A qualidade do ensino, principalmente nos primeiros anos de escolaridade, e a idade do corpo docente, Portugal está entre os países com graves problemas a este nível no contexto da União Europeia, são dois dos alertas do Conselho Nacional de Educação (CNE) no seu relatório anual, Estado da Educação 2023. No documento divulgado esta quarta-feira é referido que a falta de professores é uma das questões problemáticas ressalvando, todavia, que ainda não se conhecem os resultados das medidas implementadas pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) para fazer face ao problema. “Na educação básica e secundária, continua a ser extremamente difícil repor os docentes que vão saindo do sistema. O aumento da percentagem dos professores com menos de 30 anos, embora sucessivo, não chega a 2%. Acresce que o número de estudantes em cursos de mestrado que conferem habilitação para a docência tem-se mantido reduzido. Embora existam medidas em curso, esta realidade permanece um desafio”, pode ler-se no estudo. Esta situação, “das mais gravosas a nível europeu”, refere o documento, “verifica-se com grande preocupação”. Por isso, sublinha o CNE, a implementação das medidas do MECI, embora “possa ajudar a colmatar o problema”, deve ser reforçada com “a atratividade da profissão para os jovens, de forma perene, garantindo uma distribuição equitativa de docentes pelo país, sem comprometer a qualidade do ensino”. “Enfrentam-se desafios estruturais marcantes, como o facto de não se estar a conseguir repor os professores de que o sistema necessita”, afirma o CNE. Ainda segundo o CNE, “Portugal enfrenta uma das situações mais graves no contexto da União Europeia, relativamente à idade do corpo docente, à semelhança do que ocorre em países como a Grécia, os Bálticos, a Hungria e a Itália”.O estudo alerta ainda para o envelhecimento dos docentes do Ensino Superior (ES), especialmente no ensino universitário, porque “quase metade tem 50 anos ou mais, e a quantidade de docentes com 60 anos ou mais duplicou na última década (de 9,8% para 17,3%). “Apesar de a tendência refletir a demografia da sociedade atual, será necessário mobilizar atempadamente medidas com vista à renovação do corpo docente, de forma a garantir a sustentabilidade das instituições”, pode ler-se no documento.Os dados apresentados revelam que a maioria dos docentes do ensino superior, tanto no ensino universitário como no ensino politécnico, pertence aos grupos etários entre os 40 e os 59 anos. Este cenário contrasta com a baixa percentagem de professores com menos de 30 anos. “Os dados indicam que as preocupações relativas à escassez de professores, amplamente discutidas no contexto dos ensinos básico e secundário, devem igualmente ser consideradas no ensino superior”, conclui. Número de não docentes subiu Entre 2013/2014 e 2019/2020, houve uma redução significativa no número total de Pessoal Não Docente (PND), atingindo um mínimo de 80 216. Contudo, segundo o CNE, desde 2020/2021, tem-se verificado uma inversão dessa tendência, com um crescimento contínuo até 2022/2023. No ensino privado, o número de PND manteve-se praticamente inalterado, passando de 24 940 em 2013/2014 para 4 885 em 2022/2023. No setor público, no mesmo período, registou-se uma diminuição de 4,8%, de 62 993 para 59 997, com uma estabilização seguida de ligeiro crescimento nos últimos três anos. Contudo, alerta o CNE, “embora o número de PND em Portugal tenha crescido, os desafios permanecem”. “Há carência de técnicos especializados em muitas escolas. Como atrair mais pessoas para a profissão quando a valorização da profissão é limitada? Coloca-se, pois, a questão da falta de reconhecimento formal do papel destes profissionais, que contribui certamente para uma elevada taxa de rotatividade e para a desmotivação”, refere o documento. O CNE defende ser necessário garantir a reposição, a progressão na carreira e o acesso à formação contínua do PND.Qualidade das aprendizagensO estudo Estado da Educação 2023 salienta como “um dos problemas mais prementes”, “a qualidade das aprendizagens dos alunos em todos os níveis de escolaridade, desde a educação básica até à educação superior”. Neste contexto a situação é “particularmente preocupante e grave nos primeiros anos da educação básica”. “De acordo com os dados disponíveis, continuam, em percentagens elevadas, a não aprender o que está previsto no currículo. A aprendizagem da escrita está longe do que seria desejável, mas o mesmo se verifica em matemática e noutras disciplinas e áreas disciplinares”, explica. “Dir-se-ia que o país necessita de pôr em prática um programa especificamente orientado para melhorar a qualidade do ensino e das aprendizagens nos primeiros anos”, pode ler-se no documento. Preocupante é também a situação dos alunos migrantes, a frequentar a disciplina de Português Língua Não Materna, registando-se um “número de alunos que não têm aulas porque a sua escola não tem professores que as possam lecionar”. “A disciplina de PLNM e as questões pedagógicas e organizativas que suscita têm de ser tratadas como uma questão essencial para que o país possa levar a bom termo a plena integração das famílias migrantes, com todos os benefícios para a coesão social que daí decorrem”, defende o CNE.Ensino Privado com mais procuraA maioria dos alunos do ensino básico, 87,5%, frequentou estabelecimentos de ensino público, 806 905 alunos, mais 14 125 que no ano letivo anterior, o que corresponde a um aumento de 1,8%. Houve 115 606 alunos que frequentaram estabelecimentos de ensino privados, mais 2 639 do que em 2021/2022, registando-se um aumento de 2,3%. A maioria dos docentes (84%) leciona em escolas públicas. A Grande Lisboa é o maior centro agregador do ensino privado, que atinge os 27,0%. Destacam-se também o Alentejo e o Algarve com a menor percentagem de educação privada (8,3% e 9,1%, respetivamente). Maioria dos alunos migrantes é de nacionalidade brasileira Com a chegada de crianças migrantes, há mais alunos no sistema educativo. Em 2022/2023, 2 056 328 crianças, jovens e adultos frequentavam as escolas nacionais, 73 105 eram alunos dos ensinos básico e secundário. Do total de inscritos, 79,2% frequentaram o ensino público e 20,8% o privado. Entre as crianças e jovens na escolaridade obrigatória, 11,3% eram de nacionalidade estrangeira (142 760), a maior parte de nacionalidade brasileira. “O sistema educativo português sofre, nos dias de hoje, os efeitos de uma enorme pressão demográfica, em virtude de sucessivas ondas de imigração, cujo impacto a falta de professores aprofundou”, explica o estudo do CNE.