General piloto-aviador João Guilherme Cartaxo Alves, Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, é natural de Almada e ingressou na Academia Militar no início da década de 80.Piloto de referência em transporte geral, sobretudo uma carreira muito ligada ao C-130, foi comandante da Base Aérea do Montijo e desempenhou funções no Comando Operacional da Força Aérea, experiências que lhe deram contacto direto com a gestão de meios, pessoas e missões. Em fevereiro de 2022 assumiu a chefia da Força Aérea, tendo sido reconduzido no cargo em 2025.Enquanto CEMFA, tem estado no centro de debates decisivos sobre o futuro da Força Aérea e das Forças Armadas: o investimento em novas capacidades, a substituição dos F-16, a integração de drones e sistemas espaciais, a articulação com a NATO e, sobretudo, os desafios do recrutamento e da retenção de militares.Além de chefiar a Força Aérea, é também a Autoridade Aeronáutica Nacional, com responsabilidades que cruzam a defesa e a segurança do espaço aéreo português.É com essa experiência operacional e estratégica que nos ajuda a olhar para a Força Aérea do presente — e para as escolhas que vão marcar a sua evolução nas próximas décadas.Vamos começar por fazer um balanço deste último ano, que foi bastante dinâmico. Peço-lhe que nos diga, de forma muito concreta, que capacidades da Força Aérea foram reforçadas e que novas capacidades foram criadas?Efetivamente, o ano de 2024 foi um ano de mudança também na Força Aérea. Nós temos vindo a alicerçar várias transformações, mas foi em 2024 que decidimos, de certa forma, olhar com mais clareza para a Força Aérea do futuro. Os desenvolvimentos internacionais que ocorreram obrigaram-nos a pensar de forma diferente, de uma maneira muito proativa, e por isso lançámos uma diretiva de planeamento a que chamámos a Transformação do Poder Aéreo Nacional — ou, mais precisamente, do poder aeroespacial nacional.Esta diretiva olha para o horizonte 2024-2034, portanto uma década, e foca-se essencialmente nas capacidades da Força Aérea, tendo como pilar fundamental os processos e, sobretudo, as pessoas. Sem pessoas, hoje, não se faz rigorosamente nada. São efetivamente o pilar mais importante das capacidades.Em termos muito concretos, introduzimos operacionalmente o KC-390. Foi a última aeronave que a Força Aérea recebeu e, neste momento, temos três aeronaves disponíveis para a operação. Introduzimos também o Black Hawk, o novo helicóptero da Força Aérea, num programa sustentado que prevê que, até ao final do próximo ano, recebamos os primeiros nove helicópteros. Neste momento, temos já cinco integrados no dispositivo. . Reforçámos igualmente a frota do P-3 no âmbito da vigilância e da segurança, passando de cinco para onze aeronaves, através de um protocolo com a Alemanha, que nos permitiu integrar seis aeronaves desta capacidade. Paralelamente, iniciámos o processo de modernização do P-3 em duas fases distintas. Encontra-se atualmente em curso a segunda fase dessa modernização, que vai conferir à aeronave uma maior capacidade de combate e introduzir uma nova vertente na vigilância, nomeadamente a capacidade de operar praticamente em tempo real, com elevada conectividade com outras capacidades.Em 2024 iniciámos também o Programa Espacial da Força Aérea, que considero fundamental. A implementação desse programa tem sido um sucesso.Programa espacial… pode explicar um pouco melhor?O programa espacial assenta, antes de mais, na necessidade de a Força Aérea ter uma perfeita noção do espaço onde opera. Integra uma capacidade de satélites e prevê o lançamento de dois satélites da nossa constelação, em estreita parceria com o ecossistema espacial nacional, envolvendo empresas nacionais, ao nível da integração de satélites e da indústria, bem como universidades como a Universidade do Minho, a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e o Instituto Superior Técnico.A base de tudo isto é a chamada constelação do Atlântico, que agrega este conjunto de empresas e instituições. No próximo ano vamos lançar dois satélites: um no final de fevereiro, outro em abril, e mais dois até ao final do ano. Teremos assim uma primeira constelação de quatro satélites, à qual se juntarão mais dois lançamentos em 2027 e outros dois em 2028, perfazendo uma primeira constelação de oito satélites.. Que vão fazer exatamente esses satélites? Para que vão servir?A função principal destes satélites é a observação da Terra, embora tenham múltiplas aplicações. Para nós, é fundamental ter um mapeamento correto de todo o território nacional, desde a zona mais a oeste, para lá dos Açores, até à fronteira terrestre. Queremos ter capacidade de perceber o que se passa num determinado espaço com uma revisita de cerca de meia hora.Estamos a falar de satélites de órbita baixa, que nos permitem adquirir imagens de alta resolução — no caso dos satélites de radar de abertura sintética, resoluções na ordem dos 25 centímetros — mas também de satélites óticos, que serão lançados em parceria com a indústria nacional. Estes satélites óticos permitirão obter imagens da Terra e perceber dinâmicas fundamentais não só para fins militares, mas também para áreas como as pescas, o controlo de incêndios, a monitorização ambiental e do carbono, entre muitas outras.Este conjunto de capacidades permite apoiar o país em áreas extremamente relevantes, ao mesmo tempo que garante uma autonomia acrescida em termos de operações militares. No último exercício que realizámos em Beja, o exercício Real Thaw, integrámos pela primeira vez esta capacidade espacial com países europeus parceiros e aliados da NATO. Foi um exercício muito bem-sucedido, onde testámos cenários completamente novos e dinâmicos, integrando espaço, drones e novas ameaças. Foi, sobretudo, um exercício de experimentação de novas técnicas, novos procedimentos e de partilha de conhecimento entre todos os participantes.De que forma é que a guerra na Europa e a normalização do fator drone mudaram o dia a dia da Força Aérea?O fator drone, para a Força Aérea, não é propriamente uma novidade absoluta, embora tenha ganho um peso muito mais forte a partir de 2022, com a guerra na Ucrânia. A Força Aérea foi bastante pioneira nesta área. Em 2009, desenvolveu projetos de drones em parceria com a Universidade de Berkeley, na Califórnia, com a Universidade de Munique, com a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, com o Instituto Superior Técnico e com o Centro de Investigação da Academia da Força Aérea. Foi aí desenvolvido um dos primeiros drones nacionais, testado em várias configurações e com diferentes finalidades.Na altura, tratava-se essencialmente de drones com fins de investigação científica, sobretudo para recolha de imagem. Hoje estamos num patamar completamente diferente. Falamos de drones com utilizações operacionais muito mais complexas, o que naturalmente alterou a forma como a Força Aérea opera.Com a introdução dos sistemas ARX, vamos receber, ainda este ano da Tekever os primeiros dois sistemas de um total de oito, que irão reforçar a nossa capacidade de vigilância, reconhecimento e informação — aquilo a que chamamos Intelligence, Surveillance and Reconnaissance. Paralelamente, estamos a desenvolver, um programa de um drone de maior dimensão, já de classe II/III, com uma envergadura próxima dos 20 metros. Trata-se de um sistema que permitirá permanecer no ar durante 12 a 16 horas, incorporar sensores e diferentes data links, garantindo uma conectividade e uma capacidade de observação muito superiores.. Tudo isto obrigou a Força Aérea a integrar um novo tipo de ameaça — a ameaça dos drones — nos seus procedimentos e na forma de atuar. O exercício realizado recentemente em Beja foi um primeiro grande teste nesse domínio. A Força Aérea adquiriu sistemas antidrones e iniciou um processo de modernização das suas bases, que passarão a dispor de sistemas de proteção contra este tipo de ameaça.Estamos também a trabalhar na ligação de todos estes sistemas a uma rede integrada de defesa aérea, o que é absolutamente fundamental. Isso implica, naturalmente, uma articulação com os sistemas de defesa aérea existentes e obriga-nos a olhar para outra dimensão crítica: a modernização dos radares.Os radares que a Força Aérea utilizava são os chamados radares legacy, comuns a muitos países da NATO, muito eficazes na deteção de aeronaves tradicionais e na vigilância do espaço aéreo. No entanto, devido à especificidade dos drones, nomeadamente à sua reduzida assinatura radar — a chamada Radar Cross Section —, a sua deteção torna-se muito mais difícil. Por isso, tornou-se indispensável iniciar um processo de modernização de toda a rede de radares, processo esse que já arrancou.Os radares da Força Aérea são de quando?Estes radares datam, em grande parte, da década de 1980 e encontram-se naturalmente numa fase em que a modernização é necessária. Os novos radares permitirão não só detetar drones, mas também outras ameaças, como mísseis de cruzeiro. Tivemos recentemente exemplos muito claros, nomeadamente no Médio Oriente, da importância de integrar todas estas capacidades de forma coerente, garantindo uma resposta eficaz e a sobrevivência face a ameaças cada vez mais complexas. .Vamos então falar de investimento. Os 2% do PIB para a Defesa, anunciados pelo Governo e que deverão ser concretizados até ao final deste ano, como é que vão ser executados na Força Aérea?Para nós, essa foi uma excelente notícia. Após décadas de alguma estagnação, com impacto direto nas manutenções e na operacionalidade dos sistemas, esta decisão representou uma verdadeira lufada de ar fresco. O processo tem decorrido de forma muito expedita, com uma ligação muito próxima entre a Força Aérea, o Ministério da Defesa, o Estado-Maior-General das Forças Armadas e a indústria de Defesa.O que considero particularmente relevante é que esta abordagem conseguiu unir todos os atores do setor da Defesa. Permitiu-nos fazer um diagnóstico claro de onde estamos e, a partir daí, projetar o futuro. No caso da Força Aérea, uma parte muito significativa destes 2% foi aplicada na recuperação e na revitalização de várias frotas…Equivale a que valor?Só no caso da Força Aérea estamos a falar de um montante na ordem dos 170 milhões de euros. Desses, cerca de 60 milhões dizem respeito à incorporação associada à nova aeronave KC-390, incluindo a opção de aquisição de mais uma aeronave, que foi anunciada pelo senhor ministro e que faz todo o sentido face às necessidades e às lacunas existentes na área logística, quer da Força Aérea, quer da própria NATO.Os restantes 110 milhões de euros foram aplicados essencialmente na recuperação de sistemas, na aquisição de novos sistemas de radar, em drones e também na capacidade espacial. Foi sobretudo nestas áreas que concentrámos a aplicação desse valor.Esse montante já está aplicado?Sim, está. Aliás, a grande maioria desse valor terá execução até ao final do ano.A este reforço junta-se ainda a candidatura ao programa europeu SAFE. Dos 5,8 mil milhões já sabemos que uma parte significativa será destinada às fragatas da Marinha e às Forças Armadas nacionais...Nós temos de romper um pouco com a ideia do passado de que tudo tem de ser sempre distribuído de forma igual. Não é assim. O país tem necessidades estruturantes muito concretas. Temos uma área marítima extraordinária e, pelas responsabilidades que assumimos no seio da NATO, uma parte muito significativa dessas necessidades recai naturalmente sobre meios aéreos, que operam neste grande espaço aeronaval.É evidente que a Marinha, com as novas fragatas, necessitava dessa fatia. A Força Aérea, por seu lado, recebeu aquilo que era extraordinariamente importante e crítico neste momento: radares de última geração, drones, capacidades espaciais e sistemas de defesa aérea.. Mas qual é, afinal, o valor previsto para a Força Aérea no âmbito do SAFE?Estamos a falar de um valor próximo dos 180 milhões de euros. A diferença face a outros investimentos é significativa, mas foi calculada dessa forma e aceite por todos. Houve um planeamento muito rigoroso sobre quais seriam as capacidades a desenvolver.Estamos a falar de radares, drones e satélites?Satélites, drones, radares e também sistemas de defesa aérea, nomeadamente sistemas de mísseis terra-ar, incluindo capacidades de médio alcance.E em termos de negociação de contrapartidas, como funciona este programa?Neste programa, propriamente dito, não existem contrapartidas no sentido tradicional. Essa é, aliás, uma das características interessantes do SAFE. Trata-se de um programa mutualista, cuja função principal é estimular as capacidades de defesa da Europa, integrando as suas indústrias.Aqui não se trata apenas de comprar equipamentos. Para que um projeto seja elegível, é necessário que pelo menos dois países tenham necessidade da mesma capacidade mínima. No caso do espaço, por exemplo, trata-se de um programa fundamental para Portugal que é desenvolvido em conjunto com a Finlândia.Portugal e a Finlândia vão adquirir o mesmo tipo de satélites. No nosso caso, vamos adquirir quatro satélites, num investimento de cerca de 90 milhões de euros apenas nesta área. Isto vai conferir-nos uma grande resiliência operacional. Tanto os satélites portugueses como os finlandeses vão ser montados em Portugal e exportados a partir de Portugal.Isto acontece porque o programa espacial que a Força Aérea lançou em 2024 prevê a criação de infraestruturas de construção e integração. Quando iniciámos esta capacidade com a empresa finlandesa, ficou desde logo estabelecida a transferência de tecnologia e a formação de pessoal — não apenas engenheiros da Força Aérea, mas também de universidades portuguesas.Em Alverca, estamos a transformar a base num verdadeiro Space Technological Hub nacional, onde vamos acolher esta empresa e todo o ecossistema espacial nacional. Vamos ser um dos poucos locais na Europa com capacidade para integrar até 16 satélites em simultâneo. Estes satélites serão totalmente construídos e integrados em Portugal, o que nos dá uma resiliência enorme.É isto que o SAFE traz às indústrias e aos países: um processo partilhado, estruturante e com impacto real.. E são estas, no fundo, as contrapartidas. Pelo que percebo, estes equipamentos terão um forte envolvimento da indústria nacional.Isso é muito claro, sobretudo na área do espaço.Estas escolhas, segundo o que foi dito pelo senhor ministro, tiveram em conta as necessidades capacitárias da NATO. Como é que isso se articula com as necessidades e o interesse nacional?Essas duas dimensões têm sempre de estar articuladas. Eu diria que começa sempre pelo interesse nacional — e é assim que a própria NATO encara a questão. Cada país define primeiro as suas necessidades nacionais, em termos de garantia da soberania, de acordo com o seu conceito estratégico nacional.A partir daí, essas necessidades traduzem-se em conceitos estratégicos militares, sistemas de forças e capacidades. Depois, é necessário enquadrar tudo isso nos planos regionais da NATO. Cada país está inserido numa determinada área com missões específicas. Portugal integra o Plano Noroeste da NATO, que cobre o Atlântico Norte, em articulação com os Estados Unidos, mas também está ligado ao Mediterrâneo e à área sul da Europa.Estes são os teatros onde Portugal terá de atuar. Para cumprir essas missões no seio da NATO, temos de dispor de capacidades adicionais àquelas que garantem apenas a soberania nacional. Essas capacidades podem ser complementares ou distintas.Foi precisamente com esse objetivo que todo o planeamento militar — quer no âmbito dos 2%, quer no âmbito do SAFE — foi concebido: garantir que Portugal continua a ser um parceiro credível e útil no seio da Aliança Atlântica.Mas, entre as necessidades de capacidade da NATO e as prioridades nacionais, o que é que não é negociável para a Força Aérea Portuguesa?O que não é negociável para a Força Aérea é a soberania nacional. Esse é o ponto central: o superior interesse dos portugueses e de Portugal. Isso é, efetivamente, o que não é negociável. A partir daí, podemos discutir todas as capacidades que são necessárias, aquelas de que precisamos para cumprir o espectro alargado de missões que temos no âmbito da nossa responsabilidade nacional. Essas capacidades são fundamentais e críticas, disso não há qualquer dúvida. . Vamos agora falar da substituição dos caças F-16. O ministro já disse que o processo ainda não teve início e que possivelmente nem terá início no próximo ano. Quando é que a Força Aérea precisa de uma decisão concreta para que não exista um vazio nesta capacidade?A Força Aérea não precisa de decisões precipitadas. Acho que, ao longo do tempo, nos temos centrado excessivamente na questão do F-16. A substituição do F-16 deveria ter sido um processo iniciado há cerca de vinte anos. Recebemos os nossos F-16 ao mesmo tempo que países como a Dinamarca ou a Noruega, e a maioria desses países iniciou o seu processo de substituição em 2008 ou 2009. Estamos em 2025.Nunca a Força Aérea teve uma aeronave em serviço ativo durante tantos anos consecutivos: 31 anos, no caso dos mais recentes, e quase 40 anos no caso dos mais antigos da segunda leva de F-16. Este processo pecou por ter começado tarde, mas ainda bem que começou. E devo dizer que tem havido um apoio externo importante, com um diálogo permanente com a tutela sobre esta matéria.É também por isso que o programa SAFE tem uma forte ligação a equipamentos europeus. Tenho insistido muitas vezes numa palavra-chave: conectividade. Conectividade é fundamental e está na base dos conflitos atuais. Ou operamos em tempo real, com acesso a todos os fluxos de informação e a toda a capacidade de dados, ou não conseguimos fazer face às ameaças que hoje existem.Ter apenas F-35 levanta uma questão essencial: com o que é que esses sistemas se conectam? Precisamos de novos radares, de sistemas de defesa aérea integrados. Se olharmos, por exemplo, para o caso de Israel, numa única noite foram gastos cerca de três mil milhões de euros em sistemas para defender Telavive. Porquê? Porque na rede de defesa aérea estavam integrados os F-35, sistemas de defesa aérea e radares de última geração, todos interligados.Quando tudo está integrado, não podemos correr o risco de gastar um ou dois milhões de euros — o custo de um míssil — e lançar dois mísseis para o mesmo alvo. A inteligência artificial e os algoritmos estão hoje associados a todo este sistema em rede. As aeronaves, sejam elas F-35 ou sistemas baseados em terra, têm mecanismos automáticos de priorização de alvos.É isso que precisamos também em Portugal. Daí que uma das grandes prioridades tenha sido a substituição dos radares, nomeadamente a instalação de novos radares nos Açores. Aproveitámos também o SAFE porque precisamos de sistemas de defesa aérea de última geração.A substituição do F-16 tem de ocorrer com todas estas condições reunidas. Caso contrário, não serve para o objetivo pretendido. É evidente que o F-16 vai ser substituído, esse processo vai decorrer e está a ser discutido com a tutela. Estamos neste momento a limar todos os pormenores.. Mas qual é o momento ideal para que exista uma decisão? Quanto tempo mais é que o F-16 aguenta?Não se trata de uma questão de “aguentar”. Tem a ver com a evolução dos sistemas e com o obsoletismo de algumas das capacidades atuais. Estou convicto de que essa decisão irá decorrer ao longo do próximo ano. Neste momento, estamos a trabalhar em paralelo nas duas dimensões — a quinta e a sexta geração — porque, historicamente, a Força Aérea sempre operou com dois aviões de defesa aérea em simultâneo, o que é normal em praticamente todos os países.Tivemos um atraso no passado, mas finalmente estamos agora a entrar nos ritmos certos. Estou convencido de que, durante o próximo ano, teremos novidades sobre a substituição dos F-16.Tem acompanhado o posicionamento do mercado e da indústria, nomeadamente a concorrência europeia aos fabricantes norte-americanos. O senhor general já afirmou publicamente que o F-35 seria a escolha mais natural. Tendo em conta que, no programa SAFE, o ministro sublinhou que as escolhas foram técnicas e não políticas, isso deixa-o mais tranquilo quanto à decisão que venha a ser tomada?Claro. Vamos ver: compete a um ramo, a uma força militar, identificar a melhor opção do ponto de vista estritamente militar. Como dizem os anglo-saxónicos, the best military option. Cabe à Força Aérea dizer qual é a melhor solução militar para uma determinada capacidade. Naturalmente, compete depois ao poder político tomar a decisão final, ponderando vantagens, desvantagens e riscos, e decidir se avança ou não por esse caminho.Penso que existe aqui uma convergência de ideias entre as diferentes áreas. Como já referi, este processo não começou no tempo certo no passado e, por isso, tem agora de ser enquadrado no momento adequado, em articulação com outros sistemas e com outras capacidades que dão sentido a essa opção.Conhecemos bem o posicionamento muito forte da maioria dos países. Mas também temos de considerar fatores como os prazos de entrega, quer das aeronaves de quinta geração, quer das de sexta geração. Estas opções não são incompatíveis entre si. Se Portugal fizer as coisas corretamente, poderemos ter aeronaves de quinta geração e, mais tarde, de sexta geração a começar a operar dentro desse horizonte temporal.Não podemos olhar para estas decisões numa perspetiva imediatista. Temos sempre de pensar a 20 anos. Os sistemas da Força Aérea são altamente tecnológicos e obrigam-nos a ser visionários, a olhar à frente. A sexta geração, por exemplo, já incorpora sistemas de energia dirigida. Já não estamos a falar apenas de aeronaves que lançam mísseis, mas de tecnologias completamente disruptivas. Temos de pensar nelas hoje — e já temos pessoas a trabalhar nessas áreas.Isto significa que há um caminho intermédio a percorrer e que o essencial é a capacitação das forças. Portugal é, muitas vezes, visto apenas na sua dimensão territorial de norte a sul, mas a realidade estratégica é outra. A distância entre a fronteira a oeste dos Açores, para lá das Flores, e a fronteira terrestre com Espanha é semelhante à distância entre Lisboa e a Ucrânia.Se olharmos para o espaço europeu, para o número de sistemas e de aeronaves que nele operam, percebemos que temos de projetar a Força Aérea e as Forças Armadas para responder aos conflitos do futuro, que tendem a ser cada vez mais regionais. Começámos com a Ucrânia em 2022, temos Israel, conflitos no Mali, na República Centro-Africana, tensões no Mar da China Meridional entre a China e as Filipinas, e a questão de Taiwan entre os Estados Unidos e a China.Tudo isto está interligado. Portugal encontra-se no cruzamento das maiores linhas de comunicação aéreas e marítimas entre os Estados Unidos, a América do Sul e a Europa. A nossa área estratégica está no centro dessas rotas e, por isso, temos de dimensionar as forças de forma a garantir capacidade de atuação e presença ativa naquilo que é, em primeiro lugar, a soberania nacional.. Para concretizar: quando diz que os caças que venham a ser escolhidos têm de estar articulados com os radares e com os sistemas de defesa antiaérea, esses sistemas já estão adquiridos? Esses sistemas já estão a ser pensados a partir do F-35 ou são abertos a outras possibilidades?São abertos a outras possibilidades. Não são exclusivos do F-35, mas estão perfeitamente interoperáveis também com ele.Não valia a pena esperar pela sexta geração?Não, não digo que valha a pena esperar pela sexta geração. Ainda vai demorar muito tempo até lá chegarmos e temos de ter uma solução intermédia que colmate essa lacuna. Se tomarmos esta decisão — como espero — estamos a falar ainda de uma década e meia, ou mesmo duas décadas, até à chegada plena da sexta geração.O facto de estarmos já a trabalhar nessa próxima geração não significa que não tenhamos de decidir o que fazer entretanto. É precisamente por isso que estou otimista. Muito otimista relativamente ao próximo ano. Tudo isto começa a encaixar-se e acredito que teremos boas notícias.E, já agora, quantos caças estamos a falar? Quantos seriam necessários?Essa é a grande dúvida, porque é aí que se toca verdadeiramente na ferida. Se não estivéssemos a trabalhar desde já na sexta geração, a indicação seria uma. Estando a trabalhar nessa matéria, podemos equacionar uma ou duas fases, eventualmente um número mais reduzido numa primeira etapa, com uma certa defasagem temporal.Tudo isso está em cima da mesa. É por isso que digo que ainda precisamos de maturidade suficiente para colocar uma solução definitiva. Estamos a trabalhar para lá chegar.Consegue dar-nos valores e números mais aproximados?Os números serão sempre próximos dos que conhecemos do passado. Oscilarão entre os 14 e os 28 caças, sensivelmente. Esses valores tendem a manter-se, independentemente da solução escolhida.No que diz respeito aos custos, seja o F-35 ou qualquer outra capacidade, os valores são muito semelhantes. Estamos a falar de intervalos que oscilam entre os 3 mil milhões e os 4,8 mil milhões de euros. Houve referências no passado a valores na ordem dos 5 mil milhões, mas o essencial é perceber que, dentro deste espectro, os números não diferem assim tanto entre soluções.Não está muito longe do valor das fragatas, pois não?Não, não está. Estamos a falar de sistemas altamente tecnológicos. Tal como as fragatas são navios de última geração, também estas aeronaves representam tecnologia de ponta. Houve esta oportunidade de financiamento através do SAFE para determinados sistemas; no caso das aeronaves, a aquisição será obviamente enquadrada na Lei de Programação Militar. Não vejo que possa ser de outra forma.. Para terminar esta parte, uma pergunta sobre os Black Hawk e a capacidade de apoio ao INEM, nomeadamente na evacuação médica. Onde é que estes helicópteros podem aterrar? Em unidades hospitalares? Como é que isto está organizado?O Black Hawk é, diria, um dos melhores helicópteros do mundo para o leque de missões que a Força Aérea tem. Nessa perspetiva de duplo uso, pode naturalmente ser utilizado em missões de emergência médica.A Força Aérea opera com critérios extremamente exigentes e com padrões elevadíssimos de qualificação profissional. Quando decidimos operar a partir de um determinado local, isso resulta de um processo muito rigoroso. Sempre que avaliamos um heliporto civil, esse local é previamente analisado com imagens de satélite, sobrevoado por drones, são levantados todos os obstáculos existentes e avaliadas as características do pavimento, da resistência estrutural e das distâncias de segurança.Neste momento, posso dizer-lhe que a Força Aérea já certificou a operação do Black Hawk em 24 heliportos hospitalares. O número total de unidades hospitalares com heliporto rondará os trinta e muitos, mas estas certificações estão a ser feitas de forma faseada e rigorosa. . Recrutamento e retenção. Em 2024, numa entrevista ao Diário de Notícias e à TSF, falou de militares que chegavam a pagar valores muito elevados para se desvincular. O que é que mudou neste último ano?Mudou muita coisa. Foi implementado um conjunto de incentivos que foi sendo construído de forma gradual ao longo do tempo e que agora ficará plenamente consolidado. Tudo aquilo que estava previsto ficará concluído em janeiro deste ano, com a entrada em vigor integral do pacote de incentivos criado pelo Ministério da Defesa, desenhado em diálogo muito construtivo com os chefes dos ramos.Mas não foi apenas ao nível dos incentivos financeiros — embora esses sejam importantes e fiquem consolidados.O suplemento da condição militar?Sim, o suplemento da condição militar foi reforçado, assim como os vencimentos, tal como alguns subsídios específicos, incluindo no caso dos pilotos, cujo complemento ficará igualmente fechado até ao final do ano. Houve também um esforço muito significativo no apoio à família militar.Mas, como dizia, não foi apenas na dimensão financeira que se atuou. Esses incentivos ficam, mas há outras dimensões igualmente importantes que começaram a ser trabalhadas.O suplemento da condição militar foi, de facto, aumentado, bem como alguns subsídios. No caso dos pilotos, esses suplementos ficarão também plenamente complementados até ao final do ano. Houve igualmente um esforço muito grande no apoio à família militar. Creio que existe aqui um conjunto de medidas que têm a ver com a segurança e com a dignificação da carreira militar.Há ainda outras medidas que estão em estudo e a ser trabalhadas, como a revisão do Estatuto da Condição Militar, que é uma ferramenta absolutamente fundamental para perspetivar o futuro das carreiras e dos próprios militares. No entanto, considero que este pacote de medidas foi um sinal muito forte e que permitiu inverter uma tendência que vinha de trás.. Conseguiu estancar as saídas da Força Aérea?A Força Aérea nunca teve propriamente problemas de recrutamento. Há ramos que tiveram dificuldades nesse domínio; a Força Aérea não. Mantivemos sempre os mesmos padrões de recrutamento.Quantos candidatos têm, em média, por ano?Posso dar-lhe os números deste ano. Para a Academia da Força Aérea tivemos perto de 3.000 candidaturas e incorporámos 70. Houve um fator importante que alterou a curva: a curva das saídas diminuiu. Este ano mantivemos sensivelmente os mesmos números globais da Força Aérea, com 500 a 600 entradas anuais.Mas há um dado particularmente relevante: o rácio entre entradas e saídas. Em 2024, enquanto antes tínhamos valores negativos — ou seja, saíam mais militares do que aqueles que entravam —, registámos um saldo positivo de 121 militares. Este ano, esse valor subiu para cerca de 240. Ou seja, estamos agora com um rácio claramente positivo na retenção.Há ainda outra característica importante: conseguimos inverter a tendência de excesso de pessoal em regime de contrato. A Força Aérea não pode funcionar maioritariamente com contratos de curta duração, porque a especificidade das funções é muito elevada e exige pessoal altamente qualificado. Essa especialização não se adquire em cinco anos.No passado, tínhamos muitas saídas de pessoal do quadro permanente e um peso excessivo do regime de contrato, o que criava dificuldades. Neste momento, conseguimos estabilizar os números do quadro. Cerca de 67% do efetivo pertence ao quadro permanente. Ainda temos vagas, mas esta proporção já nos dá uma garantia muito maior de estabilidade operacional no futuro.E anteriormente essa proporção era diferente?Era praticamente equilibrada. Agora conseguimos recuperar esta componente do quadro permanente. E atenção: em termos globais de efetivos, registámos um aumento de cerca de 3% do ano passado para este ano.Em números absolutos, isso traduz-se em quê?Quando tomei posse, em 2022, tínhamos cerca de 4.000 militares. Neste momento temos 6.000 e tal. O total da Força ronda os 7.100 elementos, dos quais cerca de 700 são civis. Isto dá-nos aproximadamente 6.300 militares, dos quais 1.300 estão em formação.Nunca tivemos tanta gente em formação como temos agora. Nos últimos dez anos, andávamos normalmente entre 600 e 700 pessoas em formação; hoje temos praticamente o dobro. Isto dá-nos boas perspetivas, embora ainda vá demorar algum tempo até atingirmos o valor completo do quadro.. Qual é, neste momento, o défice em relação ao quadro previsto?Andará na ordem dos mil e poucos militares. Ainda falta, ainda há caminho a fazer.A que é que atribui esta inversão da tendência de queda que se vinha a verificar há vários anos? Salários, incentivos à carreira, alojamentos?Acho que é o conjunto de tudo isso. Para um militar, há algo que é absolutamente fundamental: o reconhecimento do trabalho que faz. Isso é extraordinariamente importante. Neste momento, os militares sentem que o seu trabalho é reconhecido.No caso da Força Aérea, esse reconhecimento está também ligado à introdução de novas capacidades e de novos sistemas. O nível tecnológico que hoje oferecemos não é comum. Não é normal um jovem engenheiro, numa empresa civil, trabalhar com sistemas desta complexidade. Esse fator, associado à melhoria dos vencimentos, mas sobretudo às condições criadas para o desenvolvimento do potencial individual, tornou a Força Aérea muito mais atrativa.Houve melhorias claras nas condições de trabalho, nas infraestruturas e na tecnologia. Tudo isso é extremamente aliciante para um jovem. Se, além disso, conseguirmos garantir um crescimento sustentado, não apenas em termos financeiros, mas também no apoio à família, então o efeito é ainda maior.A habitação é um bom exemplo. A assistência médica nas bases aéreas foi alargada às famílias dos militares e aos seus filhos. Os centros médicos das bases passaram a prestar esse apoio, o que é uma vantagem adicional, sobretudo porque muitos complexos habitacionais estão localizados nas próprias unidades.Fica ainda por completar a última dimensão, que é a questão das reformas. É um tema que está em cima da mesa e que está a ser trabalhado com a tutela.Como é que vê a Força Aérea daqui a dez anos, em 2035?Vejo a Força Aérea com um enorme potencial. Como referi anteriormente, a capacidade espacial é algo que poucas forças aéreas terão e que Portugal já está a desenvolver. Aliás, é digno de registo o reconhecimento que houve ao nível europeu, nomeadamente por parte da presidente da Comissão Europeia, relativamente ao caso português e ao papel da Força Aérea.Esse reconhecimento prende-se com o facto de Portugal ser visto como um caso de sucesso na articulação entre a Força Aérea e o ecossistema civil do espaço, desenvolvendo, de forma integrada, capacidades que são críticas não apenas para o país, mas também para a própria União Europeia. Isso é um sinal muito claro.Vejo, por isso, a Força Aérea como uma instituição que pensa e vive à frente do seu tempo. Estamos a trabalhar hoje com sistemas e a projetar uma Força Aérea para daqui a 15 anos. A transformação do poder aeroespacial nacional é uma garantia de que estamos a apostar em sistemas evoluídos. Já não estamos apenas a pensar nos meios que estamos a receber agora, mas também naqueles que os irão substituir dentro de uma década.É isso que dá vitalidade a uma instituição e a uma força com capacidade de combate que está, no fundo, ao serviço de Portugal e dos portugueses. Isso é o essencial.. Mas continuará a fazer sentido investir em meios altamente sofisticados, como caças ou aviões de transporte pesado, quando estamos a assistir a uma evolução muito rápida de meios mais pequenos e menos dispendiosos, como os drones?Os drones são uma realidade muito específica, associada também a conflitos muito específicos e localizados no tempo. No futuro, veremos os drones de uma forma diferente. Quando falo nisto, não estou a falar apenas de drones pequenos, como aqueles que hoje vemos no conflito na Ucrânia.A Força Aérea está a pensar em conceitos muito mais avançados. Quando falamos de energia dirigida e de sexta geração, falamos, por exemplo, de conceitos de enxame. Falamos de uma aeronave tripulada que voa acompanhada por quatro ou cinco sistemas não tripulados, com capacidades semelhantes, armamento a bordo e totalmente coordenados entre si. Qualquer um desses sistemas pode empregar armamento de precisão a grande distância ou, se necessário, proteger a aeronave tripulada.Isto dá-nos uma ideia clara do que será uma força aérea do futuro. O que estamos a ver hoje na Ucrânia é apenas o início de uma capacidade que terá um desenvolvimento exponencial. O futuro será muito diferente daquilo que hoje observamos.Numa perspetiva mais alargada das Forças Armadas e da articulação entre os três ramos, onde é que acha que deve estar o maior investimento: nas pessoas ou na tecnologia?A tecnologia é sempre fundamental. Não há nenhum comandante que goste de enviar os seus militares para uma situação de crise ou para um campo de batalha sem estarem devidamente equipados e com a melhor tecnologia disponível. Isso é o garante da sua capacidade de combate, mas sobretudo da sua sobrevivência.Por isso, esta visão deve ser encarada de forma integrada. O que está em causa é a capacidade nacional, e não capacidades isoladas de cada ramo. As decisões de investimento que foram tomadas refletem precisamente essa lógica: perceber o que é crítico em cada momento. Essa é uma visão correta e que deve ser projetada para o futuro.Mas pensando num cenário extremo, numa eventual participação num conflito armado, acha que os jovens portugueses estão preparados para isso?Quem é que está preparado para entrar numa guerra? Os militares estão preparados tecnicamente, mas isso não significa que gostem da guerra. Eles escolhem essa profissão sabendo que dão a vida pelos seus concidadãos. Vão para a guerra para restabelecer a paz, não por gosto no conflito.Os militares são, no fundo, homens e mulheres de paz. Estão vocacionados para defender os outros. E quanto aos jovens, muitas vezes subestimamos as novas gerações. A verdade é que são, em muitos aspetos, mais capacitadas do que nós fomos na mesma idade. Têm os seus ideais e, se essa for a sua vocação e a sua escolha, estarão preparados para assumir esse caminho.. Se o seu nome vier a ser considerado no futuro para funções de maior coordenação entre os ramos das Forças Armadas, estaria disponível para executar essa visão? O mandato do atual CEMGFA termina a 1 de março e, se se mantiver a tradição, será a vez da Força Aérea.Eu sou uma pessoa que vive muito intensamente o dia a dia. Quem me conhece, e quem leu a última entrevista que tivemos, sabe disso. Assumi quase como uma missão pessoal a transformação e a modernização da Força Aérea, elevando-a para patamares que nos permitam, dentro da nossa dimensão, estar entre as forças aéreas mais avançadas da Europa, do ponto de vista técnico e tecnológico.Neste momento, vivo intensamente a Força Aérea. É nisso que estou concentrado e é isso que é mais importante para mim. Se, no futuro, chegar outro momento, logo se verá. Mas hoje, a minha prioridade é claramente a Força Aérea.