Na última avaliação que faz ao funcionamento do programa Ligue Antes, Salve Vidas, que visou sobretudo o período de 1 janeiro de 2024 até 30 de abril de 2025, a Entidade Reguladora da Saúde (ERS), órgão independente do Ministério da Saúde, conclui que estão a ser criados “constrangimentos” e “obstáculos” aos utentes no acesso aos cuidados, nomeadamente pela morosidade no atendimento ou pela falha e até recusa no atendimento em hospitais ou centros de saúde, o que é uma violação da Constituição portuguesa, da Carta dos Direitos e Deveres dos Utentes e até da Portaria n.º438, de 15 de dezembro de 2023.No documento, onde são apontadas falhas e responsabilidades no funcionamento do programa aos organismos centrais do Ministério da Saúde (MS), nomeadamente à Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS) e Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), são destacados oito casos relatados por utentes em forma de reclamação, que a ERS usa para sustentar, à luz da lei e das regras do programa, o que deve ser feito ou não, que ocorreram no final do ano de 2024 e já no início de 2025, mas, confrontada pelo DN a DE-SNS diz que as dificuldades relatadas são do “início do projeto”, que começou numa só Unidade Local de Saúde, em maio de 2023.O DN confrontou ainda o gabinete da ministra da Saúde e os SPMS sobre as conclusões do relatório da ERS, mas a única resposta que chegou foi mesmo via DE-SNS, por ser, segundo nos explicaram, o organismo com competência no planeamento e gestão do programa Ligue Antes, Salve Vidas. .Ligue Antes, Salve Vidas. Regulador da Saúde diz que hospitais e centros de saúde estão a dificultar acesso de utentes a cuidados.A tutela manteve em silêncio, não enviando qualquer comentário até à hora de publicação deste trabalho, sobre as falhas identificadas no programa aprovado pelo anterior ministro da Saúde, Manuel Pizarro, com início na Unidade Local de Saúde (ULS) Póvoa do Varzim/Vila do Conde, mas cujo alargamento a 27 das 39 ULS do país já foi aprovado por Ana Paula Martins.Na única resposta enviada ao DN, a DE-SNS escusa-se a comentar as falhas e justifica-se apenas com o seguinte argumento: “As maiores dificuldades identificadas no relatório da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) são relativas ao início do Projeto Ligue Antes, Salve Vidas e que, desde então, muito foi feito pela SPMS, pela Direção Executiva do SNS e pelas Unidades Locais de Saúde (ULS) para as colmatar, sobretudo a partir da introdução do Sistema de Dados Mestre, um sistema de informação que recolhe, armazena organiza e distribui informação de referência sobre o sistema de saúde”.Mais. Em relação aos casos “das situações mais graves, de falta de acesso, a DE-SNS não tem conhecimento de terem voltado a acontecer, desde essa altura” e que “a DE-SNS está em articulação permanente com as ULS de modo a identificar problemas adicionais e a proceder à sua resolução”. Ora, os casos de falta morosidade no atendimento, falta de acesso ou de informação errada aos utentes relatados no relatório da ERS são do final de 2024, meses novembro e dezembro, e do início de 2025, janeiro e fevereiro.A DE-SNS diz ainda não ter conhecimento, mas o DN sabe que o relatório desta última avaliação da ERS chegou ao gabinete da ministra Ana Paula Martins, ao diretor executivo e aos SPMS. E, numa das páginas do documento, a ERS recorda mesmo à DE-SNS, enquanto órgão com competências no planeamento gestão do SNS, que a ela lhe compete “continuar a fornecer às unidades de saúde visadas e à SPMS, de forma programada e integrando os vários cenários, as orientações estratégicas sobre o plano e os procedimentos a adotar quando se verificam constrangimentos temporários, programados e não programados, de respostas nas valências previstas, de forma a garantir cobertura permanente e equidade de todas as regiões do país, cabendo aos interlocutores com acesso ao SDM (Sistema de Dados Mestre), proceder aos respetivos registos com concordância com a realidade local a cada momento”.Segundo o relatório a que o DN teve acesso, publicado na sua edição desta sexta-feira, dia 5, a ERS é muito clara na recomendação que faz: “Um utente que se dirige a um serviço ou a um estabelecimento do Serviço Nacional de Saúde (SNS), legalmente vinculado a assegurar a proteção da saúde individual e coletiva, não pode ver negado, sem mais, o respetivo acesso, ainda que se conclua que o tipo de cuidados procurados não é o adequado ou que o estabelecimento em causa não possui o perfil assistencial ou capacidade para a prestação de tratamentos”.No documento é dado conta que a ERS recebeu desde o início do programa Ligue Antes, Salve Vidas até 30 de abril de 2025, 389 reclamações de utentes, a maioria das quais por constrangimentos na orientação para os cuidados de saúde primários, atendimento negado e constrangimentos e orientação para os cuidados hospitalares.SPMS assume que "recebeu e acolheu todas as recomendações da ERS" Na reposta ao DN, a DE-SNS inclui também a resposta da SPMS, organismo que gere a Linha SNS24, que, no fundo, materializa o programa, e sobre a qual o documento da ERS destaca que está “sobrecarregada” de funções, sem “investimento” e “sem recursos”, recomenda à tutela e à DE que garantam tais situações de forma a “operacionalizar” o programa.Mas, na sua resposta, às conclusões do regulador, a SPMS assume que “recebeu e acolheu todas as recomendações da ERS que, no relatório em apreço, relativo aos anos 2023, 2024 e até abril de 2025, alerta para a necessidade de respeitar o direito fundamental à reclamação que assiste a todos os utentes do sistema de saúde. A SPMS já aperfeiçoou o circuito e reforçou o departamento onde se recebem e tratam das reclamações dos utentes, de modo a garantir que todos têm uma resposta em tempo útil. No sentido de reforçar a Linha SNS 24, de forma a responder a todos os pedidos dos utentes, a SPMS tomou medidas quer em termos de recursos humanos, quer no âmbito organizacional, quer a nível tecnológico.”A SPMS admite ainda que, em termos de recursos humanos, “a bolsa de profissionais terá um reforço sem precedentes, para 3700 profissionais, ainda este inverno”, devendo o total de profissionais na SNS24 ultrapassar mais de três mil. Mas não só. Com o intuito de “reter os profissionais e aumentar a capacidade e a preparação clínica: foram criados incentivos à permanência dos profissionais (em formação e remuneração), o processo de recrutamento foi agilizado e estendido às faculdades e o período de formação foi alargado”. No âmbito organizacional, refere ainda, “continuamos a otimizar os circuitos de atendimento, com o encaminhamento de tarefas administrativas para profissionais não clínicos. Esta otimização dos circuitos permite libertar profissionais de saúde para funções de triagem e aconselhamento clínico”. A nível tecnológico, a SPMS explica que “foi implementado um bot para identificar sinais de emergência antes da triagem clínica. Este mês, será ainda implementada uma solução com inteligência artificial para avaliar sintomas respiratórios agudos e propor encaminhamento, bem como um mecanismo de call-back (retorno de chamada) e a triagem digital via App SNS 24 para problemas respiratórios agudos.”Esta última medida já tinha sido proposta pela ERS na primeira avaliação feita ao programa. Quanto a números, a SPMS recorda que a Linha SNS24, com os meios que tem, já agendou 970 mil consultas nos cuidados de saúde primários, cerca de três mil pessoas que diariamente deixaram de ir a uma urgência hospitalar..Programa Ligue Antes, Salve Vidas já recebeu 389 reclamações