General Agostinho Costa
General Agostinho CostaDiana Quintela

"Guerra eletrónica da Ucrânia pode explicar drones russos na Polónia", defende o general Agostinho Costa

Para o analista de segurança internacional, Moscovo evita confronto com a NATO porque sabe que um choque direto traria perdas pesadas e risco de escalada nuclear.
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Que leitura faz deste "incidente" com os drones russos na Polónia? O que é que está em causa?

É grave por dois motivos. Entre as várias possibilidades, aqui ficam essencialmente duas: ou foi intencional — uma mensagem, eventualmente enquadrada num exercício que se sabe que a Rússia está a preparar —, ou resultou de efeitos de guerra eletrónica.

Quanto à hipótese de mensagem: começa depois de amanhã um exercício (os russos usam frequentemente esses momentos para demonstrações).

Na doutrina militar russa, antes de uma ação efetiva há sempre uma ação de demonstração — foi assim em 2022. Não creio que haja intenção de “invadir a Europa”, mas pode haver vontade de mandar um sinal duro, de testar a decisão e a coesão da NATO, uma organização que ainda não foi efetivamente testada neste tipo de cenário.

E a segunda?

É a que me parece mais provável: a dos efeitos de guerra eletrónica. Os ucranianos, com apoio ocidental, têm desenvolvido capacidades significativas e, por exemplo, há dois dias lançaram um grande ataque sobre Donetsk com mais de 200 drones e mísseis, incluindo novos vetores propulsados a jato, mais próximos de mísseis de cruzeiro do que de drones. Olhamos muito para as capacidades russas, mas os ucranianos não têm estado parados.

Ou seja, pode ter sido uma interferência eletrónica, guerra eletrónica da Ucrânia a explicar os drones russos na Polónia. Digo isto por dois indícios: a profundidade atingida e a aparente ausência de alvos definidos.

Alguns drones chegaram a entrar pela Bielorrússia; e, ao contrário do padrão sobre a Ucrânia — onde as trajetórias são coerentes com objetivos militares —, aqui vê-se aparelhos “às voltas”, sem coerência de rota. Os próprios ucranianos costumam difundir mapas após ações desta natureza; nesse material nota-se bem essa diferença de padrão.

Ou seja, admito duas leituras: a primeira (a que atribuo cerca de 30% de probabilidade) é intencional: antes de uma determinação formal da NATO, testar as suas capacidades de defesa aérea na Polónia.

A segunda (a que atribuo 70% de probabilidade) prende-se com os efeitos de guerra eletrónica: ao interferir com sistemas russos, a Ucrânia acabou por forçar drones a entrar em território polaco, sem alvos claros.

E qual o objetivo?

Esse precedente pode pressionar a NATO a reforçar a defesa aérea, sobretudo ao longo da fronteira ucraniana, ou mesmo a considerar uma zona de exclusão aérea parcial no ocidente da Ucrânia, onde estão a logística e os depósitos.

Isto até é coerente com declarações recentes do antigo Presidente Andrzej Sebastian Duda, que disse que a Ucrânia tenta sistematicamente arrastar a Polónia para uma ação direta — o que é compreensível do ponto de vista ucraniano.

Por outro lado, serve também a Varsóvia para pressionar a UE a financiar a Polónia como “bastião” europeu: estão a orientar dezenas de milhar de milhões de euros para infraestruturas e defesa; é o país da NATO que mais tem investido e também quem mais tem suportado custos.

Os EUA também beneficiam com mais encomendas de defesa…

O “cinismo” existe. Mas não tem comprado apenas aos EUA — há compras significativas à Coreia (aviões semelhantes ao F-16, carros de combate, etc.).

Sem desvalorizar que subimos um degrau na escalada — o que ninguém deseja —, há beneficiários: a Polónia, pela consolidação do papel de bastião e pelo financiamento; a Ucrânia, porque espera ver a sua defesa aérea reforçada a partir do exterior; e os EUA, pela dinamização da sua base tecnológica e industrial de defesa.

Entretanto, em paralelo, Washington pressiona a Europa para impor tarifas muito elevadas (100%) à China e à Índia em certas áreas — energia incluída.

Do lado russo, há lições duras: um drone entrou mais de 300 quilómetros, um deles terá aterrado por provável falta de combustível a sudoeste de Varsóvia. Moscovo terá de retificar sistemas de navegação. E a Europa sente o custo político: quanto mais se afasta do seu foco inicial (desenvolvimento, bem-estar e comércio), mais expõe fragilidades — veja-se a agitação social em França, as dificuldades no Reino Unido e na Alemanha.

Em suma: quem está realmente preocupado são os ucranianos — que podem ver parte dos recursos redirecionados para a defesa europeia imediata se a UE/NATO se sentirem diretamente ameaçadas.

A Rússia quer escalar a guerra? Tem interesse numa confrontação com a NATO?

Não creio. O objetivo russo imediato é operacional: concentrar forças para tomar a última linha na frente de Donetsk. Os ucranianos, através da sua inteligência, detetaram a concentração, avançaram e atacaram quartéis-generais nessa zona.

Moscovo não tem interesse numa guerra com a NATO: uma confrontação direta provocaria danos profundos e arriscaria escalada nuclear — algo que os EUA também não querem. O mais provável é manterem a guerra “em lume brando”, com esforço militar e económico calibrado para se auto-sustentar.

Há ainda uma “distopia” europeia: Viktor Orbán comparou a UE aos EUA antes da Guerra Civil, aludindo à criação de dívida comum como motor de integração. Parêntesis à parte, a verdade é que o conflito ucraniano tem sido um acelerador de integração europeia — por necessidade, mais do que por liderança inspiradora. Mas também há desajustes: a Suécia, por exemplo, tem retórica firme, uma indústria relevante, mas forças armadas de pequena dimensão.

E Portugal? Esta situação justifica antecipar mais metas de investimento em defesa?

Portugal beneficia da sua geografia. Mesmo num cenário de escalada, não estaríamos na “zona de combate”, mas sim na zona de comunicações (portos e aeroportos de desembarque para reforços e logística). A nossa mais-valia para a Aliança está nas rotas do Atlântico e no “triângulo estratégico” português.

Daí duas prioridades:

Infraestruturas de apoio — ferrovia capaz de movimentar meios pesados, contentores e material; revalorização do Atlântico como teatro estratégico; capacidade de acolher e escoar reforços.

Capacitação logística e de base — como na Primeira Guerra Fria: bases e pistas de receção/desdobramento (recordo a importância histórica de Ovar/Maceda, por exemplo).

Não vale a pena “lançar dinheiro” onde não faz diferença. O que temos projetado para leste são companhias — militarmente irrelevantes por si. Os nossos F-16 não mudam o equilíbrio regional. O ganho marginal está na resiliência logística e na segurança das linhas marítimas.

Estamos sempre sujeito a ciber-ataques...

Claro que guerra híbrida é um risco transversal e pode atingir-nos. Estamos “com os dois pés” numa das partes do conflito; por isso, a política de defesa tem de seguir a política externa — que deve servir os interesses do povo português.

Deixo um reparo: na recente visita à China, teria sido preferível ver o Primeiro-Ministro a defender investimentos concretos em Portugal (por exemplo, uma fábrica automóvel de um grande fabricante como a BYD, aproveitando o nosso cluster e a presença da Volkswagen), em vez de apelos genéricos à mediação na guerra — algo que pouco muda a posição de Moscovo e de Pequim. É uma opinião, não uma crítica pessoal.

Em suma, Portugal deve priorizar capacidade militar “de ponta” ou infraestruturas e logística?

Infraestruturas e logística, claramente — para cumprir as responsabilidades na NATO como “zona de comunicações” segura e eficiente. Isso não exclui reforços seletivos (ciber, defesa aérea de pontos críticos, proteção de infraestruturas), mas a nossa diferença faz-se no que podemos receber, movimentar e sustentar para apoiar o esforço aliado.

General Agostinho Costa
“Não foi um incidente ocasional. Hoje é um drone, amanhã será um míssil”

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