Álvaro Almeida, diretor executivo do Serviço Nacional de Saúde.
Álvaro Almeida, diretor executivo do Serviço Nacional de Saúde. FOTO: TIAGO PETINGA/LUSA

Diretor executivo do SNS: "É perfeitamente possível” um médico ganhar 400 mil euros por cirurgias adicionais

Álvaro Almeida admite ser possível que não há fraude, pois diz que se um médico trabalhar muito pode ter uma remuneração na casa dos 400 mil euros num ano.
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Álvaro Almeida, diretor executivo do SNS, afirmou esta quarta-feira, 16 de julho, ser “perfeitamente possível” que um médico “que trabalhe muito” ganhe 400 mil euros num ano por realizar cirurgias adicionais nos hospitais públicos para reduzir as listas de espera.

Álvaro Almeida falava na Comissão Parlamentar de Saúde, onde foi ouvido a pedido da bancada da Iniciativa Liberal (IL) sobre a produção adicional do serviço de dermatologia da Unidade Local de Saúde Santa Maria, depois de ser conhecido que um médico recebeu centenas de milhar de euros por operar doentes aos sábados.

“Se não houvesse fraude – não sabemos, porque o inquérito não está concluído –, mas é perfeitamente possível que não haja fraude e um médico que trabalhe muito tenha uma remuneração na casa dos 400 mil euros num ano. Não podemos concluir daí que há falta de controlo”, referiu o responsável da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS).

Perante os deputados, Álvaro Almeida adiantou que não pretendia na audição dar respostas sobre este caso concreto do Hospital de Santa Maria, alegando que está a decorrer um processo aberto pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) ainda sem conclusões.

“Devo dizer que eu não tenho essa certeza, porque, como neste caso concreto não tenho resultados, não sei se houve falta de controlo. Pode ter havido e pode não ter havido fraude, não sabemos”, disse o diretor executivo do SNS, em resposta à deputada da IL, Joana Cordeiro.

A parlamentar liberal salientou a importância da produção cirúrgica adicional, mas considerou que as audições já feitas sobre este caso indiciam “falhas graves de supervisão” e, principalmente, uma “questão de falta de fiscalização e de monitorização do sistema”.

Na resposta, Álvaro Almeida realçou que tirar essa conclusão “pelo simples facto de haver um médico que faturou 400 mil euros na produção adicional” não revela em si mesmo uma falta de controlo.

“Como sabe, o SIGIC [Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia] e a produção adicional existem para recuperar listas de espera, para permitir que a população tenha acesso a cuidados de saúde, e os profissionais de saúde que atuam na produção adicional são remunerados pelo seu esforço adicional”, referiu o responsável da DE-SNS, salientando que, para já, não tem dados que permitam concluir que houve falta de controlo.

Na audição, Álvaro Almeida referiu ainda que a “DE-SNS não é um planeador central” do Serviço Nacional de Saúde, que “não está organizado num comité central que controle todo o sistema”.

“Aquilo que [a DE-SNS] faz é monitorizar o cumprimento dos contratos-programa ao nível dos serviços e não de forma individual. Há 150 mil pessoas a trabalhar no SNS e não é a direção executiva que vai controlar essas 150 mil pessoas”, alegou ainda Álvaro Almeida.

Novo sistema vai impedir que médicos escolham as cirurgias adicionais

O futuro sistema de gestão do acesso a consultas e cirurgias vai impossibilitar os médicos de escolherem as cirurgias adicionais que pretendem realizar, eliminando uma das fragilidades do atual SIGIC.

“Uma das coisas que o SINACC [o novo Sistema Nacional de Acesso a Consultas e Cirurgias] deverá contemplar é precisamente esta impossibilidade de escolher cirurgias na produção adicional”, afirmou Álvaro Almeida.

O SINACC é o novo sistema previsto no Programa do Governo e que vai substituir o atual Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC).

Na audição pedida pela bancada da Iniciativa Liberal, o responsável da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS) adiantou que o SIGIC tem fragilidades que já tinham sido identificadas antes do caso do Hospital Santa Maria.

“A primeira falha é a questão do agendamento” das cirurgias, referiu Álvaro Almeida, ao adiantar que o modelo atual permite que, apesar de haver listas de espera ordenadas por antiguidade, as marcações das cirurgias sejam realizadas sem respeito por essa antiguidade.

“Permite fazer algo que pode ter acontecido neste caso que é escolher, especificamente, quais são as cirurgias que o cirurgião que agenda quer realizar. Pode escolher aquelas que são mais fáceis ou que geram mais rendimento”, referiu o diretor do SNS.

Perante isso, Álvaro Almeida adiantou que a proposta que está neste momento em cima da mesa para a criação do SINACC prevê que toda produção adicional da própria lista “tem de seguir, escrupulosa e automaticamente, a ordem da antiguidade” dos doentes.

“A primeira cirurgia a ser agendada tem de ser da pessoa que está mais tempo à espera. Isso evita que se escolham as cirurgias e que, quem agenda, possa escolher agendar determinadas pessoas para as beneficiar”, assegurou o responsável da DE-SNS.

Aos deputados Álvaro Almeida reconheceu ainda que outra fragilidade do atual sistema tem a ver com “um incentivo perverso à geração de listas de espera” para cirurgias nos hospitais públicos.

“Quanto maior for a lista de espera, mais cirurgias em produção adicional um serviço pode fazer”, adiantou o diretor executivo do SNS, ao garantir que também o SINACC vai minimizar este efeito.

Salientou ainda não ser verdade que as Unidades Locais de Saúde recebem mais financiamento se fizerem mais produção adicional, uma vez que são financiadas por capitação, sendo a remuneração adicional paga aos profissionais de saúde que realizam as cirurgias.

Álvaro Almeida referiu ainda que a produção em adicional do serviço de dermatologia do Santa Maria “é normal”, no sentido em que está em linha com a produção de outros hospitais.

Na sequência do caso do Santa Maria, a Inspeção-Geral de Atividades em Saúde (IGAS) avançou com um inquérito de natureza disciplinar, ainda sem conclusões conhecidas, e administração do hospital decidiu suspender as cirurgias adicionais de dermatologia e realizar auditorias internas.

A chamada produção adicional é um regime que prevê que possam ser feitas cirurgias fora do horário normal de trabalho das equipas, mediante o pagamento de incentivos financeiros, para reduzir as listas de espera dos hospitais.

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