Recursos humanos devem ser concentrados na urgência do Garcia de Orta, já que este é o serviço mais diferenciado.
Recursos humanos devem ser concentrados na urgência do Garcia de Orta, já que este é o serviço mais diferenciado.

“Mobilização de médicos à força para urgência regional na Margem Sul não é boa estratégia”, diz administrador hospitalar

Presidente da APAH defende criação de urgência regional para obstetrícia no Garcia de Orta, mas alerta: “Tem de ser discutida, senão não será sustentável”. O coordenador da comissão que tem desenhado a reforma nesta área diz que proposta técnica define tudo: criação da urgência, funcionamento, rotatividade, mobilidade e incentivos. E “não é à força”. Ministério diz que legislação ainda está a ser preparada.
Publicado a

“Uma solução para ser sustentável no futuro tem de partir de baixo para cima. Tem de ter o envolvimento de todas pessoas desde a primeira hora, porque a ideia de que se vai impor a solução nunca dá resultado. Até pode dar no imediato ou a curto prazo, mas a longo prazo não é sustentável e acho que ninguém quer isso para o SNS”.

É com este alerta que Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares, reage à notícia avançada pelo jornal Expresso, na sua edição desta sexta-feira, 19 setembro, sobre o facto o Ministério da Saúde estar a preparar uma solução para a criação da Urgência Regional de Ginecologia-Obstetrícia na Margem Sul que vai “forçar” os médicos do Hospital do Barreiro a irem trabalhar para o Hospital Garcia de Orta.

O representante dos administradores sublinha “não conhecer os fundamentos que estão a ser preparados pelo gabinete jurídico do Ministério da Saúde para a criação desta urgência, seria melhor estarmos a falar sobre a situação quando houvesse mais informação, mas se a mobilização dos médicos tiver de ser à força, não é uma estratégia”.

Ao DN, fonte do gabinete de Ana Paula Martins argumenta com o que a própria disse na quarta-feira, dia 16, no Parlamento aos deputados. Ou seja, em outras palavras, que a solução encontrada, uma urgência regional que leva à concentração de profissionais dos três hospitais (Setúbal, Barreiro e Garcia de Orta, foi discutida com os especialistas da Comissão para a Saúde Materno Infantil, com as administrações hospitalares e que as mudanças serão negociadas com os profissionais, nomeadamente no que toca à atribuição de incentivos no que toca à mobilidade”. Sobre o tipo de incentivos que estão a ser preparados, a mesma fonte disse nada mais poder adiantar porque “toda a legislação ainda está a ser preparada pelo gabinete jurídico do ministério”.

Recursos humanos devem ser concentrados na urgência do Garcia de Orta, já que este é o serviço mais diferenciado.
De 2022 até agora, nasceram 513 bebés em casa, 103 em ambulâncias e 58 na via pública

O coordenador da Comissão Nacional da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente (CNSMCA), Alberto Caldas Afonso, que ocupa o lugar desde final de junho de 2024, manifestou ao DN estar “indignado” com a formulação usada. “Não é à força”, disse.

“A proposta técnica que apresentámos à Sr.ª ministra tem como princípio a defesa dos doentes e a segurança na prestação de cuidados. É claro que não nos compete a nós as questões de enquadramento legal do processo, mas nada disto é à força. As mulheres têm direito a ter uma assistência digna e os recém-nascidos também. O que penso é que mesmo antes de acontecer parece que estamos a querer ficar reféns de quem quer bloquear uma solução para uma situação que dura há mais de dois anos”, afirmou o médico.

De acordo com a notícia do Expresso, o diploma que está a ser preparado pelo Ministério da Saúde prevê a mobilidade de "obstetras" “à força”, explicando que a própria ministra sabe bem como o fazer, pois no tempo em que era administradora do Hospital Santa Maria, o ministro da altura, Manuel Pizarro, e o diretor executivo Fernando Araújo, usaram um mecanismo que determinou que médicos do serviço de Santa Maria, no período em que o bloco de partos fechou para obras, fossem fazer urgências no Hospital São Francisco Xavier, por este ir ficar sobrecarregado com os seus doentes.

Recursos humanos devem ser concentrados na urgência do Garcia de Orta, já que este é o serviço mais diferenciado.
Ministra confirma que urgência regional para Ginecologia-Obstetrícia na Península de Setúbal avança em breve

Um exemplo que Xavier Barreto aproveita para lembrar que “não funcionou”, reforçando que, neste momento, “estamos a falar sobre uma situação sem sequer sabermos qual vai ser a posição dos profissionais. É óbvio que terá de haver legislação para a criação da urgência, óbvio que terá de haver contrapartidas, tendo em conta a deslocação e o trabalho que será, eventualmente, mais penoso, por um profissional estar a trabalhar num hospital que não é o seu. Mas tudo isto deve ser discutido com os profissionais e até me parece que, pelo menos, por parte de alguns sindicatos há abertura para a negociação”, destaca.

Por agora, o presidente da APAH acredita que a discussão ainda não está no plano da legalidade, porque quando chegamos a este patamar “é porque as coisas estão a correr mal”, mas salienta haver mecanismos na legalidade que poderão levar alguns profissionais a terem de se deslocar, nomeadamente os que têm contratos no regime de Dedicação Plena nos quais está previsto mobilidade num raio de 30 quilómetros.

Esta semana, a própria presidente da Federação Nacional dos Médicos, Joana Bordalo e Sá, apesar de não concordar com a concentração de recursos por “se perder cuidados de proximidade”, lembrou que a situação da mobilidade não seria igual para todos os médicos, porque os que têm dedicação plena podem ser mobilizados desde que estejam dentro do raio de quilómetros definido nos contratos.

Da parte do coordenador da CNSMCA, a admiração surge por “as pessoas não se revoltarem por terem serviços de urgência quase sempre fechados, como o do Barreiro, porque não tem recursos. É esta situação que se está a tentar resolver com a criação de urgência regional, que tem número de equipas suficientes para funcionar sete dias, as 24 horas, com rotatividade e com incentivos”, acrescentando: “A proposta que foi apresentada está pensada de acordo com o número de profissionais dos quadros dos três hospitais, e não com prestadores de serviço. Ou as pessoas preferem ficar dependentes dos prestadores de serviço, como estão agora, que podem até nem aparecer?”.

Ao Expresso, os sindicatos médicos são peremtórios ao dizerem que “à força” não será possível. O bastonário dos médicos também já disse a vários órgãos de comunicação social que se "for feito à força nunca terá o apoio da Ordem dos Médicos", temendo que "seja mais um "falhanço". Mas Xavier Barreto reforça ao DN: “Tenho imensas dúvidas de que esse 'forçar a mobilidade dos médicos' seja o caminho a seguir pelo Ministério da Saúde. Não faz sentido”.

Diário de Notícias
www.dn.pt