico refere ainda o salário mínimo “muito baixo” e a dificuldade, cada vez maior, das famílias para fazer face às despesas. “Usar o argumento de que não terá um impacto muito negativo não corresponde à verdade”, assegura. Segundo Carlos Magalhães, um estudo feito pela AAC concluiu que um estudante gasta, em média, 518 euros por mês em Coimbra, o que, diz, exemplifica as dificuldades dos estudantes com o peso das despesas, com uma grande fatia canalizada para a habitação. Por isso, sublinha, “qualquer aumento em qualquer uma das despesas para estudar tem impacto”. “Não se combate ação social com aumento de propinas. Questionamos, por exemplo, porque é que o plano de ação social não é revisto há 32 anos e porque é que o PNAES (Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior) só executou 7% e há prédios que foram abortados e servem para outros propósitos”, acrescenta. O presidente da AAC entende serem positivas as medidas como o IRS jovem e os apoios para a habitação, mas lamenta que o impacto das mesmas seja ‘abafado’ pelo mercado. “Em Coimbra há apoio de 270 euros por mês, mas os preços aumentaram e a qualidade piorou. A verdade é que os custos começam a ser insuportáveis para qualquer estudante e, certamente, com um aumento das propinas, haverá estudantes a reconsiderar prosseguir estudos”, afirma. Por isso, a efetivar-se o descongelamento de propinas, Carlos Magalhães promete protesto estudantil. “O silêncio não é resposta e não vamos ficar calados”, conclui.Aumento de propinas “em contraciclo com as práticas europeias” . Para Francisco Porto Fernandes, presidente da Federação Académica do Porto (FAP), se o aumento das propinas se efetivar, o maior problema não é a subida do valor, mas sim o abalar do “sentimento de segurança”. “Estamos a falar de um aumento reduzido, estimado em 2%, mas a verificar-se é um retrocesso e vai em contraciclo com as práticas europeias. Temos de ver o Ensino Superior como algo que cria valor para a sociedade e não só para o indivíduo. Proporciona crescimento económico e é manifestamente errado descongelar as propinas. Concordamos com o ministro quando diz que devemos ter um sistema mais equitativo, mas isso consegue-se com mais ação social e não com aumento de propinas”, explica. A posição da FAP, afirma, é manter o congelamento do valor das propinas “nem mais, nem menos”. E acrescenta: “Alunos de famílias carenciadas, com este progressivo aumento, podem deixar de ambicionar o Ensino Superior. Há que ter cuidado com a mensagem que se passa”. Francisco Porto Fernandes adianta ainda ter tido várias reuniões com o MECI e garante que o ministro “tem ouvido os estudantes, mas continua a insistir nessa matéria”. “Vamos continuar a conversar com o governo. Temos ligeiras diferenças de opinião com outras federações, mas o sentimento é de tranquilidade. Não devemos alimentar estas declarações surpreendentes do ministro. Veremos qual será a resposta do movimento estudantil”, diz.“Poderemos fazer-nos ouvir de outra formas”A Associação Académica da Universidade do Minho (AAUM) também se mostra contra o eventual aumento de propinas e lamenta que o mesmo aconteça “numa altura em que as famílias têm visto os gastos a aumentar sucessivamente”. O presidente da AAUM, Luís Guedes, admite não ser essa a maior despesa dos estudantes, mas “qualquer aumento nas despesas é difícil nesta altura e não faz sentido, mesmo sendo para aplicar no ano letivo 2026-2027”. “As propinas não são o maior gasto, mas ainda assim não as podemos desvalorizar. Poderá pôr em causa o acesso e a frequência no Ensino Superior, pois vai ter impacto para muitas famílias”, lamenta. Luís Guedes relembra que “o investimento no Ensino Superior em Portugal está abaixo das recomendações da OCDE" e que “se Portugal quer continuar a produzir os resultados que tem produzido, tem de investir”. “Cada estudante que se forma acaba por devolver o investimento ao país cerca de 10 vezes e o caminho deve ser o investimento”, afirma. O dirigente académico aguarda para avaliar “os detalhes todos”, mas garante que “o movimento estudantil sempre se mostrou ágil nas suas respostas”. “Os protestos dependem muito do que ainda podemos fazer nesta fase, a que entendimentos podemos chegar com o MECI, mas poderemos fazer-nos ouvir de outra formas”, garante. O presidente da AAUM relembra a crise na habitação, transversal a todo o país, e que fez chegar aos “330 euros o valor de um quarto em Braga e 300 em Guimarães”. “Em seis anos o preço do alojamento duplicou e estes números devem pesar na hora de decidir implementar uma despesa extra às famílias e aos estudantes”, salienta.