Há menos professores e mais alunos no sistema educativo português. Os dados são da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), que divulgou as estatísticas da educação do ano letivo 2023/2024. Numa análise comparativa com o ano letivo anterior, os números refletem uma quebra de docentes disponíveis para dar aulas e um acréscimo de alunos. No total, em todos os ciclos do ensino público, do pré-escolar ao Superior, em 2023/24 estavam em exercícios de funções 124.508 docentes, quando no ano letivo anterior eram 171.931 – uma quebra de 47.423.A educação pré-escolar e 1.º Ciclo são a exceção, registando um crescimento moderado (+1,7% e +0,7%, respetivamente). Já o 2.º ciclo apresenta a maior quebra percentual (−3,0%), com menos 697 professores. O 3.º ciclo e Secundário também perdem docentes, com uma diminuição de mais de meia centena. Por outro lado, entre 2022/2023 e 2023/2024, o número total de alunos matriculados cresceu, passando de 1.605.438 para 1.613.945, um aumento de 8507 alunos. A educação pré-escolar tem mais 4591 alunos e o Ensino Básico, mais 9343. Em contraciclo encontra-se o Secundário, com uma ligeira quebra de alunos (menos 1,37%). O saldo negativo resultante da diminuição de docentes e aumento de alunos preocupa diretores escolares e professores. Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), explica ao DN que a forma encontrada pelas escolas, “segundo orientações do Ministério da Educação Ciência e Inovação, é atribuir horas extraordinárias aos docentes” e aumentar o número de alunos por turma. “Há escolas com turmas acima do que é o limite, embora possam aprovar esse aumento em Conselho Pedagógico. As escolas têm conseguido atenuar o problema da falta de docentes – muito devido ao número de reformas – com horas extra e é, por isso, que o problema não é ainda maior. É um momento difícil de escassez de docentes que se verifica em Portugal e na Europa”, explica. O presidente da ANDAEP avança que a maior preocupação dos diretores escolares é a situação no Sul do país, que considera ser “uma desgraça”. Já no Norte, embora não tenha a mesma expressão, conta, “começa a ser muito difícil substituir professores”.“A Escola Pública está a perder capacidade de resposta”Para Cristina Mota, porta-voz da Missão Escola Pública (MEP) – um movimento apartidário de professores –, “os dados preliminares divulgados pela DGEEC confirmam que a Escola Pública está a perder capacidade de resposta no momento em que a população escolar do ensino regular e público volta a crescer”. “O dado central é claro e indesmentível: há mais alunos no sistema e menos professores para lhes dar aulas. Este facto valida os alertas que a MEP tem vindo a fazer”, sublinha. A professora destaca ainda uma quebra muito acentuada na educação de adultos e a diminuição registada nas Regiões Autónomas, especialmente nos Açores. “Esta quebra no ensino de adultos não decorre de uma menor procura, mas é muito provavelmente o reflexo de um fenómeno que já se observa em várias escolas: a impossibilidade de manter estas ofertas por falta de professores, o que agrava ainda mais os já baixos níveis de literacia e qualificação da população adulta”, acrescenta. No continente, refere, “a variação é mínima e, no ensino regular, o número de alunos aumentou em praticamente todos os ciclos do ensino público”. “Não estamos perante uma quebra demográfica significativa, mas sim diante de um sistema que recebe mais alunos e simultaneamente perde docentes”, afirma. E é aqui, segundo Cristina Mota, que “os dados ganham toda a sua gravidade”. “Se há mais alunos e menos professores, significa que os docentes em funções estão a assegurar mais alunos do que no ano anterior. Estão a fazê-lo porque acumulam horas extraordinárias, porque absorvem cargas de trabalho que ultrapassam largamente o razoável e porque tentam impedir que a ausência de professores deixe os alunos sem aulas”, sublinha. Os dados da DGEEC são, para Cristina Mota, “o reflexo estatístico mais evidente da crise que a MEP tem vindo a denunciar: o sistema está a funcionar graças ao esforço extraordinário de quem já trabalha muito para além do limite”. Contudo, a porta-voz admite que o “esforço adicional dos professores não é suficiente para garantir o funcionamento pleno das escolas”. “A falta de docentes ultrapassa largamente a capacidade de compensação através de horas extra, e o resultado é devastador: milhares de alunos, em todo o país, continuam sem aulas a pelo menos uma disciplina durante semanas ou meses, uma realidade profundamente injusta que não surge nos relatórios estatísticos, mas que marca, todos os dias, o percurso académico de cada aluno”, denuncia. As horas extraordinárias são, para o movimento, “o mecanismo invisível que impede o colapso imediato do sistema, mas ao mesmo tempo são o principal fator de desgaste, burnout e abandono da profissão”.Cristina Mota volta a alertar para o que considera ser a normalização de uma realidade “inaceitável”. “Temos uma Escola Pública onde o total de alunos cresce, o total de professores encolhe e o número de crianças e jovens sem aulas aumenta a olhos vistos. É um modelo que aprofunda desigualdades, fragiliza territórios inteiros e compromete direitos constitucionais”, afirma. A Missão Escola Pública apela ao Governo para que “assuma a gravidade desta evidência estatística e avance de forma responsável e honesta para a verdadeira revisão do Estatuto da Carreira Docente, valorizando a carreira”. “Mais alunos e menos professores não é um dado neutro – é o retrato de um sistema à beira da rutura. Sem professores não há escola – e sem escola não há futuro”, conclui..Mais de seis mil professores pediram subsídio de deslocação. 460 foram recusados