A Missão Escola Pública (MEP) – um movimento cívico apartidário formado por docentes - afirma que mais de 100 mil alunos continuam sem professor a pelo menos uma disciplina a meio do primeiro período letivo. Em comunicado, o movimento acusa o ministro da Educação, Ciência e Inovação (MECI), Fernando Alexandre, de “insistir num discurso enganador” e considera que a falta de docentes se agravou “por falharem as medidas que deveriam ter sido implementadas atempadamente”.Segundo a MEP, “é o próprio ministro da Educação quem reconhece a existência de mais de 1 200 horários sem professor atribuído, cerca de 200 a mais do que há duas semanas”, o que confirma, diz o movimento, “o agravamento que a MEP já antecipava”. Em parceria com Davide Martins, docente especialista em estatísticas da Educação e colaborador do blogue ArLindo (dedicado à Educação), o movimento analisou os horários publicados até 31 de outubro e identificou “516 horários sem qualquer candidato, correspondentes a mais de 60.000 alunos sem aulas numa ou mais disciplinas”. Muitos desses horários, pode ler-se no comunicado, “estão a concurso desde setembro”, significando que “potencialmente, milhares de alunos ainda não tiveram uma única aula neste ano letivo”. O movimento defende que o MECI deveria “tornar públicos os números exatos destes casos para que se conheça a verdadeira dimensão do problema”.Desigualdade regional e “escola a duas velocidades”A análise do número de alunos sem professores da MEP aponta para uma forte concentração de escassez de docentes nas regiões de Lisboa, Setúbal e Algarve, distritos onde se encontram “escolas com mais de dez docentes em falta”. Para o movimento, esta realidade “evidencia uma profunda desigualdade no acesso à educação – a mesma que a MEP já denunciou como uma escola a duas velocidades, onde o código postal de cada aluno dita as suas oportunidades”. Os professores lamentam ainda a mudança de postura face ao problema, tanto por parte do Governo, como da sociedade civil. “O Ministério e parte da sociedade parecem começar a aceitar esta realidade como inevitável”, refere o comunicado, sublinhando que “não há equidade possível quando o direito à escola pública depende do sítio onde se nasce ou estuda”.Críticas à atuação do GovernoO comunicado tece críticas diretas ao ministro Fernando Alexandre e ao secretário de Estado da Educação, Alexandre Homem Cristo, por “desvalorizarem” a situação. “Em vez de reconhecerem a gravidade do problema, optam por o desvalorizar”, acusa a MEP, considerando tratar-se de “uma preocupante desconsideração pelos milhares de alunos e famílias a quem o Estado continua a negar um direito constitucional: o acesso a um ensino público de qualidade”.Entre as medidas apontadas pelo Governo como resposta à falta de docentes, a MEP destaca várias falhas. O subsídio de deslocação, embora alargado a todas as escolas, “ainda não começou a ser pago”, uma situação “incompreensível e inaceitável” e reveladora de “desorganização e falta de respeito pela classe docente”. Já o concurso extraordinário de professores, anunciado como uma solução, “chega tarde, traz instabilidade e revela falta de planeamento e de organização”. “Nada disto demonstra uma estratégia coerente. E nada disto justifica o tom triunfalista de quem devia assumir que o sistema educativo precisa de uma resposta de fundo, não de remendos”, lê-se no documento.A MEP critica ainda a morosidade das negociações da revisão do Estatuto da Carreira Docentes (ECD) e adianta não estar agendada “qualquer reunião para a prometida revisão do ECD”. Para o movimento, a revisão deveria contemplar “melhorias salariais, eliminação das quotas de progressão, redução da burocracia e revisão do modelo de avaliação”. Sem essa reforma estrutural, alerta, “o número de alunos sem professor continuará a crescer ano após ano”.Inclusão é “apenas uma ficção administrativa”No documento a que o DN teve acesso, a MEP critica também a política de inclusão dos alunos, considerando ser “em grande medida, apenas uma ficção administrativa”. “Faltam terapeutas, técnicos especializados e meios humanos nas escolas e em muitas, as unidades de ensino estruturado só iniciaram o seu funcionamento em outubro por falta de recursos”, refere o comunicado. Segundo os professores, “repete-se mais um ano de uma inclusão apenas proclamada, mas não garantida – uma inclusão ilusória, que viola os direitos destes alunos e desmente o discurso político de equidade que o Ministério continua a afirmar”.O movimento aponta ainda o “contrassenso gritante” de o Orçamento do Estado para 2026 não prever “verba para a rede Wi-Fi das escolas”, enquanto o MECI “insiste nas provas digitais, apesar dos problemas técnicos amplamente reportados”.No balanço que faz a meio do período letivo, a MEP conclui que “as escolas estão longe de ser serenas, como o ministro quer fazer crer”. As greves de 23 e 24 de outubro, que levaram ao encerramento de centenas de escolas, afirma. “são prova disso – e prenúncio de um ano letivo que dificilmente será pacífico se as promessas continuarem a ser apenas palavras que o vento leva”.O comunicado termina com um aviso: “Os problemas persistem. É o discurso político que tem procurado transformar o inaceitável em normalidade – e a sociedade começa perigosamente a acreditar nessa ilusão. A MEP recusa essa normalização e lembra que não há futuro para o país se continuarmos a aceitar escolas sem professores.”O DN aguarda resposta às questões enviadas ao MECI.Há 480 agrupamentos de escolas onde ainda faltam professores.Mil horários sem professor atribuído. Ministro diz que isso “não quer dizer que os alunos estejam sem aulas”