Largo de São Domingos passou do clima de confronto para o de 25 de Abril após saída de manifestantes
Às 18:00 em ponto, no Largo São Domingos, começou a tocar numa coluna de som a música É preciso dar um jeito meu amigo, uma dos temas do filme Ainda Estou Aqui, vencedor dos Óscares e que retratou a ditadura brasileira. Crianças, jovens, adultos e idosos abraçados entoavam a canção e erguiam cravos após descer a Avenida da Liberdade neste 25 de Abril. O local não parecia o mesmo de algumas poucas horas antes, quando o largo foi palco de vários confrontos por grupos de extrema-direita, que culminou com feridos e dois detidos: o neonazi Mário Machado e o ex-juiz negacionista Rui Fonseca e Castro, atual presidente do partido Ergue-te (antigo PNR).
A confusão começou logo após às 15:00, quando apoiantes do ex-juiz chegaram ao Largo de São Domingos. O sítio foi escolhido após a praça do Martim Moniz ser encerrada pela Polícia de Segurança Pública (PSP) - era o local em que, inicialmente, iriam realizar um ato nacionalista contra os moradores muçulmanos da zona, com um porco no espeto e bebidas.
A manifestação do partido recebeu parecer negativo da PSP e da Câmara Municipal de Lisboa, que seguiu a recomendação das autoridades policiais. A PSP considerou que havia risco de violência, após análise realizada “com uma forte recolha de informação”.
O grupo não obedeceu e manteve a manifestação, com pessoas vindas de várias zonas do país. No largo, recusaram a ordem da PSP no local para desmobilizar. Castro foi informado pelo comandante da polícia que poderia ser preso por desobediência, caso não acatasse a ordem da força policial. “Só sairei daqui algemado”, disse Rui Fonseca e Castro para as câmeras de televisão. Foi o aconteceu.
Os ânimos seguiram acirrados, com apoiantes do líder partidário a insultar os polícias. Foram chamados de “traidores”, entre outros insultos raivosos - até uma cadeira foi atirada contra a intervenção rápida. Novamente, o comandante pediu ao “número 2” do grupo, Djalme Santos, para que desmobilizassem. A “trégua” durou pouco.
Com a chegada de Mário Machado e integrantes do grupo 1143, bem como de manifestantes antifascistas do outro lado da rua, as trocas de insultos ganharam força. Enquanto o 1143 gritava “Salazar, Salazar”, o outro grupo respondia com “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais”. Um dos manifestantes atacou com socos pelas costas dois jovens antifascistas, o que originou agressões entre os grupos. Tudo foi filmado pelos vários jornalistas que ali estavam, com vários canais em direto. Os polícias intervieram e formaram cordões para separar os grupos.
Mário Machado, que está por cumprir uma pena de prisão efetiva da qual já não cabe recurso, também insultou uma jornalista de um canal de TV que estava a trabalhar. Ao desobedecer a ordem policial, foi detido e levado pelos polícias. Um repórter de imagem de TV foi atingido por gás pimenta por um dos manifestantes do grupo do neo-nazi. Um cidadão que passava pelo local na hora da confusão foi atingido no olho e ficou ferido. Ambos foram socorridos por profissionais do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) em apoio à PSP. Dois polícias ainda ficaram feridos.
Aos poucos, os ânimos acalmaram-se. Os apoiantes de Machado e do ex-juiz rumaram para a esquadra de Moscavide para prestar apoio aos detidos. No canal oficial de Rui Fonseca e Castro foi deixada uma mensagem de ameaça e apelo ao voto. "Por vezes o povo precisa de ver exemplos de verdadeiro heroísmo e coragem. Acabaram de abrir a caixa de pandora. A revolução nacionalista começou hoje, 25 de abril de 2025, o dia da ignomínia. Os GFDP do ROS vão pagar pelo que fizeram hoje. Vota Ergue-te pela verdade".
A PSP informou ao DN que emitirá um comunicado sobre as detenções.
O clima de confronto passou ao normal do 25 de Abril, com as pessoas a festejar a democracia, enquanto milhares continuaram a descer a avenida da Liberdade.
Atualização às 21:00:
Em comunicado, a PSP explicou que ambos os detidos foram "notificados para se apresentarem voluntariamente junto da Autoridade Judiciária competente, pelas 10h00 da próxima segunda-feira, no Campus da Justiça, em Lisboa". Além de Mário Machado e Rui da Fonseca e Castro, outro apoiante foi detido por resistência e coação.
Quatro homens "que integravam a manifestação promovida e não autorizada no Largo de São Domingos" foram identificados "por suspeita de envolvimento nos distúrbios". A força de segurança ainda lamentou que dois polícias ficaram feridos.
O Ministério da Administração Interna, em nota, também lamentou os confrontos no Rossio. "Infelizmente, regista-se que uma minoria terá ultrapassado os limites legais do exercício ordeiro da liberdade de manifestação e expressão, o que levou à intervenção da Polícia para repor a ordem pública e legalidade, como é seu dever, e como tem feito em outras ocasiões, independentemente das motivações, ideologias, ou organizações subjacentes aos comportamentos desordeiros", lê-se.
O Governo ainda exprimiu "agradecimento e apoio às forças de segurança e a sua solidariedade aos dois agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) que foram agredidos no cumprimento da sua missão de defesa da segurança dos portugueses e da ordem pública".
amanda.lima@dn.pt