General Marco Serronha, ex-Chefe do Estado-Maior do Comando Conjunto para as Operações
General Marco Serronha, ex-Chefe do Estado-Maior do Comando Conjunto para as OperaçõesGerardo Santos

“Não foi um incidente ocasional. Hoje é um drone, amanhã será um míssil”

O general Marco Serronha, ex-comandante do Comando Conjunto de Operações Militares e especialista em estratégia, analisa a entrada de drones russos na Polónia e defende respostas firmes da NATO.
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O primeiro-ministro da Polónia pediu que fosse ativado o artigo 4.º do Tratado do Atlântico Norte por causa a violação do espaço aéreo polaco por drones russos. Era expectável um escalar desta natureza?

Faz parte da estratégia russa relativamente à Europa. Aliás, já se sabia: há dois meses que andavam a fazer testes com drones não armados, equipados com cartões SIM da Lituânia e da Polónia. Para quê? Para não serem detetados quando sobrevoassem esses países. Os drones utilizam sistemas de apoio ao alinhamento e navegação, e transmitem informação à distância. Já havia indícios destes testes e agora confirmou-se: os drones que foram apanhados tinham cartões da Polónia e da Lituânia.

Independentemente da violação do espaço aéreo da União Europeia e da NATO, isto foi também um teste à capacidade de resposta da Aliança. Não se pode brincar com isto. A própria Polónia não vai deixar passar, mesmo que a NATO — por influência americana — não queira reagir. Os EUA ainda estão com desconfiança por causa do episódio do míssil que, afinal, não era russo. Mas neste caso não há dúvidas: há fotografias. Se não houver resposta da União Europeia, provavelmente a Polónia vai agir sozinha e pré-posicionar forças.

O que é que a Polónia pode fazer?

A Ucrânia já pediu posicionamento de meios em território ucraniano. Sabemos qual é a posição da Rússia, mas se a comunidade internacional se limitar a reagir com sanções, eles continuarão. Hoje é um drone, amanhã será um míssil.

Então considera que a resposta deve ir além das sanções?

As sanções não chegam. A única reação eficaz é o pré-posicionamento de dispositivos mais avançados. Os países da linha da frente — Polónia, Lituânia — devem ter sistemas de defesa aérea robustos. Claro que os bálticos têm problemas adicionais, porque fazem fronteira direta com a Rússia.

Se os drones entrarem a 20 ou 30 quilómetros da Polónia, ainda em território ucraniano, podem ser abatidos aí. Moscovo dirá que é intromissão, mas na prática não pode fazer muito. A questão é: os europeus vão ter coragem de avançar ou vão ficar inativos?

A sua proposta é mostrar uma defesa forte, mais do que um ataque direto à Rússia?

Exatamente. Não foi um incidente ocasional na linha de fronteira: um dos drones entrou 300 quilómetros no território polaco. Isto não é uma brincadeira. Não chega responder com comunicados ou sanções. É preciso reforçar o dispositivo aliado, encostar à fronteira e estabelecer uma linha de segurança.

A Polónia invocou o artigo 4.º. O primeiro-ministro Donald Tusk alertou para o risco de um conflito militar mais próximo que nunca desde a Segunda Guerra Mundial. É demasiado alarmista?

Não me parece. O artigo 4.º é o passo normal: consultas quando há ameaça. Antes de se chegar ao artigo 5.º e a uma resposta militar, convoca-se o Conselho. Agora, essas consultas têm de produzir uma mensagem forte para Moscovo e orientações claras para a estrutura militar da NATO: reforço das precauções, atualização das regras de engajamento e pré-posicionamento avançado junto à fronteira. Tudo o que entrar nessa direção deve ser abatido.

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Trump mostra-se enigmático em mensagem sobre drones russos na Polónia: "Lá vamos nós”

Acha que isto pode prenunciar um ataque mais forte da Rússia contra a Ucrânia?

Não creio. A resposta terá de ser da NATO, e aí é mais difícil obter consenso. Retaliações sobre a Ucrânia dividem os aliados. Por isso, o foco deve ser a integridade do território da Aliança, não envolver diretamente a Ucrânia nesta equação.

E os Estados Unidos também não vão querer arrastar a NATO para dentro da Ucrânia. O essencial é proteger o espaço aliado.

A situação pode obrigar a Europa a antecipar o investimento em defesa? A meta era de 3,5% do PIB em 2030. Este calendário pode ser reconfigurado?

Este episódio reforça a necessidade de prevenção. A prioridade deve ser a defesa aérea e antimíssil, não a compra de carros de combate. Temos de investir nos sistemas que realmente importam: defesas aéreas, antimísseis, guerra eletrónica. É uma questão de prioridades, não apenas de mais dinheiro.

Incluindo Portugal?

Naturalmente. Dou dois exemplos. Primeiro, temos uma força na Roménia. Se tivesse de ser empregue em combate, os stocks de mísseis não chegavam para 30 dias. Segundo, mandamos F-16 para missões de policiamento aéreo, mas a responsabilidade das munições é de cada país. Temos de investir em mísseis e stocks próprios.

Portugal não pode ignorar estas necessidades, sobretudo se houver uma expansão da guerra híbrida. É preciso pensar em duas dimensões: forças projetadas no leste da Europa e defesa aérea em território nacional, incluindo os Açores. Em ambos os casos, temos de investir em sistemas de defesa aérea.

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Tusk: "Esta situação aproxima-nos mais do que nunca de um conflito aberto desde a Segunda Guerra Mundial".

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